Cultura

O maestro pop

Leonard Bernstein, conhecido por ter aproximado a criação erudita da popular, é revisitado em uma nova montagem de West Side Story e em um filme da Netflix

Lendário. Ex-diretor artístico da Filarmônica de Nova York, Bernstein estreou no Carnegie Hall regendo de memória, sem ter uma partitura à frente - Imagem: Paul de Hueck/Acervo Fundação Leonard Bernstein
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O maestro e compositor americano Leonard Bernstein (1918-1990) foi um homem de múltiplas qualidades. Uma das principais era seu empenho em derrubar o muro que separa a cultura erudita da música popular.

Diretor artístico da Filarmônica de Nova York de 1958 a 1969, criou conexões criativas para aproximar a música clássica dos jovens. Certa vez, mostrou que Mozart tinha um comportamento extravagante digno de um popstar. Ao mesmo tempo, introduziu elementos do rock em algumas de suas obras, como a Missa (1971).

Fez, além disso, incursões pelos musicais da Broadway. “A América deu ao mundo um formato único, vital e inimitável. O frisson provocado pela estreia de um espetáculo dessa categoria é o mesmo de uma ópera de Giacomo Puccini em Milão e das sinfonias de Johannes Brahms em Viena”, declarou. E, como bom regente pop que foi, Bernstein nunca sai de moda.

Na sexta-feira 8, estreia, no Theatro São Pedro, em São Paulo, West Side Story (1957), uma das obras-primas de seu repertório. Nos Estados Unidos, a Netflix prepara a cinebiografia Maestro, dirigida e interpretada por Bradley Cooper.

Bernstein nasceu no dia 25 de agosto em Lawrence, Massachusetts. Descendente da primeira geração de judeus ucranianos a desembarcar no país, recebeu o nome Louis, a pedido da avó, mas ­mudou-o legalmente para Leonard quando ela morreu. Tinha então 18 anos.

Sua iniciação musical deu-se aos 10 anos, no piano da família e, ainda na adolescência, encantou-se pela regência. Estudou no Curtis Music Institute, na Filadélfia e, depois de algumas experiências na regência, substituiu, em 1943, o maestro Bruno Walter em um concerto no Carnegie Hall e conduziu a Filarmônica de Nova York de memória, sem ter uma partitura à sua frente. No fim da década de 1950, perto dos 40 anos, assumiria o grupo sinfônico como titular.

“Ou vocês fazem o que eu peço ou não teremos Mahler”, disse, para a orquestra de Viena

Bernstein já havia escrito duas sinfonias e estava trabalhando na opereta ­Candide quando estreou West Side Story, projeto realizado ao lado do coreógrafo Jerome Robbins e do libretista Arthur Laurents. Inspirada em Romeu & Julieta, de Shakespeare, a obra, inicialmente, deveria se chamar East Side Story e narraria o amor impossível entre uma adolescente judia e um imigrante irlandês.

Mas Bernstein e Laurents estavam passando alguns dias em Los Angeles quando viram a notícia do assassinato de um imigrante latino, membro de uma gangue. A partir daí, Julieta virou uma porto-riquenha. O toque final foi a adição do então iniciante Stephen Sondheim como o letrista da trágica história de amor.

West Side Story é um espetáculo atemporal, que trata de amor, intolerância e preconceito racial. “Me identifico muito com essa história”, diz Jorge Takla, que tem origem libanesa e dirigiu a primeira montagem do espetáculo no Brasil, em 2008. “Venho de um país em que o preconceito entre raças e religiões é o estopim de guerras, separações amorosas e amores impossíveis.”

O musical foi gestado por oito anos até chegar aos palcos da Broadway, em 1957. Charles Moeller e Claudio Botelho, responsáveis pela produção do Theatro São Pedro, também fizeram um périplo até colocar o espetáculo de pé. O lançamento original estava previsto para 2018, no Theatro Municipal do Rio, mas foi adiado por falta de verba.

Dois anos depois, a Santa ­Marcelina Cultura, que gere o Theatro São Pedro, abraçou o sonho da dupla. Mas aí foi a pandemia que levou à suspensão da estreia, que, enfim, acontece, com o elenco principal intacto: Beto ­Sargentelli e ­Giulia Nadruz são Tony e Maria; Guilherme Logullo e Ingrid Gaigher vivem Bernardo e Anita. André Torquato é Riff, ex-companheiro de gangue de Tony.

