Em um álbum de 1h49min e 32 faixas, entre curtas e longas, o baiano Mateus Aleluia, 78 anos, apresenta uma leitura pessoal dos cantos das nações conhecidas no Brasil como jeje. O trabalho recém-lançado exprime sabedoria e é grandioso, sonoro e elevado.
Nascido em Cachoeira, no Recôncavo Baiano, cantor, compositor e pesquisador da cultura afro-brasileira, Aleluia explica a riqueza do projeto na abertura desse seu quarto disco solo (o sétimo se contarmos os três feitos com o emblemático grupo Tincoãs), chamado Afrocanto das Nações.
Trata-se do registro dos cantos dos nkisis, voduns e orixás (estes no Brasil) das nações jeje (originários das etnias fon, ashanti e ewe do antigo Reino de Daomé – atual Benin), da nação Congo-Angola (das etnias avibundo, ovibundo, bakongo e chokwe) e da nação Ketu (da etnia iourubá).
O projeto todo, patrocinado pela Natura Musical, tem o nome de Nações do Candomblé, mas o álbum Afrocanto das Nações é o primeiro volume dessa exuberante obra, que tem um site com imagens, vídeos, entrevistas, músicas e explicações extensivas da iniciativa.
Nessa primeira edição, o projeto foca nos cantos para os voduns das etnias fon, ewe e ashanti do Reino de Daomé, e cantos de terreiros de candomblé da nação jeje na Bahia.
Mateus Aleluia morou 20 anos em Angola, onde fez também profundas pesquisas da cultura afro-brasileira. Não à toa, é uma das maiores sumidades no Brasil sobre o tema.
O disco é um registro em modo ritualístico, em vários atos, entremeados por falas e cantos inéditos compostos por Mateus Aleluia. As músicas são interpretadas de forma intimista, de voz e violão, em alguns momentos com percussão e sopros.
As referências às forças da natureza e a divindades e suas relações sagradas, algo característico do candomblé, são apresentadas por Mateus Aleluia a partir de um olhar pessoal, vigoroso, profundo e belo. Ele se põe a dialogar a todo o tempo com o ouvinte – e consegue.
O projeto é uma conexão etnomusical e religiosa de nações africanas com o Brasil, uma extensa compreensão do significado do poder ancestral dessas relações sem obviedade, mas respeito com à sacralidade, ao próximo e aos elementos da natureza.
A produção do disco Afrocanto das Nações é de Mateus Aleluia, Tadeu Mascarenhas e Tenille Bezerra. É um dos discos de cultura afro-brasileira mais densos lançados nos últimos tempos.
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