Cultura

O disco de cabeceira faz 40 anos

Em entrevista, Lô Borges relembra composições clássicas: ‘Nunca imaginei que 40 anos depois falaria de um disco que fiz quando tinha 18’

Mais do que um movimento, o Clube da Esquina foi um momento em que as experiências musicais daqueles jovens mineiros se entrelaçaram
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Foi um ano especial para a história da música brasileira. Em 1972, sob o governo de Médici e com a ditadura a cada dia mais rígida, Caetano Veloso retorna ao País após três anos de exílio em Londres. Lança o disco Transa, seu predileto, com músicas do calibre de Nine out of ten – primeira canção brasileira a incorporar compassos de reggae. É também nesse ano que o acatado João Gilberto faz uma visita à comunidade hippie dos Novos Baianos e dá seus pitacos. Dessa reunião surge Acabou Chorare, álbum que mistura samba com guitarra elétrica e nasce clássico. Como se já não fosse suficiente, Gal Costa lança o Fa-Tal e Gilberto Gil, o Expresso 2222. 

Os baianos e o seu Tropicalismo efervesciam. Mas não foi só a terra de Dorival Caymmi que viu nascerem as joias de 1972. Em Minas Gerais um grupo de músicos de Belo Horizonte apresenta o Clube da Esquina, primeiro álbum duplo do Brasil e resultado de uma longa amizade entre Milton Nascimento, os irmãos Lô e Márcio Borges, Beto Guedes, Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Wagner Tiso, Toninho Horta e tantos outros que de algum modo fizeram parte da empreitada.

Pré-história

O Clube da Esquina só seria lançado em março daquele ano, mas a história começa bem antes. O ponto de partida foi 1963, quando Milton Nascimento chegou ao Edifício Levy. No mesmo prédio – localizado no centro da capital mineira – vivia a família Borges, que logo tratou de conceder a Bituca – apelido de Milton na época – o título de “filho número12”. “Nós fomos apresentados pelo som. Eu estava indo ao mercado para minha mãe e me deparei com aquela voz maviosa vinda da escada do prédio onde a gente morava. Era Bituca cantando e tocando violão”, conta Lô Borges, dez anos mais novo do que Milton.

Por conta da diferença de idade, quem acabou ficando mais amigo de Nascimento foi Márcio Borges, irmão mais velho de Lô. Os dois estavam sempre juntos – ambos encantados com a arte, com a música e com o cinema. Jules et Jim, de Truffaut, foi a primeira fonte de inspiração que compartilharam. No Cine Tupi, assistiram ao filme três vezes no mesmo dia. Ficaram tão encantados que saíram de lá diretamente para um bar, onde – embriagados pela “aura” da obra de arte e por algumas batidas de limão – compuseram Paz do Amor que Vem. Para eles, naquele momento, a narrativa de Jules et Jim era o maior tributo à amizade já realizado.

Paz do Amor que Vem foi a estreia dos dois como compositores e nunca chegou a ser gravada. Nessa época, Milton era baixista do Berimbau Trio, um grupo que fazia versões para músicas de Jazz e Bossa Nova. Ele achava que não seria capaz de se tornar compositor porque acreditava que tocava violão “errado” – sem saber que, na verdade, havia encontrado uma maneira inovadora de lidar com o instrumento.

Márcio Borges diariamente o incentivava a compor. Bituca, por sua vez, incentivava Lô: já percebendo que o amigo caçula tinha talento, “esquecia” o violão no quarto dos meninos Borges, para que ele pudesse “brincar”. Mais tarde, ao lado de Beto Guedes (também mais novo), Lô formaria o The Beavers, banda cover dos Beatles.

Para Lennon e McCartney

Quando Milton Nascimento começou a compor, sua carreira deslanchou. Aos 24 anos, em 1967, foi considerado a grande revelação do II Festival Internacional da Canção. Travessia, sua música com letra de Fernando Brant, acabou ficando em segundo lugar, perdendo apenas para Margarida, de Gutemberg Guarabyra.

A partir de então tudo mudou: Bituca deixou Belo Horizonte e se mudou para o Rio de Janeiro. Ficou conhecido e fechou contrato com a Odeon – principal gravadora da época, a atual EMI. Mas sempre voltava para visitar os amigos, aproveitando para levar para Lô e Beto Guedes os lançamentos dos Beatles.

