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Histórias de vidas pequenas

A coletânea dos contos de Vilma Arêas joga luz sobre uma longa produção literária construída de forma discreta e consistente

Histórias de vidas pequenas
Histórias de vidas pequenas
A autora é professora aposentada de Literatura da Unicamp – Imagem: Julia Thompson
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Tigrão, conto que abre a coletânea Todos Juntos, narra a improvável amizade entre um preso político e o ex-membro de um grupo de extermínio. O primeiro contato com a obra reunida de Vilma Arêas esboça a essência de sua escrita: o desejo de pôr todas as personagens em pé de igualdade.

Professora aposentada de Literatura da Unicamp, Vilma sempre manteve sua produção ficcional um tanto escondida. Nem mesmo os três prêmios Jabuti que ganhara romperam a discrição com que conduziu a carreira de escritora. De sua estreia, em 1976, até o inédito Tigrão, publicado pela primeira vez em Todos Juntos, sua obra literária totaliza sete livros.

É um grande acerto do organizador da edição, Samuel Titan Jr., dispor os volumes em uma cronologia às avessas, de 2023 até meados dos anos 1970. Em seus primeiros livros, Vilma recorre à interioridade de personagens em crise e aos espinhosos laços familiares – podemos ver, por exemplo, a influência de Clarice Lispector, tema de um longo estudo por ela publicado em 2005.

A partir de A Terceira Perna (1992), os contos de Vilma alcançam a maturidade, com o encontro de um eixo temático: o ethos brasileiro, arraigado na injustiça. “Liberdade antes de tudo. O Brasil é terra de liberdade”, diz um dos personagens. Com ironia crítica, essa afirmação é investigada em seus trabalhos seguintes – Trouxa Frouxa (2000) Vento Sul (2011) e Um Beijo por Mês (2018).

TODOS JUNTOS – 1976-2023. Vilma Arêas. Fósforo (560 págs., 129,90 reais)

Todos os livros giram em torno de um mesmo mote: a ditadura civil-militar. As sombras do período refletem a brutalidade que se perpetua entre nós e funciona como ponto de inflexão em Vilma Arêas. Novas formas de violência são exploradas: a indiferença, a fome, a miséria e a exclusão. Pelas ruas, desolação. Mas há, também, a possibilidade de alteridade, com pequenos exercícios de empatia que se colocam no caminho.

O destaque da coletânea são os textos estruturados a partir de uma única cena, descrita como se fosse uma captura fotográfica. Ora os registros são apenas sugeridos, ora se aproximam do ensaio social. A autora volta-se para a marca do conto: a brevidade extrema. Conhecedora da forma, Vilma se deixa envolver com magistralidade.

“Já vi a morte demais na morte dos condenados”, afirma uma das personagens de Partidas (1976). Com olhar minucioso, Vilma Arêas escala um time de vidas pequenas. Sob sua lupa, os contos ganham um impulso democrático. Seu desejo íntimo parece ser o de contemplar todos, juntos. •

Publicado na edição n° 1273 de CartaCapital, em 23 de agosto de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Histórias de vidas pequenas’

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