Cultura

O IMS reúne, em um site, o Brasil desbravado pelo fotojornalismo

O idealizador do site e ex-superintendente-executivo do IMS, o jornalista Flávio Pinheiro, conversou com CartaCapital sobre a construção do projeto

Acervo do fotógrafo Walter Firmo - Crédito: IMS
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Lançado duas semanas atrás, o site Testemunha Ocular (link), do Instituto Moreira Salles (IMS), percorre, por meio de 50 nomes do fotojornalismo, grandes temas, momentos e lugares do Brasil.

A seleção, que recebeu, nestes 15 dias, 5 mil visitantes, foi feita a partir de seis nomes do vasto acervo do IMS – José Medeiros, Luciano Carneiro, Henri Ballot, Evandro Teixeira, Custodio Coimbra e Walter Firmo – e de 44 fotógrafos convidados. O País que emerge das imagens organizadas no novo site é a um só tempo dolorido e fascinante.

A emoldurar as imagens, divididas em seis seções, há uma variedade de materiais – de ensaios críticos a depoimentos em vídeo – que contribuem para a compreensão da ideia de autoria dentro do registro jornalístico e para a contextualização das fotos.

O jornalista Flávio Pinheiro, ex-superintendente-executivo do IMS e idealizador do projeto, conversou com CartaCapital sobre esse novo espaço onde a memória e o presente e se entrelaçam e se fortalecem.

CartaCapital: O acervo fotográfico do IMS é reconhecido por sua relevância e já deu origem a uma série de exposições – entre elas, algumas de fotojornalismo. O que motivou a criação do site com esse recorte específico?

Flávio Pinheiro: O que nos deu muito impulso foi o fato de, em 2016, o IMS ter adquirido o acervo dos Diários Associados, que inclui cerca de 900 mil imagens dos três jornais do grupo. Isso tem um peso quantitativo muito relevante. O domínio do site foi registrado há uns quatro anos. Eu dirigi o IMS ate o final de agosto de 2020 e, a partir da minha saída, me dediquei a esse projeto. Desde o começo, eu achava que o site deveria ter a ambição de ser o endereço do fotojornalismo na internet brasileira

CC: No meio da vastidão de imagens, que critérios vocês estabeleceram para a seleção?

FP: O acervo tem imagens o século XIX e uma cobertura muito boa do século XX. Escolhemos seis fotógrafos com coleções no acervo e convidamos outros 44. Desses 44, dois falecerem durante a construção do site: Erno Schneider e Orlando Brito. Selecionamos 50 imagens de cada fotógrafo do acervo e 20 de cada convidado. Essa galeria dá ao site um estoque fixo de imagens que compõem um painel muito significativo do Brasil.

CC: Os temas, por tratar-se de fotojornalismo, são sobretudo os do cotidiano?

FP: Sim, do cotidiano político, social e cultural do País. Temos imagens da violência, da saúde – com registros da pandemia e de crianças com microcefalia por causa da Zica –, das chacinas, geralmente praticadas pela polícia, dos movimentos negros, das mulheres, dos indígenas, das queimadas e da devastação florestal. Os grandes temas brasileiros estão cobertos por esse conjunto de imagens que trazem um olhar crítico sobre o País. O fotojornalismo ajudou a desbravar o Brasil.

CC: Esse conjunto parece ser revelador também das mudanças pelas quais passaram tanto a fotografia quanto o jornalismo.

FP: Algumas das mudanças estão associadas a progressos técnicos trazidos por máquinas mais velozes, sensibilidade à luz e teleobjetivas variadas e cada vez maiores. Você só cobria futebol da beira do campo. Hoje, você consegue ter precisão da imagem da arquibancada. Do ponto de vista de conceito, tivemos, nos anos 1950 e 1960, um fotojornalismo valioso, feito pela revista O Cruzeiro, que reuniu alguns dos melhores fotógrafos do Brasil e cumpriu um papel importante. A imagem, naquele momento, se tornou mais perene do que o texto e o fotojornalismo começou a mostrar um País desconhecido – é o caso do registro do candomblé feito por José Medeiros, na Bahia. A partir dos anos 1960, há uma profissionalização das revistas e o diálogo com o texto evolui. E, fazendo uma simplificação histórica, temos, nos anos 1990, a imagem digital, que tem uma função libertadora para o fotógrafo, que não precisava mais se contentar com a limitação de poses de um filme. Com o digital, chegamos também à banalização da imagem, com todo mundo fazendo foto de celular. Mas, por mais que a técnica esteja disseminada, existe a singularidade do observador. John Berger diz que a fotografia é o processo de tornar consciente a observação. Não existe fotografia sem a qualidade do observador. É o olhar particular que faz com que o território das imagens fotográficas sobreviva como algo importante.

CC: O que o site reúnes esses observadores especiais.

FP: Reunimos um conjunto notável de observadores muito perspicazes, que têm o olhar educado e o talento para relatar acontecimentos a partir das imagens. E o que esperamos, com o site, é que mais pessoas associem a imagem ao autor. Desejamos que elas vejam a icônica imagem do Jânio Quadros com as pernas enroscadas e saibam que é do Schneider; que mais pessoas vejam a foto do Congresso Nacional cercado em 1968 e a associem ao Orlando Brito. Um francês médio sabe quem é Cartier Bresson. Não sei quantos brasileiros médios sabem que é Evandro Teixeira.

CC: Vivemos um momento no qual identidades e vozes silenciadas por muitos anos vão ganhando espaço e amplitude. Como você situa o site desse debate?

FP: Fui jornalista a vida inteira, mas nos 12 anos passados no IMS, me aproximei mais e mais da ideia da memória identitária, que é aquela que te identifica, que dá um sentido. Como dizia a Hannah Arendt, a vida é cercada de esquecimentos. E não existe profundidade sem recordação: a recordação nos constitui. Além disso, essas imagens cumprem um papel fundamental na busca da verdade factual. Elas oferecem evidências indesmentíveis da violência, da miséria e da aspereza da vida.

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