A essa altura Lô Borges já estava começando a compor suas próprias músicas. Durante uma pequena festa na casa dos Borges, em uma das visitas de Milton à capital mineira, o então garoto de 16 anos mostrou uma composição que havia feito no piano. O amigo famoso fez um acompanhamento para violão; ali mesmo, Márcio Borges e Fernando Brant escreveram a letra e assim surgiu o clássico Para Lennon e McCartney. “Eu pensava que a gente ouvia tanto os Beatles, a gente curtia tanto o som deles e eles nem sabiam da nossa existência. Então fiz uma música para dizer que somos aqui de Minas Gerais e também fazemos uma música legal”, explica Lô Borges, em entrevista a CartaCapital.

A música entrou no disco Milton, lançado em 1970. É também desse álbum a canção Clube da Esquina, com música de Lô e Milton e letra de Márcio Borges. Era uma tradução de todo o sentimento que permeia o Clube da Esquina: a vontade de garantir um lugar em um futuro melhor, mas misturada às raízes mineiras e a uma antecipada nostalgia do presente.

Algumas pedras no caminho

Quando Milton Nascimento teve a ideia do projeto do Clube da Esquina, enfrentou alguns problemas na Odeon. “O que estava pegando era fazer um disco duplo. Naquela época ainda não tinha álbuns duplos do Brasil. Só depois, naquele mesmo ano, que a Gal Costa lançou o Fa-Tal”, explica Lô Borges.

Entretanto, o principal problema, segundo o músico, foi o fato de que Milton queria dividir a assinatura do disco com alguém que era completamente desconhecido do público. “Eu era um menino, isso foi algo completamente inédito na minha vida porque eu não tinha nem carreira musical, eu era um iniciante, não sabia nem que eu seria um músico profissional.”, comenta.

Mas Milton Nascimento estava determinado: “Quando o Milton fez o convite a gravadora ainda não tinha topado a gravação do disco. Ele tinha um contrato com a Odeon, mas disse que, se eles não topassem fazer,  procuraria outro grupo para oferecer o projeto”, conta Lô Borges.

Foi Adail Lessa quem deu carta branca para que o disco fosse realizado. Na época, ele era produtor executivo da Odeon, ao lado de Milton Miranda. “Acho que eles viram que eu era um dos compositores de Para Lennon e McCartney e pensaram ‘acho que esse menino até que presta!’”, diverte-se, quarenta anos depois.

Mas não foram só essas questões burocráticas que estavam em jogo. “Eu tive que ir para o Rio de Janeiro com 18 anos de idade, embaixo de uma ditadura barra pesada. Minha mãe não queria que eu fosse, eu fui até meio rompido com minha família, mas depois eles perceberam que era algo significativo na minha vida. É aquele terror da ditadura né? Três ou quatro pessoas morando juntas em uma casa já eram consideradas subversivas”, pondera.

Para poder se mudar para o Rio de Janeiro, Lô Borges teve que enfrentar até mesmo o exército. Ele estava na idade de se alistar e pediu licença para poder gravar o disco. Jovem, saudável e forte, estava apto a servir e chegou a ficar entre os recrutas. Como tinha o convite para o Clube, pediu ao capitão de sua Companhia que o liberasse para gravar o disco. “Primeiro ele foi bastante simpático e disse que tudo bem, que eu podia sair. Uma semana depois, quando eu voltei para a apresentação para começar a servir mesmo, ele me pegou grosseiramente pelo braço e falou ‘olha garoto, você não vai servir ao exército, mas não é porque você não quer. É porque o exército não quer gente da sua espécie aqui dentro, seu comunista’”.

O Clube da Esquina

Com Lô no Rio de Janeiro e com o projeto aprovado pela Odeon, foi dado início o período de composição das músicas do disco. Todas as canções foram feitas especialmente para o Clube da Esquina. “Nós nos mudamos para uma praia de Niterói chamada Piratininga. Na época, ela era quase deserta. A casa era muito interessante porque ficava o Milton em um quarto compondo, eu ficava em outro e o Beto Guedes circulando de quarto em quarto – tipo um enfermeiro -, para ver o que o Bituca estava produzindo e o que eu estava produzindo”, recorda-se.

A escolha de quem ia colocar a letra em determinada música era um pouco aleatória. Lô Borges afirma que naquela época ele não era muito politizado, preferia falar da Nuvem Cigana e do Trem Azul. “Parecia que naquele período era assim: ou você optava por ser engajado ou você optava por ser hippie. Eu escolhi ser hippie”, brinca.

