Cultura

O maravilhoso mundo-cão na cozinha de Ofélia

Inaugurarei um novo gênero: o culicial

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Numa época em que todos querem ser chef e ter seu programa de culinária, meu lugar parecia claro: estava condenada a ser uma velha-nova Palmirinha, vagando pela tevê aberta sem paradeiro até o dia de ir parar num canal de tevê fechada que ninguém assiste. Minha gastronomia vintage, de filé à Chateaubriand e empadão de galinha, não tem mais espaço neste mundo de espumas de amendoim e fettuccine de pupunha.

No entanto, tudo mudou. Um colega de minha antiga emissora mostrou que um apresentador é também um herói em potencial. E pode ser qualquer coisa, ou várias coisas, como jornalista, negociador de sequestros e apresentador de game show, inclusive ao mesmo tempo.

Por isso decidi que vou apresentar meu novo programa de culinária enquanto comento as notícias policiais da cidade. Inaugurarei um novo gênero: o culicial. Como convidados, em vez de chefs, médicos-legistas, peritos criminais, atiradores de elite. E, sendo uma senhora de bom gosto, jamais apresentarei receita que tenha presunto como ingrediente principal.

Meu sonho é fazer algo de útil para a sociedade. Como aquele meu colega. Quem sabe libertar reféns na hora do almoço? Pode parecer uma combinação indigesta, mas o telespectador médio é forte e já está habituado a uma dieta rica em sensacionalismo. Essa ideia me excita tanto que até já imaginei um possível diálogo com o sequestrador, enquanto cozinho o prato do dia:


– Assisto ao seu programa. Sou seu fã. Não posso sair, dona Ofélia, não antes de a senhora concluir o prato.


– Você tem de confiar na sua amiga aqui, coloquei em risco minha carreira. Sei que você é um cidadão de bem. Vamos com calma. Topa trocar as crianças por quatro empadinhas de camarão?

– É camarão mesmo?

– Pedaços graúdos.

– E a minha esposa?

– Mando uma porção de croquetes de carne. Fechado?

O sequestrador aceita, libera as vítimas e sai. Meu programa explode de audiência. Em todos os programas da noite, policiais dão entrevistas segurando salgadinhos feitos por mim. E, de quebra, ainda resgato o primeiro sentido da expressão “prender pelo estômago”. Será a glória!

Numa época em que todos querem ser chef e ter seu programa de culinária, meu lugar parecia claro: estava condenada a ser uma velha-nova Palmirinha, vagando pela tevê aberta sem paradeiro até o dia de ir parar num canal de tevê fechada que ninguém assiste. Minha gastronomia vintage, de filé à Chateaubriand e empadão de galinha, não tem mais espaço neste mundo de espumas de amendoim e fettuccine de pupunha.

No entanto, tudo mudou. Um colega de minha antiga emissora mostrou que um apresentador é também um herói em potencial. E pode ser qualquer coisa, ou várias coisas, como jornalista, negociador de sequestros e apresentador de game show, inclusive ao mesmo tempo.

Por isso decidi que vou apresentar meu novo programa de culinária enquanto comento as notícias policiais da cidade. Inaugurarei um novo gênero: o culicial. Como convidados, em vez de chefs, médicos-legistas, peritos criminais, atiradores de elite. E, sendo uma senhora de bom gosto, jamais apresentarei receita que tenha presunto como ingrediente principal.

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