Cultura

A marcha do sertanejo rumo ao pop

Professor especializado em viola caipira conta como a música sertaneja autêntica adaptou-se ao mundo urbano até chegar ao sucesso atual, mais próximo de Justin Bieber que de Cornélio Pires

Michel Teló Foto: Divulgação
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Camisas xadrez muito bem alinhadas e cabelo ajeitado com gel são apenas dois dos componentes com os quais é construída a imagem de um cantor sertanejo a partir dos anos 2000. Artistas como Michel Teló ou Luan Santana, expoentes do tal sertanejo universitário, com seus estilos joviais estão muito mais próximos do universo das boybands norte-americanas do que dos tradicionais caipiras, homens que entoavam seus lamentos embalados por modinhas de viola. Mas as mudanças no figurino não vieram sozinhas: elas acompanharam a nova lógica de mercado proposta pelas grandes gravadoras, que, além de uma diferente postura, também sugere modificações nas estruturas formais e melódicas daquela música caipira de raiz.

As transformações vieram em ondas ao longo do século passado. Aos poucos, foram acontecendo constantes aproximações do sertanejo com a música pop, seja através da abdicação de um arcabouço rítmico típico do gênero – são cerca de 15 variações, entre elas a moda de viola e o lundu – ou da apropriação de sons de outros estilos.  O fato é que as mudanças foram tamanhas que hoje em dia Teló pode até mesmo intitular seu trabalho como “pancadão sertanejo”.

“Tudo é uma escolha das gravadoras, quem decide são elas. Os produtores percebem as tendências, então os ritmos surgem praticamente de laboratórios”, explica Ivan Vilela, músico  especializado em viola caipira e professor do Departamento de Música da Universidade de São Paulo.

Os alicerces da música caipira clássica

No começo, a canção caipira já sofria influências de outros estilos de música popular, como o choro. O primeiro registro de gravação aconteceu no final da década de 1920, por Cornélio Pires. O cantor, nascido na cidade de Tietê, era também escritor e ensaísta e teve que adaptar as usualmente longas canções em faixas que não passavam de alguns minutos. “Por isso há quem diga que existe uma diferenciação, a música caipira se torna sertaneja depois que é gravada. Mas há que se pensar porque sua estrutura é a mesma, antes ou depois do registro”, explica Vilela.

A tal estrutura da qual o professor fala é a usada tradicionalmente pela música sertaneja autêntica. Ela era baseada em quatro alicerces: o uso dos ritmos tradicionais do estilo, o canto em vozes em dueto, a utilização dos instrumentos típicos – o violão e a viola caipira – e a própria temática, que propunha a narrativa de “causos”.

Aos poucos esse arranjo foi se modificando. O êxodo rural foi um dos primeiros fatores de transformação. Os migrantes viviam a dualidade entre os valores do campo e da cidade e passavam a compor músicas influenciadas por novas temáticas e sonoridades – inclusive uma fusão com a tradição musical vinda com a Jovem Guarda. “A indústria fonográfica percebeu o novo nicho formado e tratou de produzir duplas que davam conta dessa união. Então surgiram duplas como José Rico e Milionário e Tonico e Tinoco”, conta o professor.

Esse filão apresenta vendagens expressivas no decorrer dos anos 70 e dá espaço para que na década seguinte mudanças ainda maiores ocorram. Uma delas é a incorporação de instrumentos como a guitarra e o baixo, um salto em direção ao pop. “Duplas como Chitãozinho e Xororó, Zezé de Camargo e Luciano ou Leandro e Leonardo param de cantar em dueto o tempo inteiro e abrem mão dos ritmos da música caipira, tornando-se muito mais internacionais, próximas do country americano”, diz Vilela.

A mídia pauta os sucessos

Quanto à questão mercadológica, o sucesso foi garantido. Nessa época foi iniciada a prática do pagamento dos famosos jabás para os veículos de mídia, acordo que impulsionou ainda mais o sucesso desses artistas. “Eles dependem do suporte da mídia porque têm canções que não são elaboradas, são fáceis, apresentam letras palatáveis. Isso de fazer músicas fáceis vem de uma posição que foi tomada pelos próprios selos, que começam a usar a imprensa para publicizar essas duplas”, garante o músico. Antes, idéias como essa eram impensáveis, sendo o rádio o principal meio de divulgação da música caipira.

