Cultura

Lula Queiroga aponta o rumo da MPB: “Dedo no olho. É o efeito Bacurau”

Compositor elogia cena pernambucana e os novos trabalhos de Chico César, Emicida e Elza Soares

Lula Queiroga (Foto: Marcelo Lyra/Divulgação)
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Lula Queiroga fez com Lenine, seu mais frequente parceiro, um álbum inovador: o Baque Solto (1983). Na carreira de compositor, teve músicas gravadas primeiro por Elba Ramalho, depois Zizi Possi, Ney Matogrosso, Milton Nascimento, Zélia Duncan até Marcelo Falcão do Rappa. Hoje são cerca de 200 composições registradas por diferentes intérpretes.

Em 2001 colocou o seu primeiro trabalho solo na rua com várias participações. O álbum ganhou reconhecimento. O mais recente o quinto da carreira, saiu há três anos: o inquieto Aumenta o Sonho.

No meio do caminho ele fez várias produções em seu estúdio (Luni) no Recife e foi um dos líderes do irreverente e escrachado bloco Quanta Ladeira (um arremedo da clássica música cubana Guantanamera), que concentrava, mas não saia pelas ruas da capital pernambucana.

“Começou com 50 pessoas e no final chegou a reunir 82 mil pessoas. Fazíamos paródias. Letras inéditas só para o bloco que eram apresentadas ao público. A gente criava todo tipo de apologia, só não entrava racismo, feminicídio e pedofilia”, diz Lula.

O bloco se realizava por meio de um show gratuito no palco, e reunia espontaneamente personalidades da música de passagem no Recife.

“Tínhamos até dogmas que inventamos. Três dias antes reuníamos artistas para pintar centenas de camisas do bloco.”

Lula ficou na história do bloco 16 anos, até 2014. Depois alguns dissidentes continuaram com o grupo, mas sem o brilho de antes.

Segundo o músico, as críticas que passaram a receber pelas redes sociais acabaram com a proposta de ser um palco libertário e provocador.

“O bloco era um fenômeno. Mas tinha gente querendo arrumar briga por qualquer coisa no Facebook. Chamavam-nos de ridículos. Já era um aviso do que vinha pela frente. Essas pessoas acabaram ganhando.”

O bloco tratava de temas diversos, desde políticos até contra a própria classe de músicos. “Era uma crônica. Tinha sutileza. O carnaval é para contrapor a tudo.”

Influências

O compositor viu de perto o surgimento da geração do Manguebeat e até antes mesmo. “A gente tem tendência a ser agreste, com aquele ritmo, como Luiz Gonzaga, Alceu (Valença), o pessoal do Manguebeat, e até Lenine, junto com uma sonoridade mais pesada”, define a musicalidade pernambucana.

Ele conta que ele próprio no começo da carreira teve influência no maracatu. Mas que se encantou também com as bandas inglesas, como The Clash e The Police, e ainda com o pessoal do Clube da Esquina.

“Mas aqui tem um acervo de ritmo muito grande, talvez o maior do país. Só de coco tem mais de 20 modalidades. Outro dia descobriram outra. Temos três instrumentos solistas: pífano, rabeca e sanfona.”

Em meio a essa riqueza, Recife tem espaço para uma geração de músicos reunidos em torno do Reverbo, ajuntamento musical que tem como músico central Juliano Holanda.

“Eles trabalham na base de voz e violão. Tem a pegada da canção, da música autoral. São bons compositores, com produção frequente. Tem leveza. São jovens, com muita energia. Tem muito artista de fora vindo aqui conhecer o trabalho deles para gravar”.

Na lista de músicos do chamado coletivo Reverbo, além de Juliano Holanda, destacam-se Almério, Amaro Freitas, Isadora Melo, Isabela Moraes, Jr. Black, Martins, Flaira Ferro, Gabi da Pele Preta, Tonfil, Marcello Rangel, Mayra Clara, PC Silva, Vinicius Barros, Alexandre Revoredo, Vertin Moura, Agda Moura e Helton Moura. “Tem umas 30 pessoas”, diz depois de citar a maioria dos nomes do coletivo.

Essa nova geração tem o próprio Lula Queiroga como referência, que além dos já citados, foi ainda gravado por Maria Bethânia, Pedro Luís, Mart’nália e Maria Rita.

Mas com olhar também para fora de Pernambuco, elogia os trabalhos recentes de Chico César, Emicida e Elza Soares. “Dedo no olho. Demais. Essa é a tônica. É o efeito Bacurau (filme lançado em 2019).”

De família de músicos, Lula afirma que esse ano pretende começar a gravar novo álbum com coprodução de seu sobrinho Yuri.

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