Cultura
Identidade roubada
O Duplo, obra de Fiodor Dostoievski que trata do sofrimento de um pequeno funcionário público russo convencido do roubo de sua identidade, ganha caprichada edição


Identidade roubada
Com preciosas ilustrações do alemão Alfred Kubin, publicadas originalmente em 1913, a Editora 34 lançou uma caprichada edição da novela O Duplo, de Fiodor Dostoievski (1821-1881), de 1846, ou seja, do início da carreira do grande escritor russo, duas décadas antes de seus grandes romances. Trata-se do indizível sofrimento de um típico pequeno funcionário público russo, por estar convencido de que alguém está roubando a sua identidade. Embora guarde semelhança, na sua temática, com O Capote (1842), de Nikolai Gogol (1809-1852), que também trata das humilhações de um pequeno funcionário público, a novela de Dostoievski inova formalmente, pois não fica muito claro se o personagem realmente vivencia ou apenas imagina as situações. Essa ambiguidade seria uma
das características de muitas obras do chamado Modernismo, mas este só surgiria mais de meio século depois.
A edição é enriquecida com um ensaio do tradutor Paulo Bezerra, sobre como essa novela prefigura as dilacerações das almas retratadas nos grandes romances, a partir dos anos 1860, de Dostoievsky, e outro ensaio de Samuel Titan Jr., sobre como as edições alemãs enriqueceram plástico e graficamente as obras do mais famoso escritor russo. Nota-se um
cuidado maior do que o normalmente reservado, nas traduções brasileiras do russo, às transcrições do alfabeto cirílico para o romano, a ponto de os nomes russos serem grafados com acentos segundo as regras vigentes para o português, acentos inexistentes na grafia russa. Por exemplo, Dostoiévski, com acento. – Renato Pompeu
Com cinzel e coração
O Xá dos Xás, de Ryszard Kapuscinski. Companhia das Letras, 200 págs., R$ 39,00
Ryszard Kapuscinski é um poeta que encontrou na reportagem seu meio de expressão e na dor da guerra, o olho da tormenta por meio do qual pode divisar o essencial do humano. “Uma vez experimentada a guerra, nunca acabará no coração de quem sobrevive”, escreveu uma vez. Conflitos civis, golpes de estado, genocídios tribais, êxodos e exílios, onde a história estivesse acontecendo Kapuscinski era enviado pela agência de notícias polonesa
em que trabalhava.
Escreveu duas obras-primas, O Imperador e Imperium, e tem a reportagem O Xá dos Xás agora publicada na exemplar coleção Jornalismo Literário, da Companhia das Letras. Basta começar a ler Kapuscinski para entender por que sua obra extrapolou os limites do jornalismo: é informativa e exaustivamente pesquisada, e possui excepcional qualidade analítica. No entanto, por trás da prosa cinzelada e muscular, investe em um elemento humano que só um poeta consegue abarcar. – Vinicius Jatobá
O Xá dos Xás narra a derrocada do último xá da Pérsia. No contexto, o modo como a sobrevalorização do petróleo levou o líder a abarcar um projeto sufocante de odernização que tanto rachou a identidade cultural iraniana quanto o apoio popular a seu reinado despótico. A obra de Kapuscisnki alimenta-se dessas duas energias: a voragem do desejo por dignidade e vida melhor que a guerra desperta nos afligidos pela miséria e como o uso pessoal do poder, vaidoso e alienante, é sempre negativo, sempre motor de frustração e desigualdade.
Uma voz pelo Humanismo
As grandes transformações trabalhistas, especialmente as decorrentes da globalização da economia, sempre foram de grande interesse de Antonio Rezk (1933-2005), humanista que desenvolveu um forte trabalho comunitário no início dos anos 1970, foi vereador eleito por São Paulo em 1975, pelo MDB, e deputado estadual por dois mandatos consecutivos.
As reflexões de Rezk sobre estruturas sociais, econômicas e políticas do capitalismo contemporâneo ganham agora edição póstuma. Ruptura – Anomia na civilização do trabalho será lançado neste sábado 3, no Memorial da Resistência, em São Paulo.
O pensador, escritor e fundador do Movimento Humanismo e Democracia, do Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos, vice-presidente da União Brasileira de Escritores e um dos reorganizadores do Partido Comunista Brasileiro será homenageado por
sua luta contra a ditadura.
