Cultura

“Leviatã”, um filme que divide a Rússia

Filme que concorre ao Oscar chega aos cinemas russos em versão censurada e causa polêmica ao abordar temas como abuso de poder e arbitrariedade da Justiça

“Leviatã”, um filme que divide a Rússia
“Leviatã”, um filme que divide a Rússia
A injustiça e a impotência sentidas pelos russos é retratada no filme do diretor Andrey Zviáguintsev
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O polêmico filme Leviatã, do diretor Andrey Zviáguintsev, chega causando furor em setores conservadores da Rússia. Muitos criticam o cineasta por atingir a imagem russa apenas para ganhar prêmios em festivais promovidos em “países inimigos”. Outros, no entanto, elogiam sua coragem por abordar temas como o abuso de poder, a arbitrariedade da Justiça e a aliança entre Igreja e Estado.

Indicado à Palma de Outro em Cannes, Leviatã foi escolhido o melhor filme estrangeiro no Globo de Ouro e concorre ao Oscar de melhor longa em língua estrangeira. Ele estreou nesta quinta-feira, 5, na Rússia em versão censurada.

Zviáguintsev conta a tragédia de uma família na província de Murmansk, no norte da Rússia, que perdeu tudo em um conflito com um prefeito corrupto. A injustiça e a impotência sentidas pelos russos diariamente é retratada no filme.

O ministro da Cultura russo, Vladimir Medinski, diz que o filme foi longe demais. Ele reconhece o talento de Zviáguintsev, mas critica Leviatã pela falta de um herói positivo. O famoso político Vitaly Milonov, de São Petersburgo, fala até em uma “obra antirrussa”.

Ele sugere que o diretor deveria devolver o dinheiro ao qual teve acesso, proveniente do incentivo público à produção de filmes. Milonov também considera que a Igreja Ortodoxa Russa ficou manchada com as cenas de culto e com a presença de um clérigo que aconselha o prefeito ao melhor estilo de um “padrinho” da máfia.

Líderes religiosos russos classificaram o filme como “muito pessimista”. Vsevolod Tschaplin, responsável pelas relações da Igreja com a sociedade, diz que o filme oferece apenas clichês. “Não me admira que faça sucesso no Ocidente”, disse, em entrevista a um canal de televisão russo.

Zviáguintsev, por outro lado, afirma que ficou surpreso pelo fato de Leviatã ter sido levado tão detalhadamente a sério, “como se fosse um documentário”. Para ele, não se trata somente da Rússia, em especial, mas das “rasteiras que as pessoas normais sofrem do sistema”.

O diretor de cinema russo e presidente do Comitê de Cultura da Câmra dos Deputados, Stanislav Govorukhin, garante que o sucesso do filme se deve principalmente à “atual conjuntura”. Segundo ele, filmes como esse têm grande demanda no exterior.

“Mas, para ter um prêmio, não basta apenas colocar nosso país em uma posição ruim e apresentar os russos como bêbados e criminosos”, questiona.

Leviatã O ministro da Cultura russo reconheceu o talento do diretor Zviáguintsev, mas criticou a falta de um herói positivo em Leviatã

Um dos principais críticos de cinema na Rússia, Anton Dolin acredita, acima de tudo, que um fator influenciou o debate sobre o filme: o antagonismo crescente entre Rússia e Ocidente, que vivem o período de maior hostilidade desde o fim da Guerra Fria.

“Muitos acreditam que se tem de falar mal da Rússia para se ter sucesso no exterior. Eu não concordo”, destaca Dolin.

Outro crítico de cinema bastante conhecido na Rússia, Andrey Plakhov, não acredita que Zviáguintsev e outros diretores somente colocariam de forma crítica o sistema para agradarem ao Ocidente.

Leviatã é um filme absolutamente contemporâneo sobre a realidade atual da Rússia, que não foi embelezado e é duro e aberto”, diz Plachow.

O escritor de São Petesburgo e pesquisador literário Andrey Astvazaturov vê Leviatã como uma obra-prima. Ele acha que Zviáguintsev mereceu ganhar o Globo de Ouro e deveria ganhar o Oscar. Para o escritor, o cineasta conseguiu se comunicar com o público russo e internacional.

“Mas muitos não querem encarar a si mesmo e a Rússia como aquilo que ele esboçou. Existem muitas metáforas e símbolos no filme”, opina.

Na internet, surgiu uma campanha em benefício dos produtores de Leviatã. A iniciativa foi organizada pelo produtor independente Vjacheslav Smirnov, em reação à pirataria online.

Hackers colocaram no início do ano todos os filmes que foram indicados ao Oscar na internet. O longa de Zviáguintsev também foi parar na rede. O período de doações terminou nesta quinta-feira, quando Leviatã chegou aos cinemas russos. Os criadores do filme, no entanto, já anunciaram planos de doar o dinheiro para caridade.

  • Autoria Markian Ostaptschuk (Mp)

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