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Na natureza selvagem

Nesta época em que se valoriza a superexposição e na qual os cineastas evitam sutilezas, ‘As Oito Montanhas’, baseado em um romance italiano, pode até soar retrógrado

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Os atores Alessandro Borghi e Luca Marinelli atuam, sobretudo, com base nos não ditos e nos gestos contidos – Imagem: Imovision/MIC
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A amizade, dizem, resiste mais que os amores. As Oito Montanhas, em cartaz nos cinemas desde a quinta-feira 31, ganhou o epíteto ­Brokeback Mountain de Dois Homens Héteros. O filme dirigido pelo casal belga Felix van Groeningen e Charlotte Vandermeersch narra uma história de fraternidade mais persistente que as paixões e os casamentos. Talvez seus protagonistas sintam um pelo outro o amor que não ousa dizer seu nome. Mas, se não vão para a cama, não é por falta de oportunidade.

Pietro é um garoto de Turim que sempre escapa da vida urbana limitada acompanhando o pai em escaladas nas montanhas do Vale de Aosta. Bruno tem raízes fincadas na terra, nas pedras e nas relações com os animais. Ambos têm conflitos com a figura paterna. Suas diferenças serão igualadas em mergulhos na natureza, filmada como uma força física e, ao mesmo tempo, como algo transcendente.

O filme, adaptado do best seller homônimo do italiano Paolo Cognetti (lançado no Brasil pela Intrínseca), acompanha Bruno e Pietro da infância à maturidade, o que inclui rupturas, perdas e transformações. A extensão literária é transposta com o auxílio de múltiplas elipses, o que torna o filme narrativamente marcado por surpresas e fortalece o prazer do implícito.

Nas transições da infância para a adolescência e na passagem para a vida adulta, a narrativa suprime os momentos de grande crise vividos pelos personagens e só os revela de modo oblíquo ou tardio. Seus afetos ou raivas também ficam interiorizados, como um caldo que não ferve. Essa lógica de não ditos alcança plenitude com as atuações emocionantes de Luca Marinelli (Pietro) e Alessandro Borghi (Bruno), feitas de gestos e olhares contidos e poucas palavras.

Nesta época em que se valoriza a superexposição e na qual os cineastas evitam sutilezas para não incorrer em ambiguidades – poupando-se assim dos cancelamentos apressados –, As Oito Montanhas pode até parecer retrógrado. Van Groeningen e Charlotte preferem sugerir a assumir. Por isso, a natureza ocupa uma parte importante na história.

As locações nos Alpes e no Himalaia enchem os olhos, mas não funcionam somente como bela cenografia. Enquadrados nessa escala grandiosa, as figuras humanas ficam do tamanho de pontos ou linhas. Bruno e Pietro se buscam como os amigos que têm no outro um irmão ou um espelho. A natureza onipresente, no entanto, nunca os deixa esquecer da profunda solidão. •

Publicado na edição n° 1275 de CartaCapital, em 06 de setembro de 2023.

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