Cultura

Lady Gaga: “Não me acho tão sexy”

Um dia é sim, no outro não… uma entrevista com a diva da arte pop nunca é uma certeza. Mas pelo menos a espera terminou. Por Miranda Sawyer, do Observer

Apoie Siga-nos no

Por Miranda Sawyer

Nesta quarta-feira, o programa “The Culture Show” na BBC2 apresentará um especial de meia hora com o fenômeno pop Lady Gaga, entrevistada por mim. Isto é considerado uma espécie de furo. Apesar do interesse de Gaga em promover seu novo álbum, Artpop, ela é difícil de parar: é procurada por tantos canais de mídia, de Graham Norton a The X Factor ao Daily Mail. De qualquer modo, a BBC2 está muito feliz. E eu também, acho. Realmente não sei. Foi uma experiência estranha.

Antes de nos encontrarmos, fiz muita pesquisa sobre Gaga. Assisti a suas entrevistas na TV, revi videoclipes e canções, suas apresentações em premiações. Li artigos de divulgação, notícias em tabloides, estudei suas postagens no Twitter. Fiz isso porque faz parte do trabalho, mas também porque nossa entrevista foi cancelada várias vezes, algumas delas às 8 da noite da véspera. Não havia muito a fazer senão voltar à pesquisa. Aqui vai parte dela, para que você não tenha o trabalho.

O primeiro single de fato de Lady Gaga, Just Dance, saiu em agosto de 2008. Desde então ela vendeu mais de 23 milhões de álbuns e 64 milhões de compactos; sua turnê “Born This Way Ball” faturou 382,3 milhões de dólares; ela tem mais de 40 milhões de seguidores no Twitter. Para Artpop, seu terceiro álbum (outros LPs: The Fame e Born This Way, mais o EP [extended play] The Fame Monster no intervalo), além de colaborar com pessoas como R. Kelly e o rapper TI, ela trabalhou com três artistas contemporâneos muito diferentes. A enigmática artista performática Marina Abramovic, reverenciada por suas apresentações longas, emocionais/não emocionais e por de certa forma conseguir que Jay Z apresentasse Picasso Baby durante seis horas consecutivas neste verão. Depois o igualmente sério diretor de teatro Robert Wilson, que foi encarregado da apresentação de Applause, com trocas de figurino rápidas de Gaga, para os Video Music Awards (VMA) da MTV e que faz vídeos com celebridades chamados “Voom Portraits”. E finalmente – o mais estranho para mim – Jeff Koons, conhecido por suas enormes esculturas kitsch e sua capacidade ímpar de ganhar dinheiro. (Certa vez entrevistei a estrela pornô italiana Cicciolina, que foi casada com Koons durante alguns anos – ele fez esculturas do casal fazendo sexo. Ela me disse que ele ficava na cama o dia inteiro assistindo vídeos e que suas toalhas de banho eram velhas: “Eu não gosto de toalhas com buracos”, disse Cicciolina, com seu forte sotaque.)

De qualquer modo, depois de muitas idas e vindas, a equipe do Culture Show se convenceu de que a entrevista não aconteceria, então começamos a fazer um programa diferente, chamado “Esperando por Gaga”. Conversamos com seus fãs, os “Little Monsters” (“Pequenos Monstros”) que estavam reunidos em um bando devoto em torno da entrada do hotel Langham. Eram jovens (de 14 a 24 anos) articulados e tinham certas regras (os mais radicais ficaram aborrecidos quando outros fãs entraram no hotel: “Ela precisa ter seu espaço!”, gritaram). Disseram-me que “patas para cima” –o símbolo dos fãs Pequenos Monstros, com duas mãos levantadas no ar – é considerado um pouco tolo hoje em dia. E que eles quase preferiam ficar ali na porta do Langham a ir à apresentação da cantora.

Observando-a (de perto; mas na realidade de longe), eu pude entender por quê. Quando Gaga chega ao hotel ou sai dele, não corre de cabeça baixa, com óculos escuros, entre o veículo e o saguão, rabiscando cegamente autógrafos em qualquer coisa que coloquem sob seu nariz. Não, ela dá um pequeno show. Está a caráter, tem um visual que habita, como uma atriz. Esse visual pode ser mortífero ou sexy, ou – como recentemente em Berlim, ela pode estar usando uma caixa triangular com plumas na cabeça. Às vezes posa para selfies [retratos com os fãs]. Um selfie é o objetivo máximo de qualquer Pequeno Monstro.

Estávamos muito felizes com nosso novo programa enfocando os fãs, quando nos avisaram que definitivamente teríamos uma entrevista com Gaga. Na manhã de sexta-feira, pouco antes de ela voltar para os Estados Unidos. Eu pedi para ouvir o disco; disseram-me que meu tempo para isso seria duas horas antes de nossa conversa.

