‘Mães Paralelas’ expõe traumas espanhóis históricos sem trair temas habituais de Almodóvar

Relações nas quais os homens são pais ausentes ou fantasmas oferecem ao cineasta um modelo para pensar a história comum

(Foto: Divulgação)

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Almodóvar já fez filmes escrachados, comédias assanhadas e melodramas amargurados. Retratou homens, poucas vezes, e mulheres, como poucos. É raro, porém, identificar questões históricas ou explicitamente políticas em seu cinema.

Mães Paralelas leva o diretor ao terreno da herança histórica, dos traumas da Guerra Civil espanhola nos anos 1930, sem trair seus temas recorrentes: o feminino, os afetos maternos e a duplicidade.

O novo filme está sendo exibido num circuito restrito de salas desde a quinta-feira 3 e chegou à Netflix no dia 18. Nove longas-metragens representativos de diversas fases de sua carreira também estreiam na plataforma em fevereiro.

O passado nunca esteve ausente do cinema de Almodóvar. A infância e a memória assombram seus personagens e provocam efeitos vertiginosos em suas narrativas, trazendo de volta o que havia sido recalcado. Mães Paralelas, porém, arrisca ir além, expondo um passado coletivo na forma de vala comum, uma cicatriz histórica que precisa ser reaberta para se curar.

O diretor pisa neste terreno com prudência. Faz menções, no prólogo e no epílogo, à tortura e a execuções durante a Guerra Civil e pela ditadura franquista. E parece evitar o assunto na maior parte do filme, narrando uma típica trama almodovariana sobre abandonos e reencontros.

Só “parece”, pois em vez de fazer do miolo um recuo, uma evasão, ele o trata para construir analogias. 


Penélope Cruz e Milena Smit estão ótimas como a dupla de protagonistas cujos destinos se cruzam na maternidade e se prolongam num vínculo hegemonicamente feminino, povoado por figuras de mães, filhas, amigas, avós e tias.

Janis (Cruz) era bebê quando ficou órfã e foi criada pela avó. Sua chefe, Elena (Rossy de Palma), é a amigona que a cerca de cuidados como se fosse sua mãe. Já Ana (Smit) encontra em Janis muito mais que uma amiga.

Quando as diversas gerações de mulheres da aldeia reencontram, finalmente, seus pais, avós, maridos e tios, estes patriarcas já não são mais do que pó.

Estas relações, nas quais os homens são pais ausentes ou fantasmas, oferecem a Almodóvar um modelo para pensar a história comum. As filiações, como ele mostra nas linhas paralelas que interferem uma na outra e criam laços, não se restringem à herança genética. Esta, aliás, ganha e perde relevância, pois pode ser substituída por construções.

Enquanto a pátria é o conceito evocado por todos os fascismos para eliminar os desviantes, Almodóvar caetaniza sua fábula, mostrando como mátria pode ser uma ideia mais acolhedora.

 

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1 comentário

MARCOS LUIZ DA SILVA 23 de fevereiro de 2022 14h53
Ótimo filme, estou assistido má educação, volver.

Um minuto, por favor…

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