Cultura

Graham Coxon: “Não estamos em 1975. É um mundo confuso”

O guitarrista fala sobre seu novo álbum, A+E, da apresentação do Blur no Hyde Park nas Olimpíadas e sua reação aos tumultos do verão

Foto: Jeff Hubbard
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Por Miranda Sawyer

“Meu modo normal é 9 anos de idade”, diz Graham Coxon, 43, enquanto engole um misto-quente em uma cervejaria de Camden. Ele tem alguma coisa de um Bash Street Kid: de jeans e camiseta listrada, com um corte de cabelo tigela despenteado, muitas sardas, você não ficaria surpreso se soubesse que ele tem um estilingue no bolso de trás. Ele parece uma história em quadrinhos viva. Eu digo isso. Coxon ajeita a franja e coloca as sobrancelhas no modo “ansioso”.

“Durante algum tempo não usei óculos e camisetas listradas”, ele diz sinceramente, “apesar de gostar deles, porque achava que para muitas pessoas eu tinha me transformado nisso. Um par de óculos e uma camiseta listrada. Mas eles me ajudam a me esconder. Sou bastante tímido e inglês. Talvez eu precise de camisetas mais listradas. Óculos maiores. Cabelos mais compridos….”

Ah, Graham. Como ele faz isso? Como pode um homem de meia idade ser tão infantil e não ser incômodo? De certa forma, quando se trata de Graham Coxon, o que deveria lhe dar vontade de matá-lo — sua voz de criança, seu ar espantado, o hábito de morder o lábio superior — nos faz pensar que ele é um ás. Em parte porque é embalado em tolices e em um carisma muito definido; principalmente porque por baixo disso espreita algo muito mais interessante — um artista adulto, expressivo, com opinião. Seus modos desengonçados parecem destinados a dissuadir o tipo de gente que acha que um gênio deve ter uma alta posição social.

 

Mais conhecido como guitarrista do Blur — o esquisito que foi dispensado uma década atrás, durante a elaboração de Think Tank –, Coxon na verdade passou boa parte da vida adulta trabalhando em suas próprias atividades artísticas. Vale a pena lembrar que ele é quase tão prolífico quanto o confiante e polivalente cantor principal do Blur, Damon Albarn: lançou três discos solo enquanto ainda estava no Blur, e depois foram quatro, com um novo, A+E, a ser lançado em 2 de abril. Ele nunca para de criar, na verdade: tira fotos, desenha e pinta (fez uma exposição de pinturas no ICA em 2004); toca saxofone, baixo, guitarra, bateria e quase qualquer outro instrumento em que ponha as mãos. Então, se ele tem 9 anos, é um garoto hiperativo. Um que tem obsessões que não consegue pôr de lado.

No momento está no saxofone. Recentemente comprou outro soprano — “Não há nada como um novo instrumento para inspirá-lo” — e passa a maior parte do tempo livre praticando, assim como pesquisando saxofones e escutando velhos músicos de jazz, como Oliver Nelson, Ornette Coleman, Eric Dolphy. Sua outra mania atual é manipular fotografias, e ele fala com prazer sobre a felicidade de tirar fotos “porcaria” em uma era de imagens digitais supernítidas. “Gosto do fato de que a tecnologia é tão incrível hoje, no entanto as coisas podem ser moídas em pixels e parecer meio ruins.” A foto da capa de A+E, das pernas de uma mulher com um fiapo de sangue escorrendo de seu joelho esquerdo, foi tirada por Coxon. “Com este telefone!”, ele atira, mostrando um velho Nokia do outro lado da mesa.

“Eu vejo desenhar, tocar guitarra e todas as outras coisas como quase a mesma”, ele diz. “Não sou tecnicamente ótimo, tudo é apenas uma ferramenta de expressão. Meu caderno de desenho é cheio de desenhos pueris de pintos; é uma desgraça, mas me diverte, e esse é o motivo pelo qual faço as coisas: me divertir. Às vezes essas coisas conseguem se revelar, e às vezes não.”