Assim, depois de ouvir Artpop no volume máximo em um estúdio (há pelo menos seis canções fantásticas; a primeira metade é melhor que a segunda, e a balada Dope lembra Meatloaf), peguei um táxi até o hotel. No espaço concedido para a entrevista, uma sala de reuniões forrada de tecido branco para encobrir o carpete estampado, a atmosfera era alegre mas tensa. Essa entrevista finalmente aconteceria?

Gaga tem uma equipe de iluminação preferida – britânicos da velha guarda, que conversavam sobre futebol e seus netos – e gosta que as coisas sejam verificadas antes de ela chegar: a altura da cadeira, o ângulo da câmera, a temperatura ambiente. Gradualmente, a sala foi se enchendo de gente. Esperamos. Como é estranho ser tão famoso que você é como a pistola do tiro de largada: onde quer que vá, nada acontece até que você chegue e inicie a corrida. Conversei com um homem de sua gravadora. Ele me disse que no momento Gaga está voltada para o positivo. Que Born This Way se tratava de a gente aceitar a si mesma e Artpop é sobre ajudar os fãs a colocar criatividade e energia positiva no mundo. Tentei comparar isso com a letra de Donatella, em Artpop: “Sou loura, sou magra, sou rica e sou um pouquinho piranha”.

E então, lá estava ela. Como a maioria das celebridades, menor e mais bonita do que você imaginava. Gaga se materializou tão silenciosamente quanto um fantasma e vestida em estilo semelhante: um longo de seda crua branca, sem sapatos. Os braços finos brancos como giz; o rosto liso e pálido como porcelana; as sobrancelhas pintadas de branco para se fundirem com a pele. Lábios vermelho-escuros e cabelos ondulados escuros, os olhos cheios de tons e sombras. Miss Havisham encontra Ava Gardner.

Ela se sentou. Verificou sua imagem no monitor. Pediu para alguém abrir o zíper do vestido em suas costas para que conseguisse respirar, e começamos.

Fiz uma primeira pergunta benigna, sobre como ela se sentia por estar de volta, após ser obrigada a uma pausa (sofreu uma operação no quadril). Gaga respondeu de maneira franca e interessante – “Você se sente como uma criança… Acho que foi bom para mim, porque o palco havia se tornado um lugar no qual eu começava a confiar” –, mas em um tom monótono, mortífero. Ela esteve trabalhando com Robert Wilson nas últimas 48 horas, disse, recriando certas imagens artísticas (a morte de Marat, a cabeça de são João Batista). Não tinha dormido. Eu a pressionei. Ela me disse que estava tendo ótimo sexo, que suas experiências sexuais anteriores “foram muito pervertidas e assustadoras, aterrorizantes”. Chamou a música pop de “uma gozada” e disse que nem sequer sabia se sua música era boa. “Na verdade não me acho tão sexy”, disse. Perguntei quanta arte poderia realmente estar incrustada em sua música. Ela disse que todo o seu aprendizado sobre arte garantia que ela transparecesse. Pelo menos acho que foi isso que ela disse. A resposta demorou muito.

Conversamos durante 40 minutos, e mais ou menos na metade ela parou completamente e fez uma pose durante 30 segundos sem dizer absolutamente nada. A sala, ainda cheia de gente, congelou com ela.

Afinal, foi um encontro, e não uma entrevista. Ela controlou tudo, e seu estado de espírito – cansada, excessivamente intelectual, cheia de arte, mais que pop – foi o que dominou. Apesar disso, gostei dela. Foi inteligente e profunda. Não era nada parecida com qualquer das entrevistas que eu havia pesquisado: ela não transbordava, era séria e contida. “Posso parecer uma merda total”, disse. “Sua audiência vai cair.”

Quando terminamos, o diretor perguntou se poderíamos nos cumprimentar com um abraço. “Vamos fazer um abraço Marina”, disse Gaga, e ali ficamos, eu enorme perto dela, em um abraço estranho. Pude sentir a respiração vibrando por seu corpo. Ela apertou a mão de todo mundo (“Isso é novidade”, comentou o produtor de luz, em voz baixa), me deu um selfie e então disse para seu pessoal: “Nós temos um fio-dental?” Não havia fio-dental. Então ela tirou a calcinha para não estragar a silhueta do vestido, ficou sob as luzes fortes da TV e perguntou a todos: “Vocês conseguem ver minha coisa?” Não. Você está bem, Gaga. Nada de “coisa”. Ela sorriu.

Então saiu. Desmaterializou-se da sala para posar na frente do Langham, caminhando lentamente descalça, como se estivesse em transe, como se seus membros fossem pesados. Os fãs gritavam; os paparazzi clicaram e clicaram. Se você olhasse de perto as fotos nos jornais no dia seguinte, veria que seu rosto estava marcado por lágrimas.

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo