Cultura

Holmes, Sherlock Holmes

O diretor Guy Ritchie diz ter sido fiel a Conan Doyle ao vestir o detetive com o manto de James Bond

O diretor Guy Ritchie diz ter sido fiel a Conan Doyle ao vestir o detetive com o manto de James Bond. Foto: Warner Bros
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Os personagens populares vivem da reinvenção, independentemente do que seus autores planejaram para eles. Em 1891, Arthur Conan Doyle escreveu à mãe relatando a intenção de matar seu personagem-símbolo, criado quatro anos antes. A justificativa para o ato radical era a de que Sherlock Holmes privava sua mente “de coisas melhores”, ao que a mãe lhe respondeu: “O público não aceitará essa atitude em silêncio”. Em dezembro de 1893, Conan Doyle eliminou Holmes para se dedicar aos livros históricos. Mas o público, seguindo o vaticínio materno, recusou-se à novidade, e Holmes reapareceu.

No cinema, atores enfileiraram-se para interpretá-lo desde o início do século XX, entre eles John Barrymore, Basil Rathbone, John Neville e Christopher Lee. Nos últimos anos, contudo, Holmes vinha ausente do imaginário do espectador de filmes. Foi preciso que um diretor inglês em descrédito o ressuscitasse, adaptando-o com sucesso ao espírito do tempo.

Na cena mais ambiciosa de Sherlock Holmes: O jogo de sombras, com estreia dia 13, o famoso detetive, vivido pela segunda vez por Robert Downey Jr., e o doutor Watson, de Jude Law, veem-se no meio de um tiroteio em uma floresta no norte da Europa. Do lado de cá da tela, este repórter buscou instintivamente, no escuro da sala do Chinese Theater, em Hollywood, um joystick imaginário para entrar no jogo proposto por Guy Ritchie. Ao público caberia escolher um personagem para acompanhar até a próxima sequência, uma fuga em um vagão de trem. O ex-marido de Madonna abre um sorriso ao ouvir a história, em entrevista dada na suíte do hotel Península, no coração de Beverly Hills.

“O que você experimentou foi o resultado de meu desejo de brincar com a noção de tempo. Mexo com a velocidade da cena para criar uma simbiose entre o público e o personagem. Quero sim que você ‘assuma’ o personagem, que julgue ter o poder de movê-lo”, afirma Ritchie. Para a cena da perseguição na floresta, o diretor de 43 anos usou uma câmera digital apelidada de Fantasma, com capacidade de capturar 5 mil quadros por segundo, criada originalmente para analisar o processo de ignição de foguetes. “Uma câmera tradicional em slow motion captura 56 quadros por segundo, mas eu precisava de uma viagem muito maior. As balas atiradas para todo lado são reais. Queria que o espectador pudesse ver exatamente para onde elas vão. Mexer com o tempo, na sala de projeção, pode aumentar de forma visceral determinada sensação do público”, ele crê.

Quando a Warner Brothers escalou Guy Ritchie para ressuscitar Holmes na tela, o diretor vinha de fracassos de bilheteria como Destino Insólito (2002, com Madonna, sua esposa por oito anos) e Revolver. Em entrevista ao L.A. Times, à véspera do lançamento de O Jogo das Sombras nos Estados Unidos, Ritchie afirmou que Robert Downey e sua mulher, Susan, uma das produtoras do filme, foram grandes amigos na encruzilhada de sua vida profissional e pessoal. “Em meio ao processo do divórcio, essa criação me confortou.”

O Holmes de Downey é um personagem distante do senhor encurvado, fumando seu cachimbo, sentado em uma poltrona, dado a filosofar sobre temas mundanos. O ator, que deverá vir ao Rio de Janeiro para enfrentar, com Ritchie, o tapete vermelho em um cinema de luxo localizado na Lagoa, na pré-estreia brasileira, na próxima semana, é, de acordo com o diretor, um Holmes mais “bondiano”. Holmes, Sherlock Holmes. “Queria que ele girasse pelo mundo e lidasse com temas de dimensão multicontinental. E essa visão de um Sherlock enfrentando a fraude onde quer que ela estivesse está lá no original, bebi da fonte, de Conan Doyle. A empatia com o personagem se dá, como no caso de Bond, não apenas por suas virtudes, mas por seus pecadilhos, sua vaidade, seu egoísmo.”

Uma constante na conversa com Ritchie é a afirmação de que ele foi o mais fiel possível ao personagem literário. “Doyle criou o primeiro personagem da literatura ocidental familiarizado com artes marciais. Ele praticava uma forma ancestral do jiu-jitsu, completamente obscuro para os leitores da época. Por isso, a necessidade de encontrar uma faceta do personagem que não fosse apenas um super-herói do intelecto”, diz o diretor, que se diz adepto do “jiu-jitsu brasileiro”.