Desta vez são as dez faixas ruidosas e embaralhadas de A+E que forçaram sua saída à luz, e seus fãs ficarão totalmente deliciados. Alguns dias depois de nosso encontro, vou ver Coxon tocar na festa de décimo aniversário da 6Music, onde ele mostra várias de suas novas canções. Embora a apresentação seja no Queen Elizabeth Hall, um local respeitável, com lugares sentados, o público está excitado, grita e bate os pés à vontade, faz danças contorcidas enquanto se ajeita. Coxon, de óculos e camiseta listrada — sim –, é acompanhado pelo guitarrista Owen Thomas e por Toby Macfarlaine no baixo. Atrás deles está o baterista cabeludo Stephen Gilchrist, assim como Jen Clayton e Lucy Parnall, que tocam sintetizadores e guitarras enquanto balançam com uma elegância de bibliotecária.

O som que eles fazem juntos é maravilhoso. Áspero, alto, confrontador, complicado, cheio de ganchos e improvisos. Um pouco Sonic Youth, um pouco Joy Division… um pouco Blur, obviamente. A certa altura, na nova faixa “City Hall”, cinco guitarras tocam ao mesmo tempo. É fantasticamente caótico.

“Bem”, diz Coxon hoje, “eu não gosto de me entediar, e não entendo por que as pessoas compõem três minutos de música que não o fazem pensar, saltar ou rir, ou não entretêm absolutamente seu ouvido. E eu gosto da ideia de condensar coisas de 15 minutos de rock progressivo em três.”

A+E começou como uma reação de Coxon a seu último álbum, The Spinning Top. Esse foi um belo trabalho acústico; arejado, com uma sensação nostálgica de verão inglês, foi recebido com êxtase pelos críticos. Mas era tecnicamente desafiador — “dedos indo ao inferno por couro”, como ele diz — e os shows que o acompanharam foram enxertos.

“Eu fiquei maravilhado com meu próprio sabor”, ele diz. “Guitarra dedilhada, ter de sentar para tocar. Estar em lugares que não foram criados para esse tipo de coisa, e plateias decepcionadas. Afinal, toquei em uma sala enorme no Barbican, que funcionou melhor porque era mais, hum, madura, mas também há mais pressão. Você pode ouvir os erros. Então, depois eu regredi.”

Com isso ele quer dizer que pôs de lado sua guitarra acústica e começou a mexer com baixo, tocando improvisos. Depois de algum tempo, acrescentou a guitarra — “usando montes de efeitos, em vez de firulas” — mais sons estranhos, e colocando o ruído resultante em uma bateria eletrônica. Ele entrou em contato com o produtor Ben Hillier, que trabalhou no segundo álbum solo de Coxon, o barulhento The Golden D, e com o Blur em Think Tank. Juntos, no estúdio Bermondsey de Hillier, eles executaram as canções.

Hillier, com quem eu falo ao telefone alguns dias depois de encontrar Coxon, descreve um processo de gravação rápido e divertido, com ele captando os primeiros desempenhos de Coxon sempre que possível, “senão ele fica entediado”. Coxon tocou todos os instrumentos, a não ser alguns sintetizadores, e lembra das sessões como “um grande playground”, com tudo junto na mesma sala e todos os microfones abertos, de modo que os ruídos estranhos, como fones de ouvido deixados em um canto ou Coxon gritando dicas para Hillier, foram mantidos no mix. “Se o ruído nos fizesse rir ou xingar, ele ficava.”

Hillier também diz, quase de passagem, que Coxon é de longe o músico de rock mais talentoso com quem já trabalhou. Ele o compara a virtuosos clássicos, diz que sua musicalidade é tão avançada que é como se o instrumento fosse uma extensão de seu corpo, de modo que tudo o que está em sua cabeça vai diretamente para a música. Isso me faz pensar em uma entrevista anterior que fiz com Coxon nos anos 1990, mais ou menos na época do 13 do Blur, em que ele me disse que quando não conseguia falar com Albarn dizia o que queria com a guitarra.

De todo modo, Coxon e Hillier gravaram 21 canções em dois meses, e as dividiram em dois discos: A+E, e outro que poderá ser lançado mais tarde este ano, que, segundo Hillier, é menos baseado em improvisos, mais “melódico”, influenciado por soul, com cantoras de apoio e violinos.

