Cultura

O cinema como música

Supersafra de filmes regionais turbina os debates do Fest Aruanda, em João Pessoa, foco de resistência cinematográfica

Seis longas regionais inéditos foram exibidos na mostra com sotaque nordestino e a Paraíba injeta 6 milhões de reais no setor
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Um copeiro chamado Edney vive solitária e docemente seu sonho, num Recife alheio e maquinal, cantando hits de Ney Matogrosso numa boate e amando em doloroso silêncio o segurança da firma (no filme Edney, de João Roberto Cintra). A transgressiva bailarina Luz del Fuego retorna, em uma pesquisa de imagens vertiginosa, para questionar o conceito de moralidade em relação ao corpo, em relação à liberdade da mulher (no filme Divina Luz, de Ricardo Sá). Um homem recolhido nas ruas com sintomas de confusão mental sofre abuso pelo diretor do hospital que o socorre (no filme Distúrbio, de Claudia Pinheiro).

Nas telas do Fest Aruanda, prodigiosa mostra audiovisual que a Paraíba realizou pela 13ª vez na capital, João Pessoa, o cinema brasileiro demonstra mais que vitalidade: exibe a vontade de passar a limpo as questões de identidade, afeto e legitimidade histórica do brasileiro. Nada menos que seis longas regionais inéditos foram exibidos na mostra Sob o Céu do Nordeste, e o estado da Paraíba, com incentivos de um edital, fruto de parceria entre a prefeitura de João Pessoa e a Agência Nacional de Cinema (Ancine), injeta 6 milhões de reais na produção local somente este ano.

Os curtas-metragens parecem viver um renascimento no festival – foram inscritos 571 filmes para o evento, que selecionou 12 obras. E a Paraíba concluiu 13 longas-metragens no período, uma marca a se festejar. “Tal safra não configura, possivelmente, ‘movimento’ clássico, uma poética estabelecida em cima de regras e posturas, mas sim um desses círculos virtuosos ocasionais, beneficiados pela soma de uma política de incentivo inteligente, com a presença de talentos individuais”, assinalou o crítico de cinema Luiz Zanin Oricchio.

A diversidade exibida cativou o público. A história recontada de Adoniran Barbosa – Meu Nome é João Rubinato, de Pedro Serrano, recheado da picardia natural do protagonista, derrubou em risadas o Cinépolis Manaíra, um dos locais onde o festival acontece. E eu que já fui uma brasa,/ se assoprarem posso acender de novo, canta Adoniran Barbosa, examinado numa saga de glória, intuição e melancólica decadência no longa.

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A música foi o cerne dos filmes inéditos que adornaram a mostra.

Simonal, de Leonardo Domingues, com Fabricio Boliveira, debruçou-se sobre o mito artístico de Wilson Simonal, mas principalmente sobre a questão do racismo e do preconceito em relação ao cantor. Som, Sol & Surf – Saquarema, de Hélio Pitanga, mergulha, com imagens inéditas, numa circunstância e numa cena musical perdida dos anos 1970 e o primeiro grande festival de música brasileiro, organizado por Nelson Motta. O documentário Clementina, de Ana Rieper, esquadrinha a vida de Clementina de Jesus.

Já a Paraíba ansiava pelo longa Jackson – Na batida do pandeiro, de Marcus Vilar, que teve problemas de direitos de imagem e acabou não sendo exibido. Vilar, veterano do cinema paraibano, será o homenageado da próxima edição do festival. O evento deste ano celebrou o ator Chico Diaz, protagonista de 64 filmes brasileiros e mais de 20 novelas no currículo.

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O tema música perpassou até a ficção. Todas as Canções de Amor, dirigido por Joana Mariani, com Bruno Gagliasso e Marina Ruy Barbosa, conta a história de dois casais que, embora separados cronologicamente por 20 anos, mantêm conexão por meio de uma fita cassete (a antiga playlist) encontrada no porão da casa em que vivem e pela memória das canções de amor dedicadas aos seus parceiros. O nome do festival, Aruanda, provém de um curta-metragem simbólico do Cinema Novo que trata de uma comunidade de escravos e oleiros da Serra do Talhado, dirigido por Linduarte Noronha.

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