Cultura
Gato e ratos, desta vez como trupe
A animação britânica O Grande Mauricinho, baseada no surpreendente livro de Terry Pratchett, encanta com seu espírito conciliatório e seus roedores charmosos


Gatos e ratos são personagens recorrentes nas obras literárias e cinematográficas voltadas ao público infantil. As relações quase sempre conturbadas entre os dois animais constituem, afinal de contas, uma fonte criativa inesgotável. O Grande Mauricinho, em cartaz nos cinemas brasileiros desde a quinta-feira 2, bebe dessa fonte e consegue dela extrair graça e surpresa.
Gato e ratos, no caso desta animação britânica baseada no surpreendente livro O Fabuloso Maurício e Seus Roedores Letrados, de Terry Pratchett (lançado no Brasil em 2004, pela Conrad), formam um pequeno bando.
Maurício, o gato, acompanhado de um menino órfão, tocador de flauta, apresenta-se, logo na primeira sequência, como o salvador de comunidades supostamente invadidas por ratos. Logo descobrimos, porém, que os ratinhos são roedores dotados de inteligência e afeto, que encenam os ataques apenas para ganhar uns tostões – todos administrados por Maurício.
Mas os planos do grupo vão por água abaixo ao chegarem a uma cidade já ocupada por ratos bem diferentes deles. A partir desse momento, os personagens se veem deslocados do lugar de trapaceiros para o de involuntários investigadores de um mistério.
Dirigido por Toby Genkel e roteirizado por Terry Rossio, nome por trás de animações como Aladdin e Shrek, o filme tem o timing certo para as viradas e sabe brincar com seus próprios excessos fantasiosos. Cabe aos dois humanos protagonistas – o menino flautista e a filha do prefeito – a problematização da batida fórmula dos bichos que falam e pensam como nós.
A alinhavar real e fantasia aparecem os livros, onde estão abrigadas histórias idealizadas, mas onde também é possível vislumbrar novas formas de se estar no mundo. Ao contrário do que acontece com as animações da Pixar, sempre pensadas para o consumo amplo – que inclui, inevitavelmente, os adultos –, O Grande Mauricinho parece ter sido pensado, em primeiro lugar, para as crianças.
Isso não quer dizer que não haja tiradas endereçadas aos adultos. Mas o espírito de supressão do real, as lições de conciliação entre os diferentes e a estética de encanto – presente tanto nos cenários quanto nos irresistíveis ratinhos sonhadores – evocam, sobretudo, o pacto infantil com a fantasia.
Na versão dublada, a voz do tagarela e metido gato Maurício cabe a Marcelo Adnet e a de Marina, a filha do prefeito, a Sophia Valverde. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1245 DE CARTACAPITAL, EM 8 DE FEVEREIRO DE 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Gato e ratos, desta vez como trupe”
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.