Depois de ganhar muitos discos de platina no Domingão do Faustão, de emocionar as senhoras nas platéias de programas de auditório como o Sabadão Sertanejo, de Gugu Liberato, ocorreu um esgotamento do segmento. O sertanejo teve mais uma vez que se reinventar, agora com sua versão “universitária”.

Michel Teló é sem dúvida o primeiro que vem à mente. Produzido por Dudu Borges – o mesmo responsável por Fernando e Sorocaba – não é nem preciso comentar o seu sucesso internacional com “Ai se eu te pego”: a música até ganhou uma versão em várias outras línguas. Curiosamente,  é uma composição de  Sharon Acioly, da boate baiana Axé Moi, a mesma de “Dança do quadrado”, hit do verão 2007. “Fugidinha”, seu single anterior, é de Rodriguinho, ex-vocalista da banda de pagode Os Travessos, o que comprova a aproximação de Teló com ritmos mais populares e lhe dá o direito de chamar seu trabalho de “pancadão sertanejo”. A mais recente novidade do cantor foi uma versão de Someone Like You, da britânica Adele (vencedora de seis prêmios Grammy), durante um show no Reino Unido no último domingo 26.

Vilela cita o caso de Luan Santana: “Ele é um menino de 19 anos que faz cerca de 300 shows por ano e fatura milhões. Para mim, está muito mais próximo de Justin Bieber do que de um sertanejo”, afirma.

E o anunciado fim da indústria fonográfica não vai impedir o sucesso do sertanejo universitário e nem o fim da marcha rumo ao pop – é o que acredita o professor. “Eu acho improvável que alguma coisa mude significativamente, a não ser que esse cantor seja muito rico. Porque eles precisam de dinheiro para pagar os jabás, algo que é função das gravadoras”. Para ele, a internet e o Youtube apenas potencializaram esse êxito.

“São músicas passageiras, daqui a algum tempo ninguém mais vai se lembrar de Michel Teló”, diz Vilela, categoricamente. É o caso de esperar o próximo esgotamento e ver o que o futuro reserva ao gênero. Até lá sem dúvida muitos casais serão formados aos sábados, nas baladas.

Camisas xadrez muito bem alinhadas e cabelo ajeitado com gel são apenas dois dos componentes com os quais é construída a imagem de um cantor sertanejo a partir dos anos 2000. Artistas como Michel Teló ou Luan Santana, expoentes do tal sertanejo universitário, com seus estilos joviais estão muito mais próximos do universo das boybands norte-americanas do que dos tradicionais caipiras, homens que entoavam seus lamentos embalados por modinhas de viola. Mas as mudanças no figurino não vieram sozinhas: elas acompanharam a nova lógica de mercado proposta pelas grandes gravadoras, que, além de uma diferente postura, também sugere modificações nas estruturas formais e melódicas daquela música caipira de raiz.

As transformações vieram em ondas ao longo do século passado. Aos poucos, foram acontecendo constantes aproximações do sertanejo com a música pop, seja através da abdicação de um arcabouço rítmico típico do gênero – são cerca de 15 variações, entre elas a moda de viola e o lundu – ou da apropriação de sons de outros estilos.  O fato é que as mudanças foram tamanhas que hoje em dia Teló pode até mesmo intitular seu trabalho como “pancadão sertanejo”.

“Tudo é uma escolha das gravadoras, quem decide são elas. Os produtores percebem as tendências, então os ritmos surgem praticamente de laboratórios”, explica Ivan Vilela, músico  especializado em viola caipira e professor do Departamento de Música da Universidade de São Paulo.

Os alicerces da música caipira clássica

No começo, a canção caipira já sofria influências de outros estilos de música popular, como o choro. O primeiro registro de gravação aconteceu no final da década de 1920, por Cornélio Pires. O cantor, nascido na cidade de Tietê, era também escritor e ensaísta e teve que adaptar as usualmente longas canções em faixas que não passavam de alguns minutos. “Por isso há quem diga que existe uma diferenciação, a música caipira se torna sertaneja depois que é gravada. Mas há que se pensar porque sua estrutura é a mesma, antes ou depois do registro”, explica Vilela.

A tal estrutura da qual o professor fala é a usada tradicionalmente pela música sertaneja autêntica. Ela era baseada em quatro alicerces: o uso dos ritmos tradicionais do estilo, o canto em vozes em dueto, a utilização dos instrumentos típicos – o violão e a viola caipira – e a própria temática, que propunha a narrativa de “causos”.

Aos poucos esse arranjo foi se modificando. O êxodo rural foi um dos primeiros fatores de transformação. Os migrantes viviam a dualidade entre os valores do campo e da cidade e passavam a compor músicas influenciadas por novas temáticas e sonoridades – inclusive uma fusão com a tradição musical vinda com a Jovem Guarda. “A indústria fonográfica percebeu o novo nicho formado e tratou de produzir duplas que davam conta dessa união. Então surgiram duplas como José Rico e Milionário e Tonico e Tinoco”, conta o professor.

Esse filão apresenta vendagens expressivas no decorrer dos anos 70 e dá espaço para que na década seguinte mudanças ainda maiores ocorram. Uma delas é a incorporação de instrumentos como a guitarra e o baixo, um salto em direção ao pop. “Duplas como Chitãozinho e Xororó, Zezé de Camargo e Luciano ou Leandro e Leonardo param de cantar em dueto o tempo inteiro e abrem mão dos ritmos da música caipira, tornando-se muito mais internacionais, próximas do country americano”, diz Vilela.

A mídia pauta os sucessos

Quanto à questão mercadológica, o sucesso foi garantido. Nessa época foi iniciada a prática do pagamento dos famosos jabás para os veículos de mídia, acordo que impulsionou ainda mais o sucesso desses artistas. “Eles dependem do suporte da mídia porque têm canções que não são elaboradas, são fáceis, apresentam letras palatáveis. Isso de fazer músicas fáceis vem de uma posição que foi tomada pelos próprios selos, que começam a usar a imprensa para publicizar essas duplas”, garante o músico. Antes, idéias como essa eram impensáveis, sendo o rádio o principal meio de divulgação da música caipira.

Depois de ganhar muitos discos de platina no Domingão do Faustão, de emocionar as senhoras nas platéias de programas de auditório como o Sabadão Sertanejo, de Gugu Liberato, ocorreu um esgotamento do segmento. O sertanejo teve mais uma vez que se reinventar, agora com sua versão “universitária”.

Michel Teló é sem dúvida o primeiro que vem à mente. Produzido por Dudu Borges – o mesmo responsável por Fernando e Sorocaba – não é nem preciso comentar o seu sucesso internacional com “Ai se eu te pego”: a música até ganhou uma versão em várias outras línguas. Curiosamente,  é uma composição de  Sharon Acioly, da boate baiana Axé Moi, a mesma de “Dança do quadrado”, hit do verão 2007. “Fugidinha”, seu single anterior, é de Rodriguinho, ex-vocalista da banda de pagode Os Travessos, o que comprova a aproximação de Teló com ritmos mais populares e lhe dá o direito de chamar seu trabalho de “pancadão sertanejo”. A mais recente novidade do cantor foi uma versão de Someone Like You, da britânica Adele (vencedora de seis prêmios Grammy), durante um show no Reino Unido no último domingo 26.

Vilela cita o caso de Luan Santana: “Ele é um menino de 19 anos que faz cerca de 300 shows por ano e fatura milhões. Para mim, está muito mais próximo de Justin Bieber do que de um sertanejo”, afirma.

E o anunciado fim da indústria fonográfica não vai impedir o sucesso do sertanejo universitário e nem o fim da marcha rumo ao pop – é o que acredita o professor. “Eu acho improvável que alguma coisa mude significativamente, a não ser que esse cantor seja muito rico. Porque eles precisam de dinheiro para pagar os jabás, algo que é função das gravadoras”. Para ele, a internet e o Youtube apenas potencializaram esse êxito.

“São músicas passageiras, daqui a algum tempo ninguém mais vai se lembrar de Michel Teló”, diz Vilela, categoricamente. É o caso de esperar o próximo esgotamento e ver o que o futuro reserva ao gênero. Até lá sem dúvida muitos casais serão formados aos sábados, nas baladas.

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