Cultura
Gramado: melhor no atacado do que no varejo
Escolha de melhor atriz e ator coadjuvante promove um filme sem relevo maior para uma disputa séria


A surrada metáfora do copo cheio ou vazio pode ser relembrada para se analisar o saldo da premiação do 43 Festival de Cinema de Gramado. Ou seja, dependendo do ponto de vista, pode se enxergar mais equívocos ou mais acertos. Para mim, fica a primeira impressão, tanto para as escolhas do júri de filmes nacionais como para os latinos.
No caso dos brasileiros, alívio pelos jurados terem cacifado merecidamente as qualidades superiores de Ausência, condição que o Fest Aruanda já havia sinalizado em dezembro ao premiar o belo longa de Chico Teixeira. Chico leva os prêmios de melhor filme, direção e roteiro, este compartilhado com parceiros. O filme levou ainda melhor trilha sonora.
Mas o desequilíbrio do copo começa em escolhas no mínimo questionáveis quando se busca o melhor e não concessões a um gosto de estrelato de que Gramado sempre provou. A postura está mais explicita na decisão de melhor atriz e ator coajuvante, que promove um filme sem relevo maior para uma disputa séria.
Entende-se contudo a união de qualidade e apelo ao novo, no caso oposto de melhor ator e atriz coadjuvante, digno, ou mais que isso. Mas de novo, não era o caso mais uma vez valorizar um filme apenas de boas intenções.
Mais sério, no entanto, é essa visão ser compartilhada pelo júri da crítica especializada, no caso de Gramado organizado pela Abraccine em parceria com a entidade local Accirs, aliás nem mencionada no palco. É incoerente ao pensamento reflexivo tais profissionais devem privilegiar, deixando no limite ao público um conceito mais de popularidade, que afinal não desapontou ao preferir O Outro Lado do Paraíso.
E isso vale também ao prêmio da seleção latina. Para finalizar os nacionais, ficou um débito enorme com o interessante, ainda que contenha excessos, Ponto Zero, o filme gaúcho que dá nova dimensão a morna produção local. Um certo descompasso se deu entre os curtas-metragens também. Aqui até se privilegiou o melhor da safra, mas de maneira dispersa, sem consolidar um gosto comum a todo júri. Em outras palavras, decidiu-se distribuir e não concentrar.
Entre os latinos, me pareceu uma questão a tendência em geral boa e quase recomendável de concentrar prêmios, mas não de forma a deixar o instigante En la Estancia na mão da criança para então dela tirar em favor de retratos apenas simpáticos como Venecia e La Salada. Ficaram de fora injustamente os concorrentes uruguaio, este com maravilhoso elenco masculino, e equatoriano, de intenções geracionais e também políticas.
Enfim, mais alguns erros na vitrine gaúcha, que já deixou passar momentos recentes memoráveis do cinema brasileiro. Ou seja, os desacertos estão ao redor, mas o miolo ao menos desta vez se manteve íntegro.
PREMIAÇÃO
Melhor Filme Nacional — Ausência, de Chico Teixeira
Melhor Direção — Chico Teixeira, por Ausência
Melhor Filme Júri Popular — O Outro Lado do Paraíso, de André Ristum
Melhor Roteiro — Chico Teixeira, César Turim e Sabina Anzuategui por Ausência
Melhor Ator — Breno Nina, por O Último Cine Drive-In
Melhor Atriz — Mariana Ximenez, por Um Homem Só
Melhor Ator Coadjuvante — Otávio Muller, por Um Homem Só
Melhor Atriz Coadjuvante — Fernanda Rocha, por O Último Cine Drive-In
Melhor Fotografia — Adrian Tejido, por Um Homem Só
Melhor Trilha Sonora — Alexandre Kassin, por Ausência
Melhor Direção de Arte — Maira Carvalho, por O Último Cine Drive-in
Melhor Montagem — Frederico Brioni, por Ponto Zero
CiNEMA LATINO
Melhor Filme Latino — La Salada, de Juan Martin Hsu
Melhor Direção — Kiki Alvarez, por Venecia
Melhor Ator — Gilberto Barraza, por En La Estancia
Melhor Atriz — Claudia Muñiz, Marianela Pupo e Maribel García Garzón, por Venecia
Melhor Roteiro — Carlos Armella, por En la Estancia
Melhor Fotografia — Nicolas Ordóñez, por Venecia
Prêmio Júri Popular — Ella, de Libia Stella Gómez
Prêmio Abraccine/Accirs — curta-metragem a Dá Licença de Contar, longa-metragem latino a La Salada e longa-metragem brasileiro a O Ultimo Cine Drive-In
Melhor Curta-metragem — O Corpo, de Lucas Cassales
Melhor Direção de Curta-metragem — Bruno Carboni, por O Teto sobre Nós
Melhor Roteiro — Tiago Vieira e Fabricio Ide, por Quando Parei de Me Preocupar Com Canalhas
Prêmio Júri Popular — Bá, de Leandro Tadashi
Prêmio Canal Brasil — Dá Licença de Contar, de Pedro Serrano
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