As músicas cujas letras ele acreditava que deveriam ser mais politizadas – como a de Tudo que você podia ser – ele entregava ao irmão mais velho, Márcio Borges. “O Marcinho já tinha feito faculdade, já tinha um engajamento. Então ele ficava responsável por esse parte”, diz. E Márcio complementa: “Eu e meu amigo Paulo Leminski costumávamos dizer que a figura de linguagem vigente era a metáfora. No Clube isso fica claro, aquela história dos ratos em Trem de Doido ou aquilo da bota  e do anel de Zapata em Tudo que você podia ser. Certamente foi o modo que os músicos da nossa geração encontraram para driblar a censura”, relata Márcio.

Os irmãos contam que as gravações na Odeon eram sempre muito divertidas, com o estúdio cheio de amigos. “A gravação do Clube foi um playground, foi muito gostoso de fazer. Era uma farra, tinha muita gente no estúdio, muitos músicos, todos amigos. Um clima de amizade, muito carinho, dedicação, pessoas se doando mesmo por aquele projeto. Parecia uma oficina de criação de obra de arte”, diz Lô.

Para ele, tudo era mesmo uma grande brincadeira. “Eu não queria entrar para o show business. Ficava no Rio de Janeiro morrendo de saudade da minha namorada em Belo Horizonte. Nunca imaginei que 40 anos depois falaria de um disco que fiz quando tinha 18”, afirma. Apesar disso, garante que a participação no Clube da Esquina foi uma das experiências mais importantes de sua vida e até consegue eleger sua música favorita do álbum. “Eu acho que é Trem Azul, por causa das regravações. É uma honra saber que Tom Jobim regravou uma música minha”, deleita-se.

Herança

“A experiência do Clube da Esquina foi tão única que até artistas que produzem uma música que não tem nada a ver com a nossa dizem que usaram o disco como referência”, afirma Márcio Borges. Para ele, músicos da nova geração como Lenine e a banda Cobra Coral são a prova de que o álbum foi transmitido como herança.

“Hoje em dia eu faço um trabalho com o Samuel Rosa, do Skank. A gente já fez 50 shows juntos. Ele faz parte de uma outra geração, mas sempre fala para mim que saiu do livro dos Três Porquinhos diretamente para o Clube da Esquina. É um disco de cabeceira”, orgulha-se Lô.

Foi um ano especial para a história da música brasileira. Em 1972, sob o governo de Médici e com a ditadura a cada dia mais rígida, Caetano Veloso retorna ao País após três anos de exílio em Londres. Lança o disco Transa, seu predileto, com músicas do calibre de Nine out of ten – primeira canção brasileira a incorporar compassos de reggae. É também nesse ano que o acatado João Gilberto faz uma visita à comunidade hippie dos Novos Baianos e dá seus pitacos. Dessa reunião surge Acabou Chorare, álbum que mistura samba com guitarra elétrica e nasce clássico. Como se já não fosse suficiente, Gal Costa lança o Fa-Tal e Gilberto Gil, o Expresso 2222. 

Os baianos e o seu Tropicalismo efervesciam. Mas não foi só a terra de Dorival Caymmi que viu nascerem as joias de 1972. Em Minas Gerais um grupo de músicos de Belo Horizonte apresenta o Clube da Esquina, primeiro álbum duplo do Brasil e resultado de uma longa amizade entre Milton Nascimento, os irmãos Lô e Márcio Borges, Beto Guedes, Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Wagner Tiso, Toninho Horta e tantos outros que de algum modo fizeram parte da empreitada.

Pré-história

O Clube da Esquina só seria lançado em março daquele ano, mas a história começa bem antes. O ponto de partida foi 1963, quando Milton Nascimento chegou ao Edifício Levy. No mesmo prédio – localizado no centro da capital mineira – vivia a família Borges, que logo tratou de conceder a Bituca – apelido de Milton na época – o título de “filho número12”. “Nós fomos apresentados pelo som. Eu estava indo ao mercado para minha mãe e me deparei com aquela voz maviosa vinda da escada do prédio onde a gente morava. Era Bituca cantando e tocando violão”, conta Lô Borges, dez anos mais novo do que Milton.