Antes disso, é claro, Coxon tocará com o Blur em sua apresentação no Hyde Park em 12 de agosto, para comemorar o final dos Jogos Olímpicos. Também estão no cartaz New Order e os Specials, então deverá ser incrível, apesar de Coxon me dizer que houve muitas queixas sobre as bandas serem velhas demais. Ele diz que a ideia era uma banda de cada década (embora isso realmente não funcione, se você pensar bem), e haverá outros artistas mais contemporâneos tocando.

“De qualquer modo”, ele diz, ajeitando a franja de novo, “não tenho certeza se estou autorizado a falar sobre o Blur. Toda vez que abro a boca sobre ele arranjo problemas. Então eu entro no Twitter e há centenas de mensagens: ‘Graham, Graham, o que você quis dizer?’ E eu desejo que não tivesse dito nada!”

Recentemente ele disse que o Blur com certeza faria outro álbum, mas obviamente foi desmentido desde então. Hoje ele apenas murmura alguma coisa sobre eles saírem juntos e tocarem, com nada formal planejado. Sem pressão, porque “isso faria o que poderia acontecer não acontecer”.

Conversamos um pouco sobre a apresentação da banda nos Brits, onde recebeu um prêmio especial. O público de tevê ficou chateado porque o discurso de Adele foi cortado para o Blur entrar, e então eles não pareceram tão educados quanto, digamos, Olly Murs. Coxon explica que quando Albarn correu pela passarela fez que seu vocal ficasse meio segundo fora de sincronia, e que quando você se apresenta ao vivo não pode tocar como se estivesse totalmente aquecido, quando não está… “É tudo meio hooliganist, essa coisa”, ele diz. “Não é disso que se trata, na verdade.”

Então, em vez disso, voltamos ao alegre quebra-cabeça que é A+E. A primeira faixa, a animada e sintética “What’ll It Take”, tem dois ganchos vocais fáceis — “O que é preciso para fazer vocês dançarem?” e “Eu realmente não sei o que há de errado comigo” — mas, para ser franco, não tenho certeza do que falam algumas das outras canções.

“Advice” [Conselho], por exemplo, que eu pensava tratar de ficar entediado com pessoas bem-intencionadas que falam com você, vem a ser a visão de Coxon de uma grande noitada que deu errado. Nos anos 1980, ele foi a uma festa em Brentwood onde ele e dois amigos tiraram a fita que estava tocando e colocaram um disco dos Smiths. “E então dançamos de uma maneira bem… ‘bichinha’, por falta de uma palavra melhor.” O resultado foi que eles realmente levaram uma surra. Depois andaram por Brentwood a se perguntar como iam voltar para casa. “Todos nós pensamos que provavelmente ficaríamos com uma das primas de nosso amigo na festa, e afinal, não.”

Coxon escreveu muitas canções do A+E de maneira autossugestiva, fazendo “ruídos parecidos com vogais” sobre o som da guitarra. “Se você fizer isso e colar na música gravada, sugere palavras e frases, provoca um monte de pensamentos”, ele diz. Mas esses pensamentos não se afastaram muito de suas preocupações atuais. Há outra canção chamada “Running for Your Life” [Correndo para salvar a vida] que tem um tema semelhante a “Advice”, e diz: “Este álbum está absolutamente coberto por minha paranoia e minhas neuroses”.

E quais são?

“Oh, sou muito pessimista culturalmente, eu acho. Tenho medo do mundo, da anarquia, de que se perca o controle. Loucura. Pandemônio. Como as pinturas de John Martin, que fez os grandes quadros sobre o fim do mundo na época vitoriana. Como sou velho, e tenho uma filha, me preocupo com o fato de haver anúncios de Jogos Mortais na lateral do ônibus, ou mulheres nuas, coisas parecidas. Eu apenas acho que há muita violência desnecessária… sexo e violência… bem aí na rua. Não preciso sair para ver, basta assistir ao noticiário!”

