Cultura

O fantástico mundo de Sveta Dorosheva

Do criativo pincel da ilustradora ucraniana brotam as mais estranhas e fascinantes criaturas

Sveta Dorosheva jamais estudou arte, mas sempre desenhou
Apoie Siga-nos no

Sveta Dorosheva nasceu na Ucrânia e há anos vive em Rehovot, Israel. Jamais estudou arte, mas sempre desenhou. Sua tese de graduação em Língua e Literatura foi dedicada aos contos de fadas, paixão adquirida na infância e que se tornou uma das grandes influências de seu trabalho. De seu pincel mergulhado em nanquim emerge um mundo fantástico e fantasioso, imerso em máscaras, sereias, criaturas estranhas a exibir medonhas carantonhas, reis e rainhas, chapéus imensos, bichos e flores. Um universo mágico que Sveta cultiva desde que, aos 5 anos, se encantou por um livro de esculturas gregas escolhido entre tantos outros da estante dos pais. As influências foram se acumulando e ela credita boa parte da inspiração às iluminuras medievais, à mitologia e à arte barroca.

Despretensiosa, acessível e dona de humor afiado, a ilustradora autodidata conta em entrevista a CartaCapital a importância da arte em sua vida, fala da relação dos três filhos com seus desenhos, da influência dos grandes desenhistas de literatura infantil, dos projetos atuais e de como deixa a cargo do público definir seu estilo.

CartaCapital: Você poderia definir o mundo que criou com sua arte?

Sveta Dorosheva: Claro que não (risos)! Nunca penso desse modo acerca de meu trabalho. Se a cada vez que me sento com uma folha de papel em branco na minha frente eu pensasse em “criar mundos com minha arte” nós não estaríamos conversando agora, pois eu simplesmente não conseguiria desenhar nada.

Obra de Sveta Dorosheva2 De seu pincel emerge um mundo fantástico e fantasioso 

CC: Sua formação em Línguas e Literatura de alguma forma ajudou a definir sua personalidade artística?

SD: Acredito que ler ajudou muito. Mas ainda acho que se tivesse estudado desenho e arte me ajudaria muito mais.

CC: Quais suas inspirações artísticas?

SD: São muitas. A era dourada das ilustrações de livros infantis (Harry Clarke, Edmund Dulac, Kay Nielsen), as iluminuras medievais, os primeiros pintores renascentistas como Durer, Bruegel e muitos mais.

CC: Desenhar é uma necessidade que se impõe a todas as outras?

SD: Sim

Obra de Sveta Dorosheva3 Sveta credita boa parte da inspiração às iluminuras medievaisCC: Desenhar envolve algum tipo de sofrimento ou é pura fruição?

SD: Pode envolver. Normalmente, no estágio inicial de criação da idéia, composição e escolha da técnica. Quando todo esse processo está concluído, desenhar então é puro prazer.

CC: Você é mãe de três garotos. Você mostra seus desenhos a eles ou os usa para lhes contar histórias?

SD: Cada um deles reage de um jeito. O mais velho (de 10 anos) é indiferente aos meus desenhos, uma vez que não têm lutas, robôs e Star Wars (e não há). O mais novo (quase 3 anos), ao contrário, tem muita curiosidade, mas não se importa com o que foi desenhado – ele apenas quer participar. Meu filho do meio (6 anos) admira meu trabalho e gosta de ouvir histórias relacionadas aos desenhos.

CC:
Que método de trabalho você prefere.

SD: Não saberia dizer. Diria que desenhar em preto e branco é o que me vem mais fácil. Mas o que eu realmente deveria amar é aquarela. Esta não é, entretanto, minha técnica favorita, porque ainda me sinto insegura. Mas também não posso dizer isso em relação ao preto e branco porque quando você se sente seguro com algo isso mata metade da diversão.

CC: Há algum projeto favorito?

SD: O mais recente é sempre o favorito. Sempre estou apaixonada pelo que estou fazendo no momento. Isso normalmente não continua após o fim do trabalho. Não consigo me lembrar de um único ‘caso de amor’ com meu próprio trabalho que tenha perdurado.

Obra de Sveta Dorosheva4 Sveta cultiva esse universo mágico desde que se encantou por esculturas gregas CC: Quantos livros você ilustrou? Como é seu processo de criação?

SD: Escrevi e ilustrei Nenuphar Book há seis anos e este é meu primeiro livro. Foi publicado neste ano pela Baroque Books & Arts na Romênia e deve sair em breve também pela Atticus Press na Rússia. Também ilustrei Notes on Awakening the Sleepless, de Dmitry Deitch, que é basicamente uma coleção de textos sobre sonhos e as ilustrações são emblemas alquímicos simbólicos. Fizemos alguns livros com o poeta russo Andrey Sensenkov. Um deles foi sobre Chet Baker. O outro é um livro divertido com ilustrações eróticas e poemas curtos de amor (não publicado). Certa vez comecei um livro infantil sobre um garoto inventor (sim, eu estava querendo impressionar meus filhos), mas não sei quando ou se voltarei a ele.

CC: No que você trabalha agora?

SD: Trabalho numa série de 12 livros, History Through the Eyes of KROKODIL magazine, XX Century. É uma tentativa de falar sobre o século XXI baseada num imenso arquivo da revista satírica soviética KROKODIL (1922-1992). É um projeto estranho. É imensamente interessante, mas, honestamente, nunca vivi uma experiência visual mais aterradora. Há muitas, muitas imagens no arquivo que mostram o dia a dia na União Soviética, desde cenas observadas nas ruas até propagandas. A cada capítulo de cada livro se segue uma galeria de caricaturas e cenas de gênero tiradas do arquivo da revista e dedicadas a determinado tópico – crianças, mulheres, vida diária, glamour, moda. Além de recolher material dos livros, desenhei as ilustrações que abrem essas galerias de autênticos desenhos. Muito divertido.

Obra de Sveta Dorosheva5 A artista também foi influenciada por mitologia e arte barrocaCC: Como você define seu estilo?

SD: Diria que sou boa estilista. Posso estilizar quase qualquer época e transformá-la num desenho. Eu não diria que tenho um estilo próprio.

CC: Sua arte às vezes remete a Alfonse Mucha.

SD: Leitores me comparam a muitos outros artistas e não tenho como concordar ou discordar. Como disse, não me considero dona de um estilo definido, deixo isso para quem olha o desenho.

CC: Você tem um público em especial?

SD: Esta não é a forma como penso. Conforme disse antes, se toda vez que me sentar diante de uma folha em branco fosse pensar num público específico não sairia nada. E, francamente, não acredito que isso exista (embora eu tenha trabalhado numa agência por sete anos). Não há público alvo (‘cridultos’ entre 25 e 45 anos’, ‘que vivem em grandes cidades’, ou ‘garotas adolescentes’, ou mesmo ‘mulheres sonhadoras que tenham lido Kierkegaard e Kafka, usando vestidos no estilo bohemian’, etc.). Há pessoas muito diferentes que gostam do que você faz e isto é maravilhoso.

Obra de Sveta Dorosheva6 Sveta é considerara uma ilustradora autodidata

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar