Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Augusto Diniz | Música brasileira

Livro trata da censura da música desde a ditadura e põe luz no presente sob Bolsonaro

Necessário em tempos de perseguição à cultura, obra expõe como músicos tiveram processos criativos interrompidos pelo Estado opressor

Foto: Reprodução
Apoie Siga-nos no

O livro recém-lançado Mordaça: Histórias de Música e Censura em Tempos Autoritários (Sonora Editora, 336 pág.), de João Pimentel e Zé McGill, apresenta como músicos foram calados por governos opressores. Cada capítulo, num total de 29, é um relato de censura envolvendo cantores, compositores e profissionais do segmento desde a ditadura.

A obra centra nos efeitos no meio musical do Ato Institucional nº5, decreto de 13 de dezembro de 1968, que ampliou a censura e a repressão, estabelecendo um clima de terror no País. Foi o mais duro conjunto de medidas adotadas pelo regime ditatorial desde o golpe de 1964. Mas não é só.

O livro relembra também momentos de perseguição mesmo após a anistia de 1979 e após o fim do regime em 1985, além de traçar um paralelo com o governo autoritário de Jair Bolsonaro.

É preciso esclarecer que a censura não se limitava a músicas de tom político, contra o regime e críticas à forma de gestão. Ia de frente também a quem, de acordo com critério deles, ferissem a moral e os bons costumes.

Mordaça: Histórias de Música e Censura em Tempos Autoritários revela como profissionais de gravadoras se relacionavam com o departamento de censura do governo federal e algumas artimanhas para ter aprovação de faixas de disco. Nesse aspecto, destaca-se a pouca fluência dos censores na época com a subjetividade da arte, tornando a regra de vetar ou não uma música um ato cheio de disparates.

Apesar de Você

Das letras proibidas de Chico Buarque, um conhecido perseguido pela ditadura, destaque para Apesar de Você, hino hoje contra o autoritarismo de Bolsonaro. A música foi vetada depois de disco impresso e já executada nas rádios, em 1970.

O capítulo dedicado a Carlos Lyra mostra didaticamente o que representa a falta de liberdade de expressão de um artista. O cantor e compositor não abria mão de ter suas músicas alteradas após sofrer censura.

Lyra já era engajado em questões sociais e políticas antes do golpe de 1964. No início da ditadura, preocupado, mudou-se para os Estados Unidos. Retornou ao Brasil pós-AI-5 e encontrou a situação ainda pior, com o seu trabalho sendo vetado sistematicamente, mesmo com ele próprio indo à Divisão de Censura tentar a liberação – como vários artistas faziam.

O músico acabou voltando ao autoexílio nos Estados Unidos. Somente 20 anos depois lançou um trabalho autoral. Carlos Lyra, um dos poucos artistas engajados egressos da Bossa Nova, teve seu processo de criação muito influenciado por conta da perseguição vivida no regime militar.

A obra segue contando a censura sofrida por Jards Macalé, Jorge Mautner, Caetano Veloso. No capítulo de Odair José, um dos artistas mais censurados, as razões recaem no conservadorismo e não na subversão ao regime. O cantor e compositor, embora engajado na política quando jovem, seus discos tratavam (e ainda tratam) de amor proibido, prostituta e Jesus como um jovem sem rumo. Por causa disso, mexeu com os brios dos bons costumes.

Não há um capítulo dedicado a Geraldo Vandré, mas ele é citado em vários momentos. Símbolo da música de protesto, o autor de Pra Não Dizer que Não Falei das Flores transfigurou-se como artista após ficar acuado. Geraldo Azevedo relata na obra o “sumiço” de Vandré.

O livro retrata ainda o que passou alguns músicos do rock nacional dos anos 1980 com a censura. Período marcado pelo início da redemocratização do País, Leo Jaime, por exemplo, foi censurado por ferir os bons costumes em suas composições – por conta disso, ele acabou dedicando uma música a uma conhecida censora de Brasília.

Em um dos últimos relatos do livro, BNegão fala da repressão nos anos 1990 encarada pela banda que integra até hoje com Marcelo D2, a Planet Hemp, por defender a legalização da maconha.

A obra conta ainda com histórias de censura e depoimentos de artistas como Edu Lobo, Gilberto Gil, Ivan Lins, Beth Carvalho, João Bosco, Ney Matogrosso, Martinho da Vila, Alceu Valença, Paulinho da Viola, entre outros.

A maioria dos personagens do meio musical que deu depoimento ao livro faz também um paralelo do período de censura institucionalizado com o atual governo Bolsonaro. A preocupação com o momento é premente – e serve de alerta a artistas que fogem do posicionamento, comprometendo a existência da profissão que escolheram.

O posfácio do livro relaciona o que já aconteceu nos últimos anos nas artes no País com a censura velada. Trata-se de leitura imprescindível para entender o que pode representar a reeleição de Bolsonaro.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo