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O mercado das ideias

Ao mesmo tempo que revela o aumento de empregos nesse setor, um novo estudo realizado pela Firjan mostra o enfraquecimento das áreas de cultura e de mídia

A ocupação de chefe de cozinha foi a que mais cresceu na área “cultural” - Imagem: iStockphoto
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Na semana passada, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) divulgou seu sétimo levantamento sobre os setores criativos no Brasil. O estudo da entidade, dada a falta de sistematização de indicadores pelo Poder Público, tornou-se, nos últimos 15 anos, uma referência para a área cultural.

É comum que se recorra a esses números para falar do potencial econômico da cultura. Acontece que, desde que o levantamento foi iniciado, em 2008, os profissionais criativos – definidos, de forma simplificada, como aqueles que geram valor para as empresas através de ideias – foram se fazendo presentes em mais e mais áreas.

Hoje, essas indústrias reúnem mais de mil ocupações e têm um PIB de 217,4 bilhões de reais, valor comparável à produção da construção civil e superior à do setor extrativista mineral. Esse volume corresponde a 2,91% do PIB nacional – em 2004, o porcentual era de 2,09%.

No entanto, conforme a necessidade­ de inovação se espraia por diferentes setores, a cultura, especificamente, se torna um pedaço cada mais miúdo dentro do latifúndio da criatividade, marcado por uma crescente digitalização e por modelos de negócios muito distintos daqueles do século XX.

O novo estudo da Firjan, que abarca o período de 2017 a 2020 e tem como fonte principal o Ministério do Trabalho e Previdência, mostra que o número de profissionais criativos, apesar do desemprego que assola o País, cresceu 11,7% em relação à última edição, de 2019. O Brasil tem hoje 935 mil profissionais criativos formalmente empregados – 50,9% deles em São Paulo e Rio –, o equivalente a 70% da mão de obra que atua na indústria metalmecânica.

Quatro áreas estão incluídas nesse guarda-chuva: tecnologia, consumo, mídia e cultura. As atividades industriais e de serviços relacionadas incluem desde a produção de material para publicidade e construção de instrumentos musicais até as operadoras de televisão por assinatura e os serviços de TI.

Tecnologia e consumo representam hoje mais de 85% dos vínculos empregatícios do setor. Na área de consumo, as ocupações que mais cresceram foram as de visual merchandiser (231,6%) e agenciador de propaganda (154,0%). A área de cultura, por sua vez, responde por 6,4% dos empregos e registrou queda de 12,1% entre 2019 e 2020.

Na área cultural, as poucas categorias que apresentaram crescimento foram as de chefe de cozinha (18,7%) e DJs (28,6%). Já os segmentos que mais sofreram foram os de artes cênicas (26,6%) e patrimônio e artes (20,6%) – todos em queda mesmo antes da pandemia. “A dependência de financiamento público em um período de grandes restrições fiscais, associada a mudanças nas leis de incentivo à cultura, tem impactado negativamente esses segmentos há alguns anos”, lê-se, no estudo.

Já a queda no setor de mídia, da ordem de 7,9%, tem, segundo os responsáveis pelo estudo, um caráter estrutural, ou seja, decorrem das mudanças impostas pela tecnologia à produção, distribuição e consumo de conteúdo. Todo esse processo de transformação foi, como se sabe, aprofundado pela pandemia.

Cabe observar que a flexibilização da legislação trabalhista, somada ao próprio modelo de trabalho na área de cultura, marcado pelo autoempreendedorismo, fazem com que muitos dos trabalhadores do setor não sejam radiografados pela pesquisa. E, obviamente, não se pode desconsiderar nem o impacto da pandemia, que levou à suspensão dos eventos presenciais, nem as mudanças da Lei ­Rouanet, que dificultaram e, em certos casos, até inviabilizaram projetos.

“O consumo é enorme, mas, quem produz, não rentabiliza isso”, diz Edde

Na cultura, especificamente, o estudo chama atenção ainda para o problema da proteção à propriedade intelectual. No caso da produção audiovisual brasileira feita para as plataformas de streaming, por exemplo, os direitos autorais são, quase todos, de propriedade estrangeira.

Como o Brasil ainda não regulou os serviços de streaming – definindo formas de tributação específicas do setor audiovisual ou criando regras de direitos de propriedade –, o desejado equilíbrio entre proteção e acesso ainda fica ao sabor, exclusivamente, do mercado.

“Esse estudo motiva algumas questões: como valorar o intangível e como proteger a propriedade intelectual?”, observa Leonardo Edde, vice-presidente da Firjan e representante do setor audiovisual. “O consumo é enorme, mas, quem produz conteúdo, não rentabiliza isso na mesma proporção. Temos de encontrar formas de garantir que os ativos continuem sendo brasileiros.”

É interessante pensar no quanto, ao mesmo tempo que ajudam a vender a ideia da cultura como uma atividade economicamente relevante, os números do setor criativo acabam por gerar uma imagem talvez distorcida das áreas mais ligadas às artes e à criação.

O conceito de economia criativa é, internacionalmente, um conceito em ­disputa. Desde que foi criado, na década de 1990, é defendido por sua capacidade de fortalecer as políticas públicas e justificar investimentos e é, ao mesmo tempo, criticado por sua falta de especificidade. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1217 DE CARTACAPITAL, EM 20 DE JULHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O mercado das ideias”

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