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Integrantes da Cultura do governo Bolsonaro miram candidaturas em 2022

Quem tem mantido acesa a chama do bolsonarismo de raiz são os ocupantes da Secretaria Especial de Cultura

Uma nota só. Conforme ícones do olavismo, como Abraham Weintraub e Ernesto Araújo, foram caindo, os integrantes da pasta comandada pelo ator Mário Frias ganharam proeminência com o discurso pela “moralização” das leis de incentivo e em favor da “pátria”
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Poucas semanas atrás, Jair Bolsonaro chamou Mário Frias, titular da Secretaria Especial de Cultura, para sentar-se ao seu lado em uma live. Pediu que o ator falasse de forma “rápida”, “objetiva” e “devagar para todo mundo entender”. Frias, olhando para a cola salva no celular, repetiu, feito mantra, que a Lei Federal de Incentivo à Cultura, conhecida como Lei Rouanet, mobilizou, em 30 anos, 48 bilhões de reais e acumulou um passivo de 13 bilhões de reais. O discurso da mamata manteve a atenção do presidente.

Na sequência, Frias contou ter lançado uma linha de apoio ao setor de eventos, “dizimado” pela pandemia. Bolsonaro bocejou. O secretário, já menos à vontade, partiu para um tema que, dois anos atrás, era caro a Bolsonaro: a Agência Nacional do Cinema (Ancine). Ao ouvir que “acabou a bagunça na Ancine” e que estavam sendo lançados editais para o audiovisual, o PR, como o chama Frias, olhou com impaciência para o relógio. “E só pra gente terminar, PR…”, prosseguiu Frias, antes de um novo bocejo.

 

Bolsonaro só voltou a parecer levemente conectado com o que dizia o secretário quando ele citou a proibição da exigência do passaporte da vacina para o acesso a eventos culturais viabilizados por meio da Lei Rouanet. Com uma manobra, o presidente ligou o passaporte à facada que levara em 2018 e, dessa forma, se desvencilhou do tema cultura.

Apesar da aparente preguiça que a cultura lhe desperta, Bolsonaro a tem puxado para perto de si. Esta semana, por exemplo, comemorou o Dia do Forró. Na direita, comenta-se que Mário Frias e outros quatro integrantes da área cultural do governo postulam vagas para saírem candidatos a deputados estaduais em 2022.

Decretos e portarias saídos da Secretaria têm sido alvo de várias ações judiciais

É que, após terem caído, um a um, ícones dos discursos mais extremados – como os olavistas Ricardo Vélez ­Rodríguez e Abraham Weintraub, da Educação, Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, e Ricardo Salles, do Meio ­Ambiente – quem tem mantido acesa a chama do bolsonarismo de raiz são os ocupantes da Secretaria Especial de Cultura.

Dois dos nomes de maior destaque entre os soltadores de bravatas nas redes sociais são os de André Porciúncula, secretário Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, e Sérgio Camargo, presidente da Fundação Cultural Palmares. Com bem menos seguidores, Felipe Pedri, que assumiu a Secretaria do Audiovisual em novembro, e Felipe Carmona, secretário de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual, também são tidos como potenciais candidatos.

Além do intenso ritmo de postagens, Frias, Porciúncula e Camargo têm em comum o fato de figurarem em ações judiciais que questionam medidas tomadas em suas gestões. Camargo sofreu várias representações por crimes de preconceito e improbidade administrativa. ­Porciúncula, esta semana, teve de defender-se da acusação de censura diante da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Há duas semanas, a Ordem dos Advogados do Brasil entrou com um pedido, junto ao Supremo Tribunal Federal, de concessão de tutela de urgência antecipada contra atos e omissões praticados pela Secretaria, pela Fundação Palmares e pela Ancine – no caso da agência do cinema, algumas das acusações estão caducadas.

No documento, a OAB inventaria ilegalidades cometidas pelo governo. A ação tem como foco seis portarias e um decreto – publicados entre 2020 e 2021 – que denotariam um “estado de coisas inconstitucional” que viola direitos como a liberdade­ de expressão e princípios como o da impessoalidade na administração pública.

O “caráter sistêmico” das ações justifica, segundo a OAB, o acionamento do STF. O pedido se soma a diversas ações ajuizadas por organizações da sociedade civil, por produtores culturais e pelo Ministério Público Federal desde 2019. Além de pedir a suspensão de portarias e do decreto que altera a Lei Rouanet, publicado em julho deste ano, a ação busca responsabilizar os agentes públicos envolvidos nesses atos.

Um deles foi o que levou Porciúncula a se explicar esta semana: o Festival de Jazz do Capão, realizado na Chapada Diamantina, cujo pedido para captação de recursos públicos foi indeferido pelo governo. No depoimento à Corte, o secretário justificou a recusa afirmando que, ao apresentar-se como “antifascista pela democracia”, o evento demonstrou ter uma natureza política e não cultural. O caso está sendo investigado criminalmente.

O documento da OAB pauta-se, em linhas gerais, pela defesa da cultura como um direito que está sendo violado. Sua gênese é, porém, o decreto que, conforme CartaCapital antecipou em julho, declarava guerra a João Doria, com artigos que miram o Museu do Ipiranga, o Museu da Língua Portuguesa e as Organizações Sociais que gerem equipamentos públicos.

Apesar de, em tese, as instituições culturais serem potencialmente beneficiadas pela ação, os representantes de algumas delas estão com um pé atrás. “Abrimos uma interlocução com o governo federal e várias das questões relativas à aprovação de planos anuais na Lei de Incentivo à Cultura foram tendo um encaminhamento nos últimos meses”, diz Paulo Zuben, presidente da Associação Brasileira das Organizações Sociais de Cultura. “O que nos preocupa é que sempre que há um acirramento das posições políticas no setor cultural, vemos as portas de diálogo se fecharem.”

A proibição do uso de linguagem neutra em projetos da Rouanet mirou o museu paulista

Várias instituições aguardam a aprovação de seus Planos Anuais, uma vez que o decreto mudou as regras dessa forma de investimento. O prazo para que concretize a captação de recursos relativos a 2021 encerra-se com o exercício fiscal. Procuradas pela reportagem, duas instituições nessa situação definiram o momento como delicado e pediram para não serem nominalmente citadas.

“Posso falar das instituições do Governo do Estado de São Paulo”, respondeu, por WhatsApp, Sérgio Sá Leitão, secretário de Cultura e Economia Criativa de Doria, dizendo entender o receio de retaliações do meio cultural. “O Teatro Sérgio Cardoso, por exemplo, teve o pleito de Plano Anual arquivado sem justificativa”, diz.

Os enfretamentos entre o governo federal e o governo estadual paulista chegaram ao ponto de, em outubro, ter sido editada uma portaria que proíbe o uso de linguagem “neutra e inclusiva” nos projetos financiados pela Lei Rouanet, num claro ataque ao Museu da Língua Portuguesa, que usara a palavra “todes” em um post.

A OAB acusa a Secretaria Especial de Cultura de levar a cabo um “projeto dirigista”, que concentra em Frias e ­Porciúncula as decisões relativas aos incentivos fiscais. O documento lembra que a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura vinha sendo desarticulada desde o início do governo e teve suas atribuições esvaziadas a partir do decreto de julho. Desde abril, o grupo não se reúne para aprovar projetos

“(Porciúncula) agora analisa, aprova ou reprova os projetos, e ainda defere ou indefere os recursos eventualmente interpostos”, escrevem os advogados. Deputados membros da Comissão de Cultura da Câmara ajuizaram uma Ação Popular pedindo a suspensão da portaria que transformou a secretaria em instância recursal. Porciúncula, que diz estar devolvendo a cultura à sua “tradição milenar”, acusou-os de “cristofobia”.

Panfleto. André Porciúncula, Sérgio Camargo e Felipe Pedri atacam o que chamam de “esquerda ideológica” e se posicionam contra o passaporte da vacina

As confusões criadas pela Secretaria têm feito com que, internamente, uns poucos funcionários busquem solucionar impasses administrativos e apaziguar manias persecutórias de quem vê em cada produtor cultural um integrante do PSOL.

A forma de agir do pelotão que brada contra a mamata tem irritado, inclusive, bolsonaristas de primeira hora, como o cineasta Josias Teófilo, que fez um filme sobre Olavo de Carvalho. “As ações deles servem só para ganharem likes na internet e ter o Eduardo Bolsonaro como cabo eleitoral”, diz. “Eles não conseguiram nem preparar as comemorações para o Bicentenário da Independência e, com a Lei Aldir Blanc, continuaram distribuindo dinheiro para a esquerda identitária.”

Como bem demonstram a avaliação de Teófilo e o tédio de Bolsonaro durante a fala de Frias, a Secretaria, ao mesmo tempo em que criou empecilhos e desestruturou o setor, viu-se às voltas com a impossibilidade de colocar em prática os delírios iniciais do governo, que desejava impor filtros à produção cultural e materializar projetos cristãos e patrióticos.

Cabe lembrar que a primeira tentativa de controle sobre o conteúdo se deu em 2019, quando o então ministro da Cidadania, Osmar Terra, editou uma portaria suspendendo um edital da Ancine que previa investimentos em séries de temática LGBT. A portaria foi anulada pela Justiça e o ministro é réu em uma ação do MPF.

A Câmara dos Deputados, um fórum privilegiado, parece ser, não por acaso, o destino sonhado por aqueles que fazem política cultural por meio de posts nas redes sociais e canetadas intempestivas. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1188 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE DEZEMBRO DE 2021.

CRÉDITOS DA PÁGINA: ISAC NÓBREGA/PR E FÁBIO RODRIGUES POZZEBOM/ABR – REDES SOCIAIS, MATEUS BONOMI/AGIF/AFP, MARCELLO CASAL JR./ABR E ETTORE CHIEREGUINI/AGIF/AFP

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