Ele estava em casa em Camden quando ocorreram os tumultos: “Havia um grupo de jovens mascarados no fim da minha rua”. Embora sua filha, Pepper, que tem 12 anos, estivesse na casa da mãe e sua namorada também estivesse fora, Coxon — que não é um vigilante de bairro por vocação — foi dominado pela ideia de que precisava proteger sua casa e sua família. Então saiu para o jardim dos fundos e pegou um grande recipiente cheio de gasolina. “Pensei: ‘Vou levar isso para dentro, fechar as janelas e preparar algumas armas para o caso de precisar defender minha casa’. Era como se eu estivesse no velho oeste…”

Ele está meio rindo, meio sério. Como muitas pessoas que abandonaram o álcool (ele parou há cerca de dez anos e hoje bebe raramente), Coxon é sensível à raiva de outras pessoas, especialmente quando é movida a bebida. “Eu acho que o futuro da saúde mental neste país está morto”, ele diz, moderadamente. “Há até turistas que vêm ver os britânicos fazerem sua farra na sexta-feira à noite. É verdade! Eu dei algumas entrevistas na França, e eles diziam que muitos estudantes franceses vão para a Inglaterra ver a farra e participar dela por uma noite.”

É imensamente estranho que Coxon tenha acabado em uma banda considerada parcialmente responsável pela moda de garotas seminuas e machismo no futebol, em meados dos anos 90. Ele detesta com paixão a violência dominante. E é um homem cujo gosto não muda. Suas preferências são pessoais e particulares, baseadas em torno de inglesismos bem feitos (blazers, botas, Beatles) e americanismos de segunda-mão (Converse, Levi’s, Dinosaur Jr). Ele é um homem constante, não afetado pela moda, pela política ou pelas delícias da fabricação de queijos nacionais. Na verdade, se você considerar os membros da Blur, e como eles se distanciaram de sua encarnação no início dos anos 90, somente Coxon parece ser o mesmo: ainda vive na mesma casa em Camden, e balança o mesmo visual discreto. Mesmo quando se trata de A+E, ele quer que seja escutado por pessoas muito especiais.

“Quando eu estava em turnê em 2005-6, alguns lugares em que tocamos tinham boate depois da apresentação. E esses clubes ficavam embaixo de arcos de ferrovias, muito barulhentos, e a garotada dançando parecia meio robôs meio mods. Cortes de cabelo fantásticos, roupas incríveis, dançando adequadamente, vomitando. E eu pensava: ‘Sim! É aí que eu quero que essa coisa seja tocada, um ambiente como esse’.”

Sua consistência estética pode parecer chata se não fosse que Coxon, de todos os seus compadres do Blur, é o que pessoalmente mudou mais. Ele ainda é do contra, ainda é o que Hillier chama de “flor delicada” às vezes, mas sua vida doméstica está assentada: ele mora com Pepper e sua namorada há seis anos e com seu cachorro Frankie, um Jack Russell. Comparado com o Coxon dos anos 90 e início de 2000, ele está muito mais calmo, menos tenso. Deve ter sido difícil abandonar a bebida, mas ele era inegavelmente um bêbado decadente — ou ressentido e acusador, ou miserável e autodestrutivo. “Eu era totalmente inconsciente de qualquer coisa exceto minha própria vida e meus sentimentos, o que eu tinha de fazer, sentindo-me arrasado, como eu ia atravessar aquele dia, ‘Meu Deus, quando posso ir para o bar?’ — coisas desse tipo.”

Na época a gente se preocupava com ele. Agora não. Agora seu simpático secretário pessoal <??? Não dá para saber se é homem ou mulher> lhe diz o que ele tem de fazer dia a dia, em vez de revelar sua agenda para o ano todo. “Como no filme Escola de Idiotas, em que um amigo de Ian Carmichael chega e lhe diz ‘O que vamos fazer hoje?’, e ele diz ‘Apenas algumas assinaturas, senhor’. Isso está bem para mim: ‘Apenas algumas assinaturas, e mais tarde o NME Awards.”

Então, Graham, podemos dizer que você é feliz?

“Acho que sou bastante feliz. Acho que se sou um artista ou qualquer coisa, um músico, e a mensagem que recebo é de que o que faço é importante, então sou feliz. Mas, você sabe, não estamos em 1975, é um mundo confuso. Os discos costumavam ter festas de lançamento e apresentações, ser um acontecimento. Mas hoje nada acontece com uma festa. Uma parte de mim quer ser erguida por pessoas que marcham pela Parkway [em Camden] com serpentinas e fanfarras, você sabe? Porque elas receberam meu LP!”

Coxon está rindo quando se levanta. Apesar de seu cabelo estranho, seus óculos de nerd, ele é alto; mais impressionante fisicamente do que se poderia pensar. Você poderia até, de repente, chamá-lo de robusto.

