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Meu caro diário

Publicado originalmente em 1996, O Discurso Vazio é uma boa introdução ao universo do uruguaio Mario Levrero

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Reconhecimento póstumo. A obra do autor ganhou o mundo após sua morte – Imagem: Eduardo Abel Gimenez
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Em uma rara entrevista, Mario ­Levrero (1940–2004), nascido em Montevidéu, no Uruguai, contou que suas influências não vinham apenas de fontes literárias: “É como esperar que um produtor de queijo coma apenas queijo”.

A frase dá conta de duas características de sua literatura: o humor e a abundância de formas e temas.

Publicado originalmente em espanhol em 1996, O Discurso Vazio chega agora ao Brasil. O livro traz uma narrativa dividida em dois planos, um chamado Exercícios e outro O Discurso, que se alternam ao longo das 150 páginas do livro.

Ambos têm a forma de diário e combinam a realidade do autor e ficção. Dono de uma prosa leve e pessoal, ­Levrero conversa com seus leitores de forma muito próxima.

Os capítulos agrupados sob o título Exercícios são fruto de atividades de caligrafia, feitas à mão pelo narrador, em seu caderno, e apresentam uma escrita que toma por base a “profunda relação entre a letra e os traços do caráter”.

Já em O Discurso, mais livre, o autor segue o fluxo dos pensamentos, defendendo que é o “nada” que poderá revelar algo mais profundo, mais autêntico. Nesse processo, ele fala sobre seu dia a dia, sua família, seu cachorro Pongo, enfim, sobre as pequenas coisas do mundo ao seu redor.

O DISCURSO VAZIO. Mario Levrero. Tradução: Antônio Xerxenesky. Companhia das Letras (160 págs. 89,90 reais)

As entradas do diário vão de 1989 a 1991, e registram os pensamentos e ações de um escritor deprimido, às voltas com um eczema que o incomoda o tempo todo. Ainda assim, há um humor, ora um tanto ingênuo, ora sinistro. É de forma muito sincera, e despido de autocomiseração, que Levrero fala de si.

A veia poética do narrador também se deixa ver em alguns momentos, como neste registro de 26 de outubro de 1990: “Nestes dias, a primavera eclodiu, ou melhor, afirmou-se com contundência por todos os lados. Nosso jardim se encheu de plantas que não plantamos, que aparecem aqui e acolá como se por iniciativa própria, ou por inspiração do terreno, e que dia a dia se desenvolvem velozes, tomam posse, crescem”.

Desde a publicação de Um Romance Luminoso, escrito ao longo de muitos anos, mas publicado apenas após sua morte, em 2005, sua literatura alcançou um novo lugar no cenário latino-americano.

Reconhecido em vida em seu Uruguai e na Argentina – onde chegou a viver –, foi apenas postumamente que Levrero conquistou o mundo com seus romances, contos e histórias em quadrinhos. •

Publicado na edição n° 1374 de CartaCapital, em 13 de agosto de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Meu caro diário’

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