Cultura

O centenário de Antônio Maria, um dos reis do samba-canção

Compositor e cronista, nascido em 17 de março de 1921, inseriu com maestria a solidão na música dor-de-cotovelo

Foto: Arquivo pessoal
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O samba-canção sempre existiu e sobrevive até hoje como subgênero do samba. Mas seu ápice se deu logo após o fechamento dos cassinos, em 1946, e a abertura das chamadas boates especializadas na cantoria de dor-de-cotovelo, até ser sobreposto pela Bossa Nova, no fim dos anos 1950.

Antônio Maria viveu intensamente esse período. O pernambucano, que só conseguiu dar certo no Rio de Janeiro depois de uma segunda incursão na cidade, em 1947, era jornalista e um assíduo frequentador da noite. Isso lhe deu consistência para escrever belas crônicas e compor músicas sobre os dissabores do amor.

O nome de algumas de suas colunas na imprensa da época já delatava onde andava o rapaz corpulento (em altura e largura) quando não estava sentado em frente a uma máquina datilográfica escrevendo: A Noite É Grande (O Jornal), Pernoite (revista Manchete) e Mesa de Pista (Última Hora).

Nas boates da zona Sul do Rio de Janeiro, ia de uma em uma: Vogue, Maxim’s, Sirocco, Sacha’s e por aí vai. Fez amizades com grandes personalidades da época que também viviam nesse circuito, de escritores a socialites. E teve parceiros de composições musicais invejáveis para a período: Fernando Lobo (conhecido desde sua terra natal, Recife), Luiz Bonfá, João Roberto Kelly, Vinicius de Moraes.

O pernambucano Antônio Maria não fazia o tipo charmoso, era glutão e pelas suas crônicas se percebe que também circulava com desenvoltura à luz do dia.

Na composição Se Eu Morresse Amanhã, de sua autoria com Pernambuco, um samba-canção de primeira linha, gravado por Maria Bethânia, sobre a dor de ficar sozinho: “De que serve viver tantos anos sem amor/ Se viver é juntar desenganos de amor / Se eu morresse amanhã de manhã / Não faria falta a ninguém”.

Teve suas músicas registradas por Aracy de Almeida, Ângela Maria, Dolores Duran e até Frank Sinatra e Nat King Cole. Nota-se em suas composições o apelo emocional, mas não cai na pieguice nem no sentimentalismo barato. A sua composição tem linearidade e coerência, de quem sabe manusear as palavras, em que melodias e arranjos só as enriquecem.

Em Ninguém Me Ama, seu primeiro sucesso, composto por ele e interpretado Nora Ney, em 1952, o baque da solidão: “Vim pela noite tão longa / De fracasso em fracasso / E hoje, descrente de tudo / Me resta o cansaço”.

No dia 15 de outubro de 1964, aos 43 anos, Antônio Maria morreu de infarto, com histórico familiar desfavorável e o coração combalido pela vida noturna “desgastante” e intensa.

Maria foi um dos reis do samba-canção, como foi o cantor Tito Madi e o maior de todos, o compositor Lupicínio Rodrigues. E também próximo de Maysa, símbolo da música dor-de-cotovelo daquela época e que também o gravou.

A diferença de Antônio Maria é que além de compositor de mão cheia, foi também cronista dos grandes, chegando perto de um Rubem Braga, Sergio Porto (o Stanislaw Ponte Preta), Nelson Rodrigues.

Escreveu de fato o que viu, viveu, sentiu e fez, tanto na música como no jornalismo. Um tipo raro hoje, em tempos em que a observação virtual passou a ser o objeto central da experiência.

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