A+E será lançado em 2 de abril. A turnê de Graham Coxon pelo Reino Unido começa em 13 de abril na O2 Oxford Academy

Leia mais no Guardian.co.uk

 

Por Miranda Sawyer

“Meu modo normal é 9 anos de idade”, diz Graham Coxon, 43, enquanto engole um misto-quente em uma cervejaria de Camden. Ele tem alguma coisa de um Bash Street Kid: de jeans e camiseta listrada, com um corte de cabelo tigela despenteado, muitas sardas, você não ficaria surpreso se soubesse que ele tem um estilingue no bolso de trás. Ele parece uma história em quadrinhos viva. Eu digo isso. Coxon ajeita a franja e coloca as sobrancelhas no modo “ansioso”.

“Durante algum tempo não usei óculos e camisetas listradas”, ele diz sinceramente, “apesar de gostar deles, porque achava que para muitas pessoas eu tinha me transformado nisso. Um par de óculos e uma camiseta listrada. Mas eles me ajudam a me esconder. Sou bastante tímido e inglês. Talvez eu precise de camisetas mais listradas. Óculos maiores. Cabelos mais compridos….”

Ah, Graham. Como ele faz isso? Como pode um homem de meia idade ser tão infantil e não ser incômodo? De certa forma, quando se trata de Graham Coxon, o que deveria lhe dar vontade de matá-lo — sua voz de criança, seu ar espantado, o hábito de morder o lábio superior — nos faz pensar que ele é um ás. Em parte porque é embalado em tolices e em um carisma muito definido; principalmente porque por baixo disso espreita algo muito mais interessante — um artista adulto, expressivo, com opinião. Seus modos desengonçados parecem destinados a dissuadir o tipo de gente que acha que um gênio deve ter uma alta posição social.

 

Mais conhecido como guitarrista do Blur — o esquisito que foi dispensado uma década atrás, durante a elaboração de Think Tank –, Coxon na verdade passou boa parte da vida adulta trabalhando em suas próprias atividades artísticas. Vale a pena lembrar que ele é quase tão prolífico quanto o confiante e polivalente cantor principal do Blur, Damon Albarn: lançou três discos solo enquanto ainda estava no Blur, e depois foram quatro, com um novo, A+E, a ser lançado em 2 de abril. Ele nunca para de criar, na verdade: tira fotos, desenha e pinta (fez uma exposição de pinturas no ICA em 2004); toca saxofone, baixo, guitarra, bateria e quase qualquer outro instrumento em que ponha as mãos. Então, se ele tem 9 anos, é um garoto hiperativo. Um que tem obsessões que não consegue pôr de lado.

No momento está no saxofone. Recentemente comprou outro soprano — “Não há nada como um novo instrumento para inspirá-lo” — e passa a maior parte do tempo livre praticando, assim como pesquisando saxofones e escutando velhos músicos de jazz, como Oliver Nelson, Ornette Coleman, Eric Dolphy. Sua outra mania atual é manipular fotografias, e ele fala com prazer sobre a felicidade de tirar fotos “porcaria” em uma era de imagens digitais supernítidas. “Gosto do fato de que a tecnologia é tão incrível hoje, no entanto as coisas podem ser moídas em pixels e parecer meio ruins.” A foto da capa de A+E, das pernas de uma mulher com um fiapo de sangue escorrendo de seu joelho esquerdo, foi tirada por Coxon. “Com este telefone!”, ele atira, mostrando um velho Nokia do outro lado da mesa.

“Eu vejo desenhar, tocar guitarra e todas as outras coisas como quase a mesma”, ele diz. “Não sou tecnicamente ótimo, tudo é apenas uma ferramenta de expressão. Meu caderno de desenho é cheio de desenhos pueris de pintos; é uma desgraça, mas me diverte, e esse é o motivo pelo qual faço as coisas: me divertir. Às vezes essas coisas conseguem se revelar, e às vezes não.”