Identidade roubada
Com preciosas ilustrações do alemão Alfred Kubin, publicadas originalmente em 1913, a Editora 34 lançou uma caprichada edição da novela O Duplo, de Fiodor Dostoievski (1821-1881), de 1846, ou seja, do início da carreira do grande escritor russo, duas décadas antes de seus grandes romances. Trata-se do indizível sofrimento de um típico pequeno funcionário público russo, por estar convencido de que alguém está roubando a sua identidade. Embora guarde semelhança, na sua temática, com O Capote (1842), de Nikolai Gogol (1809-1852), que também trata das humilhações de um pequeno funcionário público, a novela de Dostoievski inova formalmente, pois não fica muito claro se o personagem realmente vivencia ou apenas imagina as situações. Essa ambiguidade seria uma
das características de muitas obras do chamado Modernismo, mas este só surgiria mais de meio século depois.
A edição é enriquecida com um ensaio do tradutor Paulo Bezerra, sobre como essa novela prefigura as dilacerações das almas retratadas nos grandes romances, a partir dos anos 1860, de Dostoievsky, e outro ensaio de Samuel Titan Jr., sobre como as edições alemãs enriqueceram plástico e graficamente as obras do mais famoso escritor russo. Nota-se um
cuidado maior do que o normalmente reservado, nas traduções brasileiras do russo, às transcrições do alfabeto cirílico para o romano, a ponto de os nomes russos serem grafados com acentos segundo as regras vigentes para o português, acentos inexistentes na grafia russa. Por exemplo, Dostoiévski, com acento. – Renato Pompeu
Com cinzel e coração
O Xá dos Xás, de Ryszard Kapuscinski. Companhia das Letras, 200 págs., R$ 39,00
Ryszard Kapuscinski é um poeta que encontrou na reportagem seu meio de expressão e na dor da guerra, o olho da tormenta por meio do qual pode divisar o essencial do humano. “Uma vez experimentada a guerra, nunca acabará no coração de quem sobrevive”, escreveu uma vez. Conflitos civis, golpes de estado, genocídios tribais, êxodos e exílios, onde a história estivesse acontecendo Kapuscinski era enviado pela agência de notícias polonesa
em que trabalhava.
Escreveu duas obras-primas, O Imperador e Imperium, e tem a reportagem O Xá dos Xás agora publicada na exemplar coleção Jornalismo Literário, da Companhia das Letras. Basta começar a ler Kapuscinski para entender por que sua obra extrapolou os limites do jornalismo: é informativa e exaustivamente pesquisada, e possui excepcional qualidade analítica. No entanto, por trás da prosa cinzelada e muscular, investe em um elemento humano que só um poeta consegue abarcar. – Vinicius Jatobá
O Xá dos Xás narra a derrocada do último xá da Pérsia. No contexto, o modo como a sobrevalorização do petróleo levou o líder a abarcar um projeto sufocante de odernização que tanto rachou a identidade cultural iraniana quanto o apoio popular a seu reinado despótico. A obra de Kapuscisnki alimenta-se dessas duas energias: a voragem do desejo por dignidade e vida melhor que a guerra desperta nos afligidos pela miséria e como o uso pessoal do poder, vaidoso e alienante, é sempre negativo, sempre motor de frustração e desigualdade.
Uma voz pelo Humanismo
As grandes transformações trabalhistas, especialmente as decorrentes da globalização da economia, sempre foram de grande interesse de Antonio Rezk (1933-2005), humanista que desenvolveu um forte trabalho comunitário no início dos anos 1970, foi vereador eleito por São Paulo em 1975, pelo MDB, e deputado estadual por dois mandatos consecutivos.
As reflexões de Rezk sobre estruturas sociais, econômicas e políticas do capitalismo contemporâneo ganham agora edição póstuma. Ruptura – Anomia na civilização do trabalho será lançado neste sábado 3, no Memorial da Resistência, em São Paulo.
O pensador, escritor e fundador do Movimento Humanismo e Democracia, do Instituto de Pesquisas e Projetos Sociais e Tecnológicos, vice-presidente da União Brasileira de Escritores e um dos reorganizadores do Partido Comunista Brasileiro será homenageado por
sua luta contra a ditadura.
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