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O corpo como um lugar de disputas

Em Benedetta, o cineasta Paul Verhoeven lança mão de códigos do ‘Nunsploitation’ para abordar temas centrais da sociedade contemporânea

O corpo como um lugar de disputas
O corpo como um lugar de disputas
O furor sexual das freiras toca no nervo dos moralistas
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Criar polêmica para engordar a bilheteria é um recurso que Paul Verhoeven explora desde antes da fatídica cruzada de pernas de Sharon ­Stone em Atração Fatal.

Benedetta (em cartaz desde a quinta-feira 13) parece, em princípio, mais um filme dentro dessa fórmula de provocação. A história de uma freira condenada por sacrilégio e obscenidade, ambientada na Itália do século XVI e baseada em fatos, oferece material sob medida para o diretor holandês.

Misturar homossexualidade e religião toca no nervo dos moralistas, enquanto mostrar nudez feminina e cenas de sexo lésbico incomoda quem enxerga nisso apenas voyeurismo e objetificação da mulher. Ater-se a esse aspecto superficial é, no entanto, o mesmo que lamber o papel sem saborear o bombom.

Os códigos do subgênero ­nunsploitation, ou seja, freiras em furor sexual, são retomados pelo diretor para abordar temas centrais da contemporaneidade. Sob a fantasia de filme de época, Benedetta trata, em primeiro lugar, de relações de poder e de empoderamento, de dominação, sujeição e liberação.

Enquanto em Elle, seu filme anterior, a relação de poder era física, centrada num estupro, em Benedetta ela é metafísica e mística, representada na forma de possessão espiritual. Em Elle, os corpos estavam quase sempre cobertos por roupas e máscaras. Em Benedetta, até as imagens da Virgem Maria e de Cristo são desnudadas.

Os primeiros diálogos enfatizam o vínculo conjugal entre a protagonista ainda menina e Jesus, a conversão dela em noiva dele ao entrar para o convento. Quando a personagem fica adulta, uma cena expõe o desejo dela de se tornar esposa dele. Verhoeven trata essas situações de modo simbólico, mas também realista, mostrando os transes místicos nos quais o corpo se entrega tanto quanto a alma.

O corpo, objeto eterno de controle e repressão por todas as formas de poder, é mostrado aqui como um lugar de disputas. Pode ser tanto objeto de castigos e de torturas quanto fonte de êxtase. Na cena mais ousada, Benedetta encontra um belo Jesus sangrando na cruz e ele pede que ela retire o tecido que encobre sua virilha.

A escolha final de Verhoeven, que obviamente não cabe aqui revelar, é decisiva para que se entenda a sua releitura do simbolismo do falo. A partir desse momento, a oposição masculino-feminino é apagada. Em seu lugar, Verhoeven imagina uma síntese do espírito de Cristo no corpo de uma mulher. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1191 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE JANEIRO DE 2022.

CRÉDITOS DA PÁGINA: IFC FILMS

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