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Nossa velha juventude

Há 40 anos, entrava em cartaz a peça Feliz Ano Velho, baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, depois adaptado também para o cinema

Nossa velha juventude
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Memórias. A pré-estreia do filme, lembra Paiva (abaixo), gerou tanto burburinho em São Paulo que a porta de vidro da sala de exibição foi quebrada – Imagem: Acervo Roberto Gervitz e Renato Parada
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Há 40 anos, mais precisamente em julho de 1983, a peça Feliz Ano Velho, baseada no livro de Marcelo Rubens Paiva, estreava, com estrondo, no Centro Cultural São Paulo. Era tanta gente interessada na montagem do romance lançado alguns meses antes que, no empurra-empurra em busca de um lugar, uma porta de vidro do teatro foi quebrada. Em 1987, Feliz Ano Velho custaria outra porta de vidro. Dessa vez, do Cine Gazeta, na Avenida Paulista, onde aconteceu a pré-estreia da versão cinematográfica.

A edição comemorativa dos 40 anos do livro que o tornou famoso (lançada no fim de 2022) tem trazido à tona, para Paiva, várias memórias desse romance tão pessoal e tão coletivo. “O livro foi escrito para falar de um momento ­pessoal, mas também trazia algo sobre a história do Brasil, um momento de transição”, diz o autor que, em 1979, sofreu um acidente que o deixou tetraplégico. “Embora fosse sobre minha reabilitação, eu não queria fazer uma história de superação.”

Se as estreias da peça e do filme tiveram um quê de happening, o lançamento do romance, em 1982, deu-se em um pequeno encontro para amigos, no então recém-inaugurado Sesc Pompeia, também em São Paulo. Paiva recorda que, quando os amigos chegaram, não havia livros. A Editora Brasiliense tinha se esquecido de enviar os exemplares – entregues depois às pressas.

“Eu achava que apenas os amigos iriam ler”, diz. “Nos primeiros meses, não aconteceu nada mesmo. Até que saiu uma pequena matéria na Veja, e as vendas explodiram.” Aos 63 anos, Paiva parece ainda se espantar com a fama adquirida então.

FELIZ ANO VELHO (EDIÇÃO COMEMORATIVA DE 40 ANOS). Marcelo Rubens Paiva. Alfaguara (312 págs. 79,90 reais)

Quando sofreu o acidente, ele cursava Engenharia na Unicamp, vivia numa república e, como mostra o livro, curtia a vida ao estilo sexo, drogas e rock’n’roll. A partir do drama íntimo, ele fala de maneira franca e despojada sobre os desafios e ansiedades da juventude.

“Pensei numa linguagem ligada à forma como as pessoas falavam. Queria que fosse algo com que os jovens da minha idade pudessem se identificar”, diz, lembrando do pedido para que que a revisão não adequasse a redação às normas de padrão da língua. Desde então, Feliz Ano Velho nunca esteve fora de catálogo e tornou-se, inclusive, leitura obrigatória no Ensino Médio e em alguns vestibulares.

“Feliz Ano Velho traz à tona os medos, inquietações e desejos daquela faixa etária”, diz Alcides Nogueira, responsável pela adaptação teatral de 1983. “Marcelo fez de sua história um para-raios para a juventude.” A peça viajou para Cuba e EUA, e teve uma versão argentina.

“Encontrei ali a força de um relato muito revelador, que falava de um momento de paralisia, de uma juventude que era tida como alienada, mas que se mostrava engajada”, diz Roberto Gervitz, diretor do filme, que também fez sucesso. “Muita gente leu o filme como uma metáfora do Brasil: a reconstrução do protagonista simbolizaria a reconstrução do País saído da ditadura.”

Autor de 17 livros, 11 peças e cinco roteiros de cinema, Paiva tem, neste momento, mais um romance sendo adaptado para as telas: Ainda Estou Aqui (2015), a ser dirigido por Walter Salles. O livro, assim como Feliz Ano Velho, tem a memória como matéria bruta. A partir do Alzheimer da mãe, o autor recupera episódios da ditadura brasileira e a prisão e morte do pai, no DOI-Codi.

Além de livros, Paiva escreve artigos e é atuante no Twitter, onde tem contato com todos os tipos de leitores. “Quando faço um comentário negativo sobre o Bolsonaro, sempre vem alguém reclamar, dizer que adorava Feliz Ano Velho, mas deixou de ser fã”, diverte-se. •


VITRINE

Por Ana Paula Sousa

A narradora de Meus Dias Com os Kopp (DBA, 128 págs., 54,90 reais) tem 17 anos e acompanha o pai, um intelectual, a uma viagem para entrega de um prêmio. A autora espanhola Xita Rubert olha com ironia para esse universo descrito, por décadas, por figuras como o pai da protagonista.

Novíssima Dependência (Dialética, 236 págs., 64,90 reais), fruto de uma dissertação de Mestrado, olha para o Brasil como um lugar utilizado, com fins especulativos, pelo capital financeiro internacional. Essa forma de subordinação é, segundo Lucas Castro, uma nova forma de imperialismo.

O amor materno, que passou do lugar da idealização para o lugar de problematização dos espaços da mulher no mundo, é o fio a alinhavar o conjunto de reflexões da norte-americana Jenny Offill no romance Departamento de Especulação (Todavia, 136 págs., 59,90 reais).

Publicado na edição n° 1251 de CartaCapital, em 22 de março de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Nossa velha juventude’

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