Por conta da diferença de idade, quem acabou ficando mais amigo de Nascimento foi Márcio Borges, irmão mais velho de Lô. Os dois estavam sempre juntos – ambos encantados com a arte, com a música e com o cinema. Jules et Jim, de Truffaut, foi a primeira fonte de inspiração que compartilharam. No Cine Tupi, assistiram ao filme três vezes no mesmo dia. Ficaram tão encantados que saíram de lá diretamente para um bar, onde – embriagados pela “aura” da obra de arte e por algumas batidas de limão – compuseram Paz do Amor que Vem. Para eles, naquele momento, a narrativa de Jules et Jim era o maior tributo à amizade já realizado.

Paz do Amor que Vem foi a estreia dos dois como compositores e nunca chegou a ser gravada. Nessa época, Milton era baixista do Berimbau Trio, um grupo que fazia versões para músicas de Jazz e Bossa Nova. Ele achava que não seria capaz de se tornar compositor porque acreditava que tocava violão “errado” – sem saber que, na verdade, havia encontrado uma maneira inovadora de lidar com o instrumento.

Márcio Borges diariamente o incentivava a compor. Bituca, por sua vez, incentivava Lô: já percebendo que o amigo caçula tinha talento, “esquecia” o violão no quarto dos meninos Borges, para que ele pudesse “brincar”. Mais tarde, ao lado de Beto Guedes (também mais novo), Lô formaria o The Beavers, banda cover dos Beatles.

Para Lennon e McCartney

Quando Milton Nascimento começou a compor, sua carreira deslanchou. Aos 24 anos, em 1967, foi considerado a grande revelação do II Festival Internacional da Canção. Travessia, sua música com letra de Fernando Brant, acabou ficando em segundo lugar, perdendo apenas para Margarida, de Gutemberg Guarabyra.

A partir de então tudo mudou: Bituca deixou Belo Horizonte e se mudou para o Rio de Janeiro. Ficou conhecido e fechou contrato com a Odeon – principal gravadora da época, a atual EMI. Mas sempre voltava para visitar os amigos, aproveitando para levar para Lô e Beto Guedes os lançamentos dos Beatles.

A essa altura Lô Borges já estava começando a compor suas próprias músicas. Durante uma pequena festa na casa dos Borges, em uma das visitas de Milton à capital mineira, o então garoto de 16 anos mostrou uma composição que havia feito no piano. O amigo famoso fez um acompanhamento para violão; ali mesmo, Márcio Borges e Fernando Brant escreveram a letra e assim surgiu o clássico Para Lennon e McCartney. “Eu pensava que a gente ouvia tanto os Beatles, a gente curtia tanto o som deles e eles nem sabiam da nossa existência. Então fiz uma música para dizer que somos aqui de Minas Gerais e também fazemos uma música legal”, explica Lô Borges, em entrevista a CartaCapital.

A música entrou no disco Milton, lançado em 1970. É também desse álbum a canção Clube da Esquina, com música de Lô e Milton e letra de Márcio Borges. Era uma tradução de todo o sentimento que permeia o Clube da Esquina: a vontade de garantir um lugar em um futuro melhor, mas misturada às raízes mineiras e a uma antecipada nostalgia do presente.

Algumas pedras no caminho

Quando Milton Nascimento teve a ideia do projeto do Clube da Esquina, enfrentou alguns problemas na Odeon. “O que estava pegando era fazer um disco duplo. Naquela época ainda não tinha álbuns duplos do Brasil. Só depois, naquele mesmo ano, que a Gal Costa lançou o Fa-Tal”, explica Lô Borges.

Entretanto, o principal problema, segundo o músico, foi o fato de que Milton queria dividir a assinatura do disco com alguém que era completamente desconhecido do público. “Eu era um menino, isso foi algo completamente inédito na minha vida porque eu não tinha nem carreira musical, eu era um iniciante, não sabia nem que eu seria um músico profissional.”, comenta.

Mas Milton Nascimento estava determinado: “Quando o Milton fez o convite a gravadora ainda não tinha topado a gravação do disco. Ele tinha um contrato com a Odeon, mas disse que, se eles não topassem fazer,  procuraria outro grupo para oferecer o projeto”, conta Lô Borges.

Foi Adail Lessa quem deu carta branca para que o disco fosse realizado. Na época, ele era produtor executivo da Odeon, ao lado de Milton Miranda. “Acho que eles viram que eu era um dos compositores de Para Lennon e McCartney e pensaram ‘acho que esse menino até que presta!’”, diverte-se, quarenta anos depois.