Versões. Bradley Cooper protagoniza e dirige o filme O Maestro. O musical encenado em São Paulo foi adiado primeiro por falta de verba e depois por causa da pandemia – Imagem: Heloisa Bortz e Jason McDonald/Netflix

West Side Story foi uma criação inovadora em diversos aspectos. A música, por exemplo, combina elementos latinos com jazz e obras de origem europeia. “A cena do baile é marcada por uma polca”, diz Claudio Cruz, regente das récitas no São Pedro. Bernstein, que popularizou as sinfonias de Mahler nas salas de concerto, colocou um pouco do compositor austríaco no musical. “Maria é puro Mahler”, diz Cruz. A dança também era ousada para a época. Os passos masculinos simulam cenas de luta, enquanto os femininos tomam emprestada a sensualidade do flamenco.

Algumas versões recentes de West ­Side Story deixaram de lado as coreografias de Robbins na tentativa de modernizar o espetáculo. Mas na versão de Moeller e ­Botelho elas estarão presentes. “Não há por que não utilizar no Brasil uma coreografia que mudou a história da dança em musicais”, diz Moeller.

No que diz respeito às letras, o próprio Sondheim era crítico a elas, sobretudo pelas referências aos latinos. Na refilmagem dirigida por Steven Spielberg, lançada em 2021, foram tiradas expressões consideradas ofensivas. A primeira versão da obra para o teatro, por exemplo, classificava Porto Rico, país de origem de Maria, como “uma ilha cheia de doenças tropicais” – algo retirado da versão cinematográfica de 1961.

Nada disso diminui, porém, a grandeza de Bernstein, uma dessas figuras larger than life, expressão utilizada para definir um personagem cujo lado lendário se sobrepõe aos fatos da vida real. Vem, inclusive, disso, o apelo cinematográfico do maestro, percebido pela Netflix. Ele vestia-se de modo chamativo e, nos ensaios das orquestras, tinha de fazer sua visão sobre a obra prevalecer. “Ou vocês fazem o que eu peço ou não teremos Mahler”, disse, para a Filarmônica de Viena. E Mahler tiveram.

Artista genial e extravagante, Bernstein tem grande apelo cinematográfico

Era um regente de gestos largos e derramados: sua performance era tão importante quanto as obras que regia. Mas há quem defenda seu estilo. “Era discreto quando regia Stravinski ou outros compositores que pediam mais precisão”, diz Marin Alsop, ex-regente titular da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo e pupila de Bernstein.

Marin é, inclusive, apontada por Claudio Cruz como uma das responsáveis pela popularização das obras do compositor norte-americano por aqui: “Ela trouxe várias obras dele na programação da orquestra”. Roberto Minzuck, do Theatro Municipal, também trabalhou pela popularização de Bernstein. Em 2018, comandou uma versão da Missa, complicadíssima peça que une orquestra, banda de ­rock, coro adulto e infantil.

Bernstein gostava também de se engajar em algumas causas. No ensaio Radical Chic, o escritor Tom Wolfe chega a ironizá-lo por isso. Na década de 1970, o maestro e sua mulher, Felicia, deram para o grupo radical Panteras Negras o apartamento em que viviam, em Nova York. Segundo Wolfe, Lenny insistia em ensinar os seus convidados que seu sobrenome se pronunciava “BernsTÁIN” e não “BernsTIN”.

Em Maestro, a ser lançado em 2023, esse personagem singular será interpretado por Bradley Cooper. À atriz ­inglesa ­Carey Mulligan caberá o papel de ­Felicia. Inicialmente, o filme seria dirigido por ­Martin Scorsese e depois por Steven Spielberg, que passou a batuta para Cooper. Pouco se sabe sobre o conteúdo do filme, mas o ator de Nasce Uma Estrela tem se esmerado na caracterização do maestro. Em 2018, ele passou vários dias enfurnado no ­Carnegie Hall, onde Bernstein debutou à frente da Filarmônica de Nova York. “Ele queria sentir o clima do local”, disse, então, uma assessora da sala de concertos. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1216 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE JULHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O maestro pop “

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