Cultura

Lygia Fagundes Telles e a disciplina do amor

Gentil no trato e engraçada nos comentários, a escritora, morta aos 98 anos, tinha, entre suas características, o cultivo das amizades

A autora, ganhadora de quatro prêmios Jabuti, publicou o primeiro livro aos 15 anos - Imagem: Olga Vlahou
Apoie Siga-nos no

Lygia Fagundes Telles, que morreu no domingo 3, aos 98 anos, em sua casa, em São Paulo, deixou muitos livros, muitos troféus e também – não em menor quantidade – muitos afetos.

A escritora, ganhadora de prêmios como o Camões, em 2005, o maior troféu da literatura em língua portuguesa, e o Jabuti (1966, 1974, 1996 e 2001), tinha, entre suas características, o cultivo das amizades.

O diretor de redação de Carta­Capital incluía-se no rol daqueles que Lygia agraciava com sua gentileza. Quando, em 2009, teve a obra reeditada pela Companhia das Letras, enviou a Mino Carta, com dedicatórias, os exemplares recém-saídos do forno.

Lygia gostava de dar livros como mimos. E não só. Os jornalistas que iam a seu fotogênico apartamento, nos Jardins, entrevistá-la, não saíam de lá sem antes serem servidos de uma tacinha de vinho do Porto. Desde que sofrera uma fratura no fêmur, por causa de um tombo no banheiro, 12 anos atrás, ela não podia mais beber vinho. Mas conseguiu o consentimento médico para substituir a outrora bebida preferida por cerveja – que, estranhamente, tomava sem ser gelada.

Gentil no trato e engraçada nos comentários, Lygia só tinha os expressivos olhos verdes esmaecidos quando, nas conversas, recordava-se de Paulo Emílio Salles Gomes  (1916-1977), seu segundo marido e declarada grande paixão, e do filho, Gofredo Telles Neto, morto em 2006, aos 52 anos.

Filha de um promotor de Justiça, ela publicou o primeiro livro, custeado pelo pai, aos 15 anos. Também bastante jovem decidiu que seguiria a carreira jurídica. Na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde fora aprovada no início dos anos 1940, aprendeu sobre legislação, mas vivenciou, sobretudo, a efervescência cultural das arcadas. Um ano antes de se formar, publicou seu segundo livro de contos, Praia Viva (1944).

Um outro volume de contos antecedera o primeiro romance, Ciranda de Pedra (1954), definido por Antonio Candido como o marco de sua maturidade literária, e adaptado para a televisão. Dentre seus livros mais conhecidos estão Antes do Baile Verde (1970), As Meninas (1973) e A ­Disciplina do Amor (1980).

Lygia disse, repetidas vezes, que um autor precisava escrever todos os dias, sob pena de ser abandonado pelos personagens. O afeto que nutria por eles e por suas atitudes por vezes insólitas parecia ser, um pouco, aquele que nutria pelas pessoas que a rodeavam. A disciplina da escrita talvez fosse, em seu caso, a disciplina do amor. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1203 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE ABRIL DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A disciplina do amor”

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.