Mas não foram só essas questões burocráticas que estavam em jogo. “Eu tive que ir para o Rio de Janeiro com 18 anos de idade, embaixo de uma ditadura barra pesada. Minha mãe não queria que eu fosse, eu fui até meio rompido com minha família, mas depois eles perceberam que era algo significativo na minha vida. É aquele terror da ditadura né? Três ou quatro pessoas morando juntas em uma casa já eram consideradas subversivas”, pondera.

Para poder se mudar para o Rio de Janeiro, Lô Borges teve que enfrentar até mesmo o exército. Ele estava na idade de se alistar e pediu licença para poder gravar o disco. Jovem, saudável e forte, estava apto a servir e chegou a ficar entre os recrutas. Como tinha o convite para o Clube, pediu ao capitão de sua Companhia que o liberasse para gravar o disco. “Primeiro ele foi bastante simpático e disse que tudo bem, que eu podia sair. Uma semana depois, quando eu voltei para a apresentação para começar a servir mesmo, ele me pegou grosseiramente pelo braço e falou ‘olha garoto, você não vai servir ao exército, mas não é porque você não quer. É porque o exército não quer gente da sua espécie aqui dentro, seu comunista’”.

O Clube da Esquina

Com Lô no Rio de Janeiro e com o projeto aprovado pela Odeon, foi dado início o período de composição das músicas do disco. Todas as canções foram feitas especialmente para o Clube da Esquina. “Nós nos mudamos para uma praia de Niterói chamada Piratininga. Na época, ela era quase deserta. A casa era muito interessante porque ficava o Milton em um quarto compondo, eu ficava em outro e o Beto Guedes circulando de quarto em quarto – tipo um enfermeiro -, para ver o que o Bituca estava produzindo e o que eu estava produzindo”, recorda-se.

A escolha de quem ia colocar a letra em determinada música era um pouco aleatória. Lô Borges afirma que naquela época ele não era muito politizado, preferia falar da Nuvem Cigana e do Trem Azul. “Parecia que naquele período era assim: ou você optava por ser engajado ou você optava por ser hippie. Eu escolhi ser hippie”, brinca.

As músicas cujas letras ele acreditava que deveriam ser mais politizadas – como a de Tudo que você podia ser – ele entregava ao irmão mais velho, Márcio Borges. “O Marcinho já tinha feito faculdade, já tinha um engajamento. Então ele ficava responsável por esse parte”, diz. E Márcio complementa: “Eu e meu amigo Paulo Leminski costumávamos dizer que a figura de linguagem vigente era a metáfora. No Clube isso fica claro, aquela história dos ratos em Trem de Doido ou aquilo da bota  e do anel de Zapata em Tudo que você podia ser. Certamente foi o modo que os músicos da nossa geração encontraram para driblar a censura”, relata Márcio.

Os irmãos contam que as gravações na Odeon eram sempre muito divertidas, com o estúdio cheio de amigos. “A gravação do Clube foi um playground, foi muito gostoso de fazer. Era uma farra, tinha muita gente no estúdio, muitos músicos, todos amigos. Um clima de amizade, muito carinho, dedicação, pessoas se doando mesmo por aquele projeto. Parecia uma oficina de criação de obra de arte”, diz Lô.

Para ele, tudo era mesmo uma grande brincadeira. “Eu não queria entrar para o show business. Ficava no Rio de Janeiro morrendo de saudade da minha namorada em Belo Horizonte. Nunca imaginei que 40 anos depois falaria de um disco que fiz quando tinha 18”, afirma. Apesar disso, garante que a participação no Clube da Esquina foi uma das experiências mais importantes de sua vida e até consegue eleger sua música favorita do álbum. “Eu acho que é Trem Azul, por causa das regravações. É uma honra saber que Tom Jobim regravou uma música minha”, deleita-se.

Herança

“A experiência do Clube da Esquina foi tão única que até artistas que produzem uma música que não tem nada a ver com a nossa dizem que usaram o disco como referência”, afirma Márcio Borges. Para ele, músicos da nova geração como Lenine e a banda Cobra Coral são a prova de que o álbum foi transmitido como herança.

“Hoje em dia eu faço um trabalho com o Samuel Rosa, do Skank. A gente já fez 50 shows juntos. Ele faz parte de uma outra geração, mas sempre fala para mim que saiu do livro dos Três Porquinhos diretamente para o Clube da Esquina. É um disco de cabeceira”, orgulha-se Lô.

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