Desta vez são as dez faixas ruidosas e embaralhadas de A+E que forçaram sua saída à luz, e seus fãs ficarão totalmente deliciados. Alguns dias depois de nosso encontro, vou ver Coxon tocar na festa de décimo aniversário da 6Music, onde ele mostra várias de suas novas canções. Embora a apresentação seja no Queen Elizabeth Hall, um local respeitável, com lugares sentados, o público está excitado, grita e bate os pés à vontade, faz danças contorcidas enquanto se ajeita. Coxon, de óculos e camiseta listrada — sim –, é acompanhado pelo guitarrista Owen Thomas e por Toby Macfarlaine no baixo. Atrás deles está o baterista cabeludo Stephen Gilchrist, assim como Jen Clayton e Lucy Parnall, que tocam sintetizadores e guitarras enquanto balançam com uma elegância de bibliotecária.

O som que eles fazem juntos é maravilhoso. Áspero, alto, confrontador, complicado, cheio de ganchos e improvisos. Um pouco Sonic Youth, um pouco Joy Division… um pouco Blur, obviamente. A certa altura, na nova faixa “City Hall”, cinco guitarras tocam ao mesmo tempo. É fantasticamente caótico.

“Bem”, diz Coxon hoje, “eu não gosto de me entediar, e não entendo por que as pessoas compõem três minutos de música que não o fazem pensar, saltar ou rir, ou não entretêm absolutamente seu ouvido. E eu gosto da ideia de condensar coisas de 15 minutos de rock progressivo em três.”

A+E começou como uma reação de Coxon a seu último álbum, The Spinning Top. Esse foi um belo trabalho acústico; arejado, com uma sensação nostálgica de verão inglês, foi recebido com êxtase pelos críticos. Mas era tecnicamente desafiador — “dedos indo ao inferno por couro”, como ele diz — e os shows que o acompanharam foram enxertos.

“Eu fiquei maravilhado com meu próprio sabor”, ele diz. “Guitarra dedilhada, ter de sentar para tocar. Estar em lugares que não foram criados para esse tipo de coisa, e plateias decepcionadas. Afinal, toquei em uma sala enorme no Barbican, que funcionou melhor porque era mais, hum, madura, mas também há mais pressão. Você pode ouvir os erros. Então, depois eu regredi.”

Com isso ele quer dizer que pôs de lado sua guitarra acústica e começou a mexer com baixo, tocando improvisos. Depois de algum tempo, acrescentou a guitarra — “usando montes de efeitos, em vez de firulas” — mais sons estranhos, e colocando o ruído resultante em uma bateria eletrônica. Ele entrou em contato com o produtor Ben Hillier, que trabalhou no segundo álbum solo de Coxon, o barulhento The Golden D, e com o Blur em Think Tank. Juntos, no estúdio Bermondsey de Hillier, eles executaram as canções.

Hillier, com quem eu falo ao telefone alguns dias depois de encontrar Coxon, descreve um processo de gravação rápido e divertido, com ele captando os primeiros desempenhos de Coxon sempre que possível, “senão ele fica entediado”. Coxon tocou todos os instrumentos, a não ser alguns sintetizadores, e lembra das sessões como “um grande playground”, com tudo junto na mesma sala e todos os microfones abertos, de modo que os ruídos estranhos, como fones de ouvido deixados em um canto ou Coxon gritando dicas para Hillier, foram mantidos no mix. “Se o ruído nos fizesse rir ou xingar, ele ficava.”

Hillier também diz, quase de passagem, que Coxon é de longe o músico de rock mais talentoso com quem já trabalhou. Ele o compara a virtuosos clássicos, diz que sua musicalidade é tão avançada que é como se o instrumento fosse uma extensão de seu corpo, de modo que tudo o que está em sua cabeça vai diretamente para a música. Isso me faz pensar em uma entrevista anterior que fiz com Coxon nos anos 1990, mais ou menos na época do 13 do Blur, em que ele me disse que quando não conseguia falar com Albarn dizia o que queria com a guitarra.

De todo modo, Coxon e Hillier gravaram 21 canções em dois meses, e as dividiram em dois discos: A+E, e outro que poderá ser lançado mais tarde este ano, que, segundo Hillier, é menos baseado em improvisos, mais “melódico”, influenciado por soul, com cantoras de apoio e violinos.

Antes disso, é claro, Coxon tocará com o Blur em sua apresentação no Hyde Park em 12 de agosto, para comemorar o final dos Jogos Olímpicos. Também estão no cartaz New Order e os Specials, então deverá ser incrível, apesar de Coxon me dizer que houve muitas queixas sobre as bandas serem velhas demais. Ele diz que a ideia era uma banda de cada década (embora isso realmente não funcione, se você pensar bem), e haverá outros artistas mais contemporâneos tocando.

