Cultura

O duelo de Cora e Julia

Terceiro romance da gaúcha Carol Bensimon trata de angústias e processos de duas protagonistas ligadas por uma relação ambígua

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Duas ex-namoradas se encontram, saem em uma viagem pelo sul do Brasil e se redescobrem enquanto amigas, (ex) amantes, novas mulheres. A história poderia ditar o ritmo de mais uma de muitas road novels, não fosse o fato de ter sido escrita por Carol Bensimon.

Em Todos Nós Adorávamos Caubóis (Companhia das Letras), seu terceiro livro, a escritora gaúcha concretiza a soma de algumas vontades: a de construir uma narrativa de estrada, a de colocar como protagonista duas garotas e a de mostrar a relação ambígua entre o romance e a amizade que as une. “É a primeira vez que eu trato de questões de gênero e de identidade sexual na minha literatura”, explicou em entrevista a CartaCapital.

Apesar de ter sido incluída entre os melhores jovens escritores brasileiros pela revista inglesa Granta, é importante frisar: Carol possui domínio da técnica e é dona de um estilo simples e profundo, mas seu verdadeiro trunfo é a maneira como trata dos processos. O modo como percebe, enfrenta e sintetiza – e expressa – refletem anseios e angústias em torno hoje dos 30 anos, que se questiona sobre os rumos de ontem e a vida hoje. “Aos dezoito anos (…) o que você quer é rodar pelas pistas livres da madrugada sem jamais chegar a um ponto B. Ou melhor, seu ponto B é um álbum a ser escutado na íntegra, seu ponto B é o lago que você olha enquanto fuma, com todos os amigos que puderam caber no banco de trás. O estranho é que conservar esses hábitos depois do prazo de validade fará com que eles pareçam, aos olhos dos outros, um mero rastro de excentricidade de alguém que não soube crescer.”

Uma maneira sutil e bonita de lidar com os duelos – dos caubóis, da Carol, de cada um de nós.

Confira os principais trechos da entrevista:

CartaCapital Como surgiu a ideia desse livro, especificamente? Como você o enxerga em sua obra?

Carol Bensimon – O livro é o resultado de uma soma de vontades. A primeira delas era a de construir uma narrativa de estrada, um gênero que sempre me fascinou. Como todo mundo sabe, esse é um gênero muito ligado à paisagem dos Estados Unidos e ao imaginário norte-americano, então eu queria ver o que acontecia se deslocássemos o eixo para o extremo sul do Brasil. Além disso, minha ideia era colocar duas garotas na estrada, o que não é exatamente inédito, mas certamente muito mais raro. Minha outra vontade era a de que essas garotas tivessem uma relação ambígua, algo nascido não na viagem, mas em um passado próximo, e que então essa viagem fosse uma espécie de acerto de contas, uma segunda chance para elas. É a primeira vez que eu trato de questões de gênero e de identidade sexual na minha literatura.

A ação do meu livro anterior, Sinuca Embaixo D’água, transcorria em um espaço muito mais delimitado, até porque era uma história sobre luto, e portanto os personagens estavam de certa forma presos a certos lugares que os remetiam à Antônia, a menina morta em um acidente de carro. Em Todos Nós Adorávamos Caubóis, o mundo é vasto, em todos os sentidos. Também acredito que se trata de uma história mais luminosa, embora também carregue um pouco de melancolia.

CC – O quanto de Carol Bensimon há em Todos Nós Adorávamos Caubóis?

CB – As pessoas que já leram meus outros livros certamente vão reconhecer o estilo. É a mesma prosa sensorial e meio debochada, acho eu. E claro que sempre há um pouco de experiência pessoal, até porque esse investimento de dois, três, quatro anos debruçada em um livro pressupõe que aqueles temas ali discutidos lhe são caros de algum modo. Mas eu gosto de fazer muita pesquisa quando escrevo. Não são histórias essencialmente baseadas na memória.

CC – Logo no início do livro você fala de um tipo de prazo de validade para algumas coisas, que podem soar estranhas aos ouvidos de quem não compreende ou quem não sente igual. Há prazo de validade para determinadas coisas? Ou, na verdade, tratam-se de elementos formadores da nossa personalidade?

CB – Se você seguir a norma e fizer o que a maioria das pessoas espera de você, há “prazo de validade” para certas coisas, sim. Por exemplo, é muito comum que as pessoas tenham uma vida desregrada e se permitam certas transgressões no tempo da faculdade, mas nunca depois desse período. Então elas encontram os ex-colegas e passam o tempo todo relembrando as loucuras que fizeram, resignadas com o fato de que aquele “frescor” da juventude não volta mais. É claro que cada fase da vida é diferente da anterior, mas tudo fica melhor se nos basearmos mais nos nossos desejos individuais e menos no que a sociedade espera de nós. Construir uma vida e construir relações sob medida. Estou meio que citando Michel Onfray, o filósofo francês. Escolhi uma frase dele, aliás, como epígrafe do livro.

CC – Como você enxerga esse traço de melancolia presente em sua obra?

CB – Provavelmente essa melancolia vem da maneira como as personagens enxergam o mundo, e também dos próprios lugares pelos quais elas transitam. Não estou falando especificamente do Todos Nós Adorávamos Caubóis, mas dos livros anteriores também.

CC – Você se vê como uma voz da geração que hoje gira em torno do 30?

CB – Acho que seria muita pretensão eu me autodeclarar uma voz de minha geração. Mas posso dizer que gosto de trabalhar com elementos “fundadores” dessas pessoas que têm cerca de 30 anos hoje, e isso vai do clipe de Crazy, do Aerosmith, à sensação de crescer em um país cheio de grades. Pra mim também faz todo o sentido, ou melhor, é quase obrigatório, que eu insira temas contemporâneos nas minhas histórias. Por exemplo, no caso do Todos Nós Adorávamos Caubóis, a bissexualidade feminina e as novas configurações familiares (o pai da Cora, personagem principal, casou com uma mulher 25 anos mais nova e está prestes a ter um outro filho). Não acredito que todos devem obrigatoriamente escrever assim, mas posso dizer que me interesso mais por histórias que captam um espírito de época.

CC – São todas as relações e amores duelos (bons), ao longo de nossa trajetória?

CB – Acho que só se tornam bons duelos a posteriori, quando já tivemos tempo para superar as mágoas e nos conformarmos com o que havia de mal resolvido. Difícil dizer qual é a visão da Cora sobre o assunto. A narrativa nos leva a crer que ela coleciona relações fugazes, sem grandes investimentos emocionais (ao menos da parte dela), e que sua história com Julia, nesse sentido, é uma história de exceção. Mas esse não é um livro sentimental. Não tenho nem bem certeza se se trata de uma história de amor.

 

CC – Atualmente, qual projeto seu está em curso?

CB – Depois de terminar um romance – esse demorou uns três anos para ser escrito – é difícil se engajar rapidamente em mais um projeto de longa duração. Até porque você lança o livro e precisa dar alguma atenção a ele, ir a debates, escolas, feiras, esse tipo de coisa. A vida entra em um ritmo diferente. Além disso, escrevo crônicas para Zero Hora, para o blog da Companhia das Letras, tenho uns projetos audiovisuais em andamento com a cineasta gaúcha Liliana Sulzbach, e estou terminando de traduzir uma história em quadrinhos.

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