Downey, que fizera um grande sucesso na pele de um herói dos quadrinhos, o Homem de Ferro, encontra no humor a saída para estabelecer uma empatia de seu detetive com o público. Em O Jogo de Sombras, ele se traveste de mulher em uma perseguição de trem. “Sou a favor de qualquer desculpa para travestir Robert”, brinca Ritchie. “Quero que meus personagens principais sejam engraçados, que você queira ser amigo deles”, diz Ritchie, notório por afirmar ter se interessado pelos gângsteres ingleses justamente por seu aspecto caricato.

O público desta vez conhecerá o irmão mais velho de Holmes, vivido por Stephen Fry, que protagoniza uma das cenas mais despojadas da produção. O decano comediante, diz Ritchie, mostrou-se uma “enciclopédia ambulante de Conan Doyle”. “Foi um pouco intimidante dirigi-lo. Mas Stephen conhece o limite de ser um sabe-tudo, ele jamais ultrapassa a linha divisória. Por via das dúvidas, para colocá-lo em seu devido lugar, assegurei-me de que ele aparecesse sem roupas no filme”, diz Ritchie, antes de soltar uma curta gargalhada.

Apesar dos atributos físicos de Fry, o clímax de O Jogo das Sombras se dá mesmo na batalha final entre Holmes e seu nêmesis, o professor Moriarty, vivido pelo ótimo Jared Harris, conhecido do público brasileiro pelo Lane Pryce da série televisiva Mad Men – Inventando verdades. Antes de Ritchie se decidir por Harris, Sean Penn, Brad Pitt e até Daniel-Day Lewis foram cogitados para o papel. A escalação de outra estrela de Hollywood poderia elevar consideravelmente o orçamento do filme, estimado em 125 milhões de dólares. E Harris é bom de boxe, quesito fundamental para seus encontros, sempre elétricos, com Holmes.

O primeiro Sherlock de Ritchie teria custado 90 milhões, para um faturamento de 524 milhões de dólares. “Desenvolvi, com o primeiro Sherlock, certa musculatura criativa. E sim, diria que me reinventei em Hollywood ao mesmo tempo em que reinventava Holmes no cinema”, considera Ritchie, que prepara a versão cinematográfica da série televisiva dos anos 1960, The Man from U.N.C.L.E. Mas, antes de deixar a suíte para voltar à companhia do filho recém-nascido e da mulher, a modelo inglesa Jacqui Ainsley, ele deixa claro que não vai abandonar as ruas de Londres por muito tempo: “Quero fazer uma continuação para Rock’n’Rolla – A grande roubada (de 2008). Já tenho o filme todo na cabeça, a história é hilária. Só preciso do dinheiro de Hollywood para transformá-la em filme”.

Os personagens populares vivem da reinvenção, independentemente do que seus autores planejaram para eles. Em 1891, Arthur Conan Doyle escreveu à mãe relatando a intenção de matar seu personagem-símbolo, criado quatro anos antes. A justificativa para o ato radical era a de que Sherlock Holmes privava sua mente “de coisas melhores”, ao que a mãe lhe respondeu: “O público não aceitará essa atitude em silêncio”. Em dezembro de 1893, Conan Doyle eliminou Holmes para se dedicar aos livros históricos. Mas o público, seguindo o vaticínio materno, recusou-se à novidade, e Holmes reapareceu.

No cinema, atores enfileiraram-se para interpretá-lo desde o início do século XX, entre eles John Barrymore, Basil Rathbone, John Neville e Christopher Lee. Nos últimos anos, contudo, Holmes vinha ausente do imaginário do espectador de filmes. Foi preciso que um diretor inglês em descrédito o ressuscitasse, adaptando-o com sucesso ao espírito do tempo.

Na cena mais ambiciosa de Sherlock Holmes: O jogo de sombras, com estreia dia 13, o famoso detetive, vivido pela segunda vez por Robert Downey Jr., e o doutor Watson, de Jude Law, veem-se no meio de um tiroteio em uma floresta no norte da Europa. Do lado de cá da tela, este repórter buscou instintivamente, no escuro da sala do Chinese Theater, em Hollywood, um joystick imaginário para entrar no jogo proposto por Guy Ritchie. Ao público caberia escolher um personagem para acompanhar até a próxima sequência, uma fuga em um vagão de trem. O ex-marido de Madonna abre um sorriso ao ouvir a história, em entrevista dada na suíte do hotel Península, no coração de Beverly Hills.

“O que você experimentou foi o resultado de meu desejo de brincar com a noção de tempo. Mexo com a velocidade da cena para criar uma simbiose entre o público e o personagem. Quero sim que você ‘assuma’ o personagem, que julgue ter o poder de movê-lo”, afirma Ritchie. Para a cena da perseguição na floresta, o diretor de 43 anos usou uma câmera digital apelidada de Fantasma, com capacidade de capturar 5 mil quadros por segundo, criada originalmente para analisar o processo de ignição de foguetes. “Uma câmera tradicional em slow motion captura 56 quadros por segundo, mas eu precisava de uma viagem muito maior. As balas atiradas para todo lado são reais. Queria que o espectador pudesse ver exatamente para onde elas vão. Mexer com o tempo, na sala de projeção, pode aumentar de forma visceral determinada sensação do público”, ele crê.

Quando a Warner Brothers escalou Guy Ritchie para ressuscitar Holmes na tela, o diretor vinha de fracassos de bilheteria como Destino Insólito (2002, com Madonna, sua esposa por oito anos) e Revolver. Em entrevista ao L.A. Times, à véspera do lançamento de O Jogo das Sombras nos Estados Unidos, Ritchie afirmou que Robert Downey e sua mulher, Susan, uma das produtoras do filme, foram grandes amigos na encruzilhada de sua vida profissional e pessoal. “Em meio ao processo do divórcio, essa criação me confortou.”

O Holmes de Downey é um personagem distante do senhor encurvado, fumando seu cachimbo, sentado em uma poltrona, dado a filosofar sobre temas mundanos. O ator, que deverá vir ao Rio de Janeiro para enfrentar, com Ritchie, o tapete vermelho em um cinema de luxo localizado na Lagoa, na pré-estreia brasileira, na próxima semana, é, de acordo com o diretor, um Holmes mais “bondiano”. Holmes, Sherlock Holmes. “Queria que ele girasse pelo mundo e lidasse com temas de dimensão multicontinental. E essa visão de um Sherlock enfrentando a fraude onde quer que ela estivesse está lá no original, bebi da fonte, de Conan Doyle. A empatia com o personagem se dá, como no caso de Bond, não apenas por suas virtudes, mas por seus pecadilhos, sua vaidade, seu egoísmo.”

Uma constante na conversa com Ritchie é a afirmação de que ele foi o mais fiel possível ao personagem literário. “Doyle criou o primeiro personagem da literatura ocidental familiarizado com artes marciais. Ele praticava uma forma ancestral do jiu-jitsu, completamente obscuro para os leitores da época. Por isso, a necessidade de encontrar uma faceta do personagem que não fosse apenas um super-herói do intelecto”, diz o diretor, que se diz adepto do “jiu-jitsu brasileiro”.

Downey, que fizera um grande sucesso na pele de um herói dos quadrinhos, o Homem de Ferro, encontra no humor a saída para estabelecer uma empatia de seu detetive com o público. Em O Jogo de Sombras, ele se traveste de mulher em uma perseguição de trem. “Sou a favor de qualquer desculpa para travestir Robert”, brinca Ritchie. “Quero que meus personagens principais sejam engraçados, que você queira ser amigo deles”, diz Ritchie, notório por afirmar ter se interessado pelos gângsteres ingleses justamente por seu aspecto caricato.

O público desta vez conhecerá o irmão mais velho de Holmes, vivido por Stephen Fry, que protagoniza uma das cenas mais despojadas da produção. O decano comediante, diz Ritchie, mostrou-se uma “enciclopédia ambulante de Conan Doyle”. “Foi um pouco intimidante dirigi-lo. Mas Stephen conhece o limite de ser um sabe-tudo, ele jamais ultrapassa a linha divisória. Por via das dúvidas, para colocá-lo em seu devido lugar, assegurei-me de que ele aparecesse sem roupas no filme”, diz Ritchie, antes de soltar uma curta gargalhada.

Apesar dos atributos físicos de Fry, o clímax de O Jogo das Sombras se dá mesmo na batalha final entre Holmes e seu nêmesis, o professor Moriarty, vivido pelo ótimo Jared Harris, conhecido do público brasileiro pelo Lane Pryce da série televisiva Mad Men – Inventando verdades. Antes de Ritchie se decidir por Harris, Sean Penn, Brad Pitt e até Daniel-Day Lewis foram cogitados para o papel. A escalação de outra estrela de Hollywood poderia elevar consideravelmente o orçamento do filme, estimado em 125 milhões de dólares. E Harris é bom de boxe, quesito fundamental para seus encontros, sempre elétricos, com Holmes.

O primeiro Sherlock de Ritchie teria custado 90 milhões, para um faturamento de 524 milhões de dólares. “Desenvolvi, com o primeiro Sherlock, certa musculatura criativa. E sim, diria que me reinventei em Hollywood ao mesmo tempo em que reinventava Holmes no cinema”, considera Ritchie, que prepara a versão cinematográfica da série televisiva dos anos 1960, The Man from U.N.C.L.E. Mas, antes de deixar a suíte para voltar à companhia do filho recém-nascido e da mulher, a modelo inglesa Jacqui Ainsley, ele deixa claro que não vai abandonar as ruas de Londres por muito tempo: “Quero fazer uma continuação para Rock’n’Rolla – A grande roubada (de 2008). Já tenho o filme todo na cabeça, a história é hilária. Só preciso do dinheiro de Hollywood para transformá-la em filme”.

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