“De qualquer modo”, ele diz, ajeitando a franja de novo, “não tenho certeza se estou autorizado a falar sobre o Blur. Toda vez que abro a boca sobre ele arranjo problemas. Então eu entro no Twitter e há centenas de mensagens: ‘Graham, Graham, o que você quis dizer?’ E eu desejo que não tivesse dito nada!”

Recentemente ele disse que o Blur com certeza faria outro álbum, mas obviamente foi desmentido desde então. Hoje ele apenas murmura alguma coisa sobre eles saírem juntos e tocarem, com nada formal planejado. Sem pressão, porque “isso faria o que poderia acontecer não acontecer”.

Conversamos um pouco sobre a apresentação da banda nos Brits, onde recebeu um prêmio especial. O público de tevê ficou chateado porque o discurso de Adele foi cortado para o Blur entrar, e então eles não pareceram tão educados quanto, digamos, Olly Murs. Coxon explica que quando Albarn correu pela passarela fez que seu vocal ficasse meio segundo fora de sincronia, e que quando você se apresenta ao vivo não pode tocar como se estivesse totalmente aquecido, quando não está… “É tudo meio hooliganist, essa coisa”, ele diz. “Não é disso que se trata, na verdade.”

Então, em vez disso, voltamos ao alegre quebra-cabeça que é A+E. A primeira faixa, a animada e sintética “What’ll It Take”, tem dois ganchos vocais fáceis — “O que é preciso para fazer vocês dançarem?” e “Eu realmente não sei o que há de errado comigo” — mas, para ser franco, não tenho certeza do que falam algumas das outras canções.

“Advice” [Conselho], por exemplo, que eu pensava tratar de ficar entediado com pessoas bem-intencionadas que falam com você, vem a ser a visão de Coxon de uma grande noitada que deu errado. Nos anos 1980, ele foi a uma festa em Brentwood onde ele e dois amigos tiraram a fita que estava tocando e colocaram um disco dos Smiths. “E então dançamos de uma maneira bem… ‘bichinha’, por falta de uma palavra melhor.” O resultado foi que eles realmente levaram uma surra. Depois andaram por Brentwood a se perguntar como iam voltar para casa. “Todos nós pensamos que provavelmente ficaríamos com uma das primas de nosso amigo na festa, e afinal, não.”

Coxon escreveu muitas canções do A+E de maneira autossugestiva, fazendo “ruídos parecidos com vogais” sobre o som da guitarra. “Se você fizer isso e colar na música gravada, sugere palavras e frases, provoca um monte de pensamentos”, ele diz. Mas esses pensamentos não se afastaram muito de suas preocupações atuais. Há outra canção chamada “Running for Your Life” [Correndo para salvar a vida] que tem um tema semelhante a “Advice”, e diz: “Este álbum está absolutamente coberto por minha paranoia e minhas neuroses”.

E quais são?

“Oh, sou muito pessimista culturalmente, eu acho. Tenho medo do mundo, da anarquia, de que se perca o controle. Loucura. Pandemônio. Como as pinturas de John Martin, que fez os grandes quadros sobre o fim do mundo na época vitoriana. Como sou velho, e tenho uma filha, me preocupo com o fato de haver anúncios de Jogos Mortais na lateral do ônibus, ou mulheres nuas, coisas parecidas. Eu apenas acho que há muita violência desnecessária… sexo e violência… bem aí na rua. Não preciso sair para ver, basta assistir ao noticiário!”

Ele estava em casa em Camden quando ocorreram os tumultos: “Havia um grupo de jovens mascarados no fim da minha rua”. Embora sua filha, Pepper, que tem 12 anos, estivesse na casa da mãe e sua namorada também estivesse fora, Coxon — que não é um vigilante de bairro por vocação — foi dominado pela ideia de que precisava proteger sua casa e sua família. Então saiu para o jardim dos fundos e pegou um grande recipiente cheio de gasolina. “Pensei: ‘Vou levar isso para dentro, fechar as janelas e preparar algumas armas para o caso de precisar defender minha casa’. Era como se eu estivesse no velho oeste…”

Ele está meio rindo, meio sério. Como muitas pessoas que abandonaram o álcool (ele parou há cerca de dez anos e hoje bebe raramente), Coxon é sensível à raiva de outras pessoas, especialmente quando é movida a bebida. “Eu acho que o futuro da saúde mental neste país está morto”, ele diz, moderadamente. “Há até turistas que vêm ver os britânicos fazerem sua farra na sexta-feira à noite. É verdade! Eu dei algumas entrevistas na França, e eles diziam que muitos estudantes franceses vão para a Inglaterra ver a farra e participar dela por uma noite.”

