Cultura
Jarid Arraes desafia clichês sobre o sertão nordestino em ‘Corpo Desfeito’
Romance de estreia da autora cearense, o livro traz uma história de abuso infantil em Juazeiro do Norte, sua cidade natal


Há uma imagem bastante marcante em Corpo Desfeito (Alfaguara, 128 páginas, 49,90 reais) primeiro romance de Jarid Arraes: a estátua de uma mulher, encomendada por sua mãe, que a mandou esculpir em forma de santa. A cena é descrita logo na primeira página do livro – e as sensações que desperta não abandonam o leitor. “O que aconteceria se uma mãe culpada transformasse a filha morta em santa, e mandasse fazer uma estátua da filha, para tentar se livrar dos erros que cometeu?”, questiona a escritora, em entrevista à CartaCapital, que a narrativa começou a partir dessa ideia.
A trama se passa em Juazeiro do Norte, cidade natal de Jarid, que, com o livro, pretende “mostrar um sertão sem estereótipos de miséria e seca, apresentando o sertão urbano e sua diversidade”. Autora da premiada coletânea de contos Redemoinho em dia quente, ela também escreve poesia e cordéis. “Eu gosto de puxar a tradição literária que aprendi com a literatura de cordel e incluir elementos que infelizmente não fizeram parte da minha formação como leitora, já que eu não encontrava protagonistas mulheres sertanejas com as quais eu pudesse me relacionar intimamente.”
A partir de seu conhecimento e suas experiências de vida na região, a autora desafia os clichês e preconceitos que o restante do país tem sobre o sertão. “Desde que comecei a publicar cordéis, sempre tive essa intenção de questionar o imaginário que as pessoas de outras regiões do país têm quando o assunto é sertão.”
Corpo Desfeito traz uma protagonista, a menina Amanda, vítima de abusos físicos e emocionais por parte da avó. A complexidade de relações humanas e sociais marca, em primeira pessoa, a narrativa. “Meu maior desafio era respeitar a história dessa garota, que é tão fictícia quanto espelho para tantas outras reais.”
“Eu proponho como tema central do romance o abuso infantil, a negligência parental, as manipulações e constantes ameaças que adultos praticam contra crianças e adolescentes”, explica a autora, que começou a pesquisar sobre o assunto quando fazia faculdade de psicologia. “Na história de Amanda tudo é muito extremo, mas também há abusos que, percebo, muitos consideram até sutis.”
A partir dessa história e dessa personagem, Jarid Arraes escreve sobre o silêncio em nossa sociedade. “Coisas que me parecem simples e lógicas, como o fato de que um adulto não deve bater em uma criança, são relativizadas. Muitos não querem dizer nada que levante questionamentos, porque a educação das crianças é vista como um problema privado.”
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