Augusto Diniz | Música brasileira
Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.
Augusto Diniz | Música brasileira
Ídolo do soul, Dafé tocou com Tim Maia, lançou discos e influenciou o rap
Mesmo com a falta de reconhecimento no País, o músico diz que a sonoridade do soul brasileiro ainda atrai a nova geração


O soul chegou ao Brasil no início dos anos 1970 por meio de LPs que desembarcavam no País vindos dos Estados Unidos. Um dos que iam atrás desses discos nas poucas lojas que o vendiam era o carioca Carlos Dafé.
Certa vez, quando viajou como fuzileiro naval da Marinha, numa passagem por Miami, Dafé tratou de comprar alguns vinis do gênero que já era febre americana.
Mas não foi somente os discos ligados ao movimento negro nos EUA que o principiante músico ouvia. O rádio no Brasil também o ajudou na formação, que na época era bastante plural, de música clássica, passando pela MPB, até o samba.
Ele conta que desse caldo é que surgiu sua formação musical. Na verdade, não muito diferente do que foi o desenvolvimento do soul no País. Carlos Dafé, hoje com 74 anos, lembra que depois de muito se ouvir soul americano, gravadoras e músicos passaram a se questionar por que não uma versão brasileira do soul.
E foi o que fez não só Dafé, mas Oberdan Magalhães com a Black Rio, Tony Tornado e Gerson King Combo, falecido ano passado, para citar apenas alguns. Aliás, dois outros dessa brilhante geração do soul brasileiro, que ainda carecem de reconhecimento da história, se foram este ano: Cassiano e Luis Wagner.
Mestre
Hoje, Carlos Dafé se dedica de corpo e alma para não deixar a chama do soul se apagar. Ele percebe uma geração muito interessada. “Mas você tem que ir até eles também, se pré-dispor a estar junto”, diz.
Não à toa Dafé participou de projeto de gente que está atualmente carregando a bandeira do gênero por aqui, como Bid do Bambas e Biritas, Lino Krizz e Eduardo Brechó do grupo Aláfia. É chamado de mestre por eles. Mano Brown também é outro que tem Carlos Dafé como referência.
“Emoção grande (de tocar com Mano Brown). Afinou o sangue. Eles (o rap) querem a nossa musicalidade. Eles querem beber da fonte. Como nós também bebemos de várias fontes. Eles também querem saber como com poucos recursos nós conseguimos fazer aquela sonoridade”, diz sobre o interesse da nova geração com relação ao soul nacional.
O músico assinou contrato recentemente com a Warner para relançar o LP Fuzi-9, feito por uma banda integrada por fuzileiros navais, incluindo ele, no início da década de 1970. Também no acordo com a gravadora está o relançamento dos álbuns solos de Carlos Dafé, o Pra que Vou Recordar (1977), Venha Matar Saudades (1978) e Malandro Dengoso (1979).
Ele conta que o relançamento dos discos tem a ver por serem ainda muito procurados, inclusive no exterior, e a piraria é que estava o colocando de novo no mercado.
Pelos menos dois documentários lançados este ano sobre soul brasileiro contam com a participação de Dafé: Trem do Soul, de Clementino Junior, e Balanço black, de Bid e Flavio Frederico.
Carlos Dafé tocou na banda de Tim Maia. Ele conta sobre o sinal que o grande cantor dava no hotel aos músicos quando já tinha tomado calote de não pagamento de um show que ainda ia se realizar: “Dizia Tim: ‘Atenção banda, 1, 2, 3, corre no quarto, pega tua roupa, pega tua mala, e espera no elevador.”
Era o pinote para sair correndo do hotel para não ter que arcar com as despesas de hospedagem com o calote dado pelo contratante. Depois, Dafé ganhou até uma mochila do Tim que facilitava na hora dos pinotes.
Ele lembra também quando ia à casa de Tim Maia fazer um som acompanhado de outros músicos. Antes de subir no prédio, Tim gritava na janela para eles irem à doceria. “Jogava o dinheiro e pedia quindins, cocadas, brigadeiros e Coca-Cola”.
Multi-instrumentista, Carlos Dafé ganhou o nome de clínico geral por Almir Guineto pela versatilidade de compor vários gêneros. Aliás, ele segue compondo, inclusive com a nova geração, como Gabriel Moura. Pretende reunir essas e outras canções num novo disco solo.
Na pandemia, Dafé fez várias lives solidárias para levantar recursos para doação às pessoas em situação de rua.
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