É imensamente estranho que Coxon tenha acabado em uma banda considerada parcialmente responsável pela moda de garotas seminuas e machismo no futebol, em meados dos anos 90. Ele detesta com paixão a violência dominante. E é um homem cujo gosto não muda. Suas preferências são pessoais e particulares, baseadas em torno de inglesismos bem feitos (blazers, botas, Beatles) e americanismos de segunda-mão (Converse, Levi’s, Dinosaur Jr). Ele é um homem constante, não afetado pela moda, pela política ou pelas delícias da fabricação de queijos nacionais. Na verdade, se você considerar os membros da Blur, e como eles se distanciaram de sua encarnação no início dos anos 90, somente Coxon parece ser o mesmo: ainda vive na mesma casa em Camden, e balança o mesmo visual discreto. Mesmo quando se trata de A+E, ele quer que seja escutado por pessoas muito especiais.

“Quando eu estava em turnê em 2005-6, alguns lugares em que tocamos tinham boate depois da apresentação. E esses clubes ficavam embaixo de arcos de ferrovias, muito barulhentos, e a garotada dançando parecia meio robôs meio mods. Cortes de cabelo fantásticos, roupas incríveis, dançando adequadamente, vomitando. E eu pensava: ‘Sim! É aí que eu quero que essa coisa seja tocada, um ambiente como esse’.”

Sua consistência estética pode parecer chata se não fosse que Coxon, de todos os seus compadres do Blur, é o que pessoalmente mudou mais. Ele ainda é do contra, ainda é o que Hillier chama de “flor delicada” às vezes, mas sua vida doméstica está assentada: ele mora com Pepper e sua namorada há seis anos e com seu cachorro Frankie, um Jack Russell. Comparado com o Coxon dos anos 90 e início de 2000, ele está muito mais calmo, menos tenso. Deve ter sido difícil abandonar a bebida, mas ele era inegavelmente um bêbado decadente — ou ressentido e acusador, ou miserável e autodestrutivo. “Eu era totalmente inconsciente de qualquer coisa exceto minha própria vida e meus sentimentos, o que eu tinha de fazer, sentindo-me arrasado, como eu ia atravessar aquele dia, ‘Meu Deus, quando posso ir para o bar?’ — coisas desse tipo.”

Na época a gente se preocupava com ele. Agora não. Agora seu simpático secretário pessoal <??? Não dá para saber se é homem ou mulher> lhe diz o que ele tem de fazer dia a dia, em vez de revelar sua agenda para o ano todo. “Como no filme Escola de Idiotas, em que um amigo de Ian Carmichael chega e lhe diz ‘O que vamos fazer hoje?’, e ele diz ‘Apenas algumas assinaturas, senhor’. Isso está bem para mim: ‘Apenas algumas assinaturas, e mais tarde o NME Awards.”

Então, Graham, podemos dizer que você é feliz?

“Acho que sou bastante feliz. Acho que se sou um artista ou qualquer coisa, um músico, e a mensagem que recebo é de que o que faço é importante, então sou feliz. Mas, você sabe, não estamos em 1975, é um mundo confuso. Os discos costumavam ter festas de lançamento e apresentações, ser um acontecimento. Mas hoje nada acontece com uma festa. Uma parte de mim quer ser erguida por pessoas que marcham pela Parkway [em Camden] com serpentinas e fanfarras, você sabe? Porque elas receberam meu LP!”

Coxon está rindo quando se levanta. Apesar de seu cabelo estranho, seus óculos de nerd, ele é alto; mais impressionante fisicamente do que se poderia pensar. Você poderia até, de repente, chamá-lo de robusto.

A+E será lançado em 2 de abril. A turnê de Graham Coxon pelo Reino Unido começa em 13 de abril na O2 Oxford Academy

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