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Limite para os blockbusters?

Suspensa desde 2021, a cota de tela para filmes brasileiros volta a ser tratada como assunto prioritário

Limite para os blockbusters?
Limite para os blockbusters?
Megalançamentos. No último fim de semana, Super Mario Bros. foi exibido em 2,1 mil das 3,4 mil salas do País – Imagem: Nintendo/Illumination
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No último fim de semana, Super Mario Bros. foi exibido em 2,1 mil das 3,4 mil salas de cinema do País e vendeu 1,4 milhão de ingressos. Poucos dias antes da estreia do filme, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) havia definido como imprescindível a criação de instrumentos regulatórios capazes de limitar a amplitude das estreias e garantir a diversidade de títulos no circuito cinematográfico.

É que a cota de tela – mecanismo que existe, entre idas e vindas, há quase cem anos – está suspensa no Brasil desde setembro de 2021. Naquele momento, o artigo que a regulamenta venceu e não foi renovado. A quem tinha qualquer dúvida a respeito da eficácia desse mecanismo de regulação de mercado, os dados dos últimos dois anos se apresentam como uma resposta enfática.

Ainda que o público do cinema tenha sido, em 2022, de pouco mais de metade daquele de 2019, os blockbusters estrangeiros tiveram clara recuperação e apresentam tendência de crescimento. O cinema brasileiro, não. Em 2021, a participação de mercado dos filmes nacionais foi de 1,8% e, em 2022, de 4,2% (ver quadro na pág. 53). Esse market ­share é significativamente inferior à média da década anterior, de 13%.

No decorrer de 2022, cinco filmes de Hollywood ocuparam quase 90% do circuito

Enquanto cinco títulos hollywoodianos chegaram a ocupar, no ano passado, quase 90% dos cinemas existentes – Avatar: O Caminho da Água foi lançado em 2,8 mil salas – nenhum título brasileiro chegou a ocupar mil salas. Não por acaso também, nenhum deles conseguiu levar sequer 1 milhão de espectadores aos cinemas. Minha Mãe É Uma Peça 3, lançado no fim de 2019, e em cartaz quando a pandemia começou, vendeu 11 milhões de ingressos.

“No Brasil, tivemos 700 mil mortes na pandemia. Estamos saindo de um período no qual não se pôde filmar e não se pôde lançar filmes. Parte do que está sendo lançado foi feita ainda antes da pandemia”, elenca, como justificativas para o cenário desolador, a consultora ­Patricia Kamitsukji. “Depois da pandemia, os paí­ses em que os cinemas se recuperaram mais rápido foram, justamente, aqueles onde o produto local era forte.”

Patricia é uma das integrantes do painel O Futuro do Cinema: Como Qualificar a Experiência Cinematográfica, rea­lizado nesta sexta-feira 14 no Rio 2C, maior evento voltado ao mercado de entretenimento da América Latina. Outra das debatedoras do painel é Mônica Portella, diretora de marketing da rede UCI, uma das maiores do País.

Se, duas décadas atrás, quando um dos artigos da Medida Provisória ­2228-1 (2001) instituiu a cota de tela, os representantes das redes internacionais de multiplex reagiam negativamente à reserva de mercado para o filme brasileiro, agora o discurso é completamente outro.

“Hoje o exibidor entende a importância da cota de tela. Mas, para que a cota tenha efetividade, toda a indústria tem de estar envolvida nisso”, diz a executiva. “Quantas vezes já ouvimos relatos de sessões vazias de filmes que são programados para cumprir a cota? Hoje, os filmes têm pouca verba de lançamento e quase tudo tende a ser direcionado para as redes sociais. Mas precisamos entender que as campanhas dos filmes têm, muitas vezes, de ir contra o algoritmo.”

O cinema brasileiro lança, atualmente, quase 200 longas-metragens por ano. Mas a maioria desses filmes não chega à marca dos 5 mil ingressos vendidos. Karen Castanho, sócia da Biônica Filme, responsável pelo título mais visto em 2022, Turma da Mônica – Lições, diz ser necessário um trabalho conjunto de distribuição e produção que pense, desde o nascimento de um projeto, nas formas de se alcançar o público.

“Também é importante aumentar os valores de fomento para que se possa investir em propriedades intelectuais importantes”, afirma, referindo-se aos tetos para os recursos públicos colocados em um único filme. “É também importante aproximar exibidores, distribuidores e produtores, para construir uma estratégia de engajamento do público. O lançamento dos longas-metragens precisa ser pensado desde o rascunho do roteiro até a fase de comercialização.”

Se, de um lado, o mercado aponta para a necessidade de produções com maior orçamento para disputar espaço em um mercado cada vez mais concentrado e profundamente alterado pelo surgimento do streaming, a Ancine propõe-se a rever o formato da cota de tela.

A atualização do modelo começou a ser discutida em 2017, mas os tropeços da política do audiovisual desde então inviabilizaram as possíveis soluções para o que a própria agência define como “ocupação predatória”. Uma das propostas colocadas sobre a mesa pela Ancine é a de que a cota passe a tomar por base o número de sessões nas quais as produções brasileiras são exibidas e não mais a quantidade de dias em que um filme fica em cartaz. •

Publicado na edição n° 1255 de CartaCapital, em 19 de abril de 2023.

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