Cultura
Há 50 anos na crista da onda
Djavan tem mais de 5 milhões de audições mensais no Spotify e acaba de lançar um disco com novas composições
Era início de 1987 quando, ao atender o telefone, Djavan ouviu, do outro lado da linha, Quincy Jones. O produtor musical norte-americano tinha um pedido: que ele escrevesse uma canção para o álbum de Michael Jackson que estava então produzindo, e que viria a se tornar o multiplatinado Bad.
Jones e Djavan haviam se aproximado e ficado amigos durante a temporada que o músico brasileiro passou em Los Angeles, gravando o disco Luz, no início daquela década. Impressionado com a qualidade de Djavan, Jones contribuíra então para que algumas portas do mercado internacional se abrissem para sua música.
Depois da ligação, Djavan começou a trabalhar na canção encomendada, mas no seu ritmo. E, embora ele tenha chegado a visitar Jones e Jackson nos estúdios de mixagem do álbum, em Los Angeles, acompanhado dos filhos Max e Flávia, sua composição nunca foi gravada.
“Acho que demorei demais para entregar a música”, rememora ele, em entrevista a CartaCapital, em um hotel da região da Avenida Paulista, em São Paulo, no trabalho de divulgação de seu novo álbum, Improviso.
Segundo Djavan, desde aquela viagem, os filhos sempre pediam para ele gravar a canção que, finalmente, tirou da gaveta. O rhythm and blues, que não teria feito feio em Bad, foi gravado com nova letra, em homenagem ao próprio Rei do Pop.
Com arranjo que remete à Billie Jean, de Jackson, Pra Sempre é uma das 12 faixas do álbum cujo lançamento dá início às comemorações dos 50 anos de carreira do músico, com clímax programado para 9 de maio do próximo ano, quando começa a turnê Djavanear, no Allianz Parque, em São Paulo.
O nome da turnê toma emprestado o verbo criado por Caetano Veloso em resposta ao verso composto por Djavan na música Sina: Caetanear o que há de bom.
No show, que percorrerá o País, o músico promete cantar apenas seus maiores sucessos. E sucessos não faltam. Antigos e novos. O lançamento mais recente, O Vento, regravação de canção composta para Gal Costa nos anos 1980, lançado em 23 de outubro, já conta com 1,5 milhão de visualizações.
Mesmo com turnê comemorativa no horizonte, Djavan acredita ser essencial lançar novas músicas. “Criar, inventar novas canções, situações, letras, melodias, novos arranjos, tudo isso te deixa em um estado de graça muito grande”, diz. “É o que eu mais gosto, na verdade: o improviso.”
Para Djavan, compor é um risco: “Por isso, a espontaneidade tem de ser garantida, para que o compositor dê vazão para seu sentimento. Quando escolhe um tema, você está se arriscando”, afirma, citando o exemplo de Falta Ralar, uma nova composição.
A música é sobre o relacionamento de dois adolescentes, uma menina de 15 anos e um menino ainda imaturo de 18. “É um risco falar de algo que não faz parte do seu universo, baseado na observação dos outros, dos meus netos”, diz. “Não faço a menor ideia de como eu era quando tinha essa idade.”
Falta Ralar é um bom exemplo de lugares inusitados para onde Djavan, aos 76 anos, leva o ouvinte em um disco recheado de histórias amorosas. “Amar é um risco também”, afirma ele, fazendo eco à letra de Um Brinde, que diz: Ir atrás do amor é um jazz.
O jazz, não por acaso, destaca-se também no disco – que, como sempre acontece em seus trabalhos, mistura vários ritmos. “O improviso sempre me acompanhou”, insiste. “Ele é, inclusive, uma reflexão sobre a melodia. E fazer um disco hoje, aos 50 anos de carreira fonográfica, não deixa de ser um improviso.”
Improviso é mais sereno do que o disco anterior, D, que foi composto durante a pandemia e trazia preocupações com a polarização do País. Agora, são as várias fases e faces do amor que formam a narrativa do álbum. O todo parece ser reflexo da chegada do artista a um certo porto seguro.
A faixa de abertura, Um Affair, tem letra libertária (Num harém, o pecado é ninguém), mas reflexiva (O tanto que perdi, meu semblante não diz). Na canção Improviso, o mote é a incerteza do amor, refletida no improviso de quem abandona a melodia (Vejo as notas indo de cor pra onde eu não quis).
Separada por 50 anos de Flor de Lis, sucesso de seu álbum de estreia, A Voz, o Violão e a Música de Djavan (1976), o artista apresenta outro samba clássico, Cetim, com acordes reconhecidamente “djavanianos” – que preparam o ouvinte para uma melodia, mas vão para outro lado.
Mas, enquanto o velho samba contava o fim de um romance, este celebra o início da paixão: Você mexe no clima, ímã, tudo é uma inundação, canta ele, canta ele, retomando uma rima com a palavra ímã, marcante em outro clássico seu, Açaí.
Improviso retoma também o refinamento visual de D, com a direção de arte de Giovanni Bianco. Nos shows, a direção artística caberá novamente a outra grife da cenografia e das artes visuais brasileiras: Gringo Cardia. “Teremos imagens de obras de arte no palco interagindo com os músicos”, diz, sem dar mais detalhes.
Musicalmente, Djavan diz que tem ouvido muito os que os filhos e o neto ouvem. Parte da prole formou a banda Trivia – uma brincadeira “djavanesca” com a palavra trio e o sobrenome da família, Viana.
Os netos Gabriel e Bernardo, de 19 anos, e o filho Inácio, de 18, acabam de lançar o single Cartas na Mesa, que transita entre o pop contemporâneo e o rhythm and blues. “Estou sempre aprendendo e ampliando meu conhecimento musical com eles”, conta Djavan, que vem sendo descoberto por uma nova geração que também quer djavanear o que há de bom. São 5,1 milhões de audições mensais no Spotify e shows repletos de jovens que, como Quincy Jones, parecem esperar dele novos improvisos. •
Publicado na edição n° 1388 de CartaCapital, em 19 de novembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Há 50 anos na crista da onda
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