Cultura

Furo! Furo!

Em entrevista exclusivíssima, o chef Jean, que não se chama Jean, fala do Merci, que não será Merci…

Furo! Furo!
Furo! Furo!
Sempre tive inveja do poder de alguns colegas que conseguiam entrar num restaurante antes da inauguração. Ilustração: Ricardo Papp
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Admito que sempre senti uma inveja danada do poder de alguns colegas que conseguiam entrar em um restaurante antes de o mesmo ser aberto. Quer dizer, eu ficava com inveja, mas ficava feliz porque eles sempre dividiram com seus leitores essa, diria eu, informação privilegiada, esse acesso único e exclusivo. E o privilegiado leitor também podia dividir esse tesouro com amigos na firma: “Você sabia que o restaurante Joaninha terá no cardápio massas recheadas e outras não recheadas?” “Sério? Mas o Joaninha não é aquele restaurante que está sendo superbadalado e será inaugurado somente na semana que vem?” E o outro colega, o informadão, apenas deixa um sorrisinho de discreta superioridade no ar e se retira.

Eu tentei algumas vezes, mas não soube calcular bem o momento. Cheguei a visitar a obra de um desses locais de extrema cobiça jornalística. Cheguei a entrar no local, mas só encontrei pedreiros e carpinteiros, e ninguém topou me dizer qual seria a linha gastronômica do lugar, contar segredos de cozinha… Senti que estavam muito bem instruídos para manter sigilo absoluto ou já haviam prometido uma exclusiva para outro jornal ou revista.

Mas eu sempre soube que o mundo dá voltas e que o meu dia chegaria. Prepare-se, amigo leitor, amiga leitora, pois dentro de algumas linhas terá início a entrevista exclusivíssima que o chef Jean, do restaurante Merci, concedeu para CartaCapital.

Antes, eu preciso esclarecer que essa entrevista só se tornou possível porque considerei acatar uma série de exigências. A primeira delas: o nome do chef não é Jean e o nome do restaurante não é Merci.

O chef não gostaria que seu nome, tampouco o nome de seu futuro restaurante, fosse revelado, até por questões de segurança (e um pouco de paranoia, na minha opinião), considerando que ele, Jean que não é Jean, fará do Merci, que não é Merci, a referência da grande virada gastronômica da década.

Marcio Alemão: Jean, o Brasil, é a bola da vez no cenário gastronômico mundial?


Jean: Como no esporte, o Brasil é uma potência culinária que vem sofrendo muito com o excesso de pressão por parte de pessoas que não reconhecem o esforço que um cozinheiro, chef ou mesmo…

MA: Desculpe, Jean, mas esse seu papo não tem muito sentido.


J: Sério?

MA: Sério.


J: Então tá. Alguma outra pergunta?

MA: O seu restaurante promete trazer um novo olhar e promover um novo pensar na relação palato/tato/olfato/grana. Eu gostaria que você falasse um pouco sobre isso.


J: Eu até que gostaria, mas não posso falar nada a respeito disso. Pelo menos por enquanto. Sabe como é… a concorrência, a ameaça terrorista.

MA: Quer falar sobre ameaças terroristas?


J: Quem falou em ameaças terroristas? Você está maluco? Eu não falei nada sobre isso! Nada! Nunca! Jamais!

MA: Tudo bem, calma. Ninguém falou nada sobre isso. Diga sobre o que você pode falar.


J: Eu tenho algumas opiniões sobre as mulheres brasileiras, as loiras.

MA: E as morenas?


J: Prefiro não falar sobre as morenas. Ah, entendo um pouco de carros. Quer falar sobre isso?

MA: Especificamente a respeito do seu restaurante, algo mais?


J: Eu acho que já disse tudo que podia.

MA: Sobre outros chefs, você gostaria de destacar alguém, o trabalho de algum colega?


J: Não. Mas eu gostaria de dizer que nunca me conformei com a saída de linha do Verona.

E nesse momento, o chef Jean foi tomado por uma forte emoção e pediu que a entrevista fosse encerrada. Certamente, memórias poderosas dos tempos em que ele rodava feliz com seu Verona vieram à tona.

E eu espero que você, amigo, amiga leitora, tenha apreciado esse furo de reportagem e que ele tenha sido útil para sua vida.

Admito que sempre senti uma inveja danada do poder de alguns colegas que conseguiam entrar em um restaurante antes de o mesmo ser aberto. Quer dizer, eu ficava com inveja, mas ficava feliz porque eles sempre dividiram com seus leitores essa, diria eu, informação privilegiada, esse acesso único e exclusivo. E o privilegiado leitor também podia dividir esse tesouro com amigos na firma: “Você sabia que o restaurante Joaninha terá no cardápio massas recheadas e outras não recheadas?” “Sério? Mas o Joaninha não é aquele restaurante que está sendo superbadalado e será inaugurado somente na semana que vem?” E o outro colega, o informadão, apenas deixa um sorrisinho de discreta superioridade no ar e se retira.

Eu tentei algumas vezes, mas não soube calcular bem o momento. Cheguei a visitar a obra de um desses locais de extrema cobiça jornalística. Cheguei a entrar no local, mas só encontrei pedreiros e carpinteiros, e ninguém topou me dizer qual seria a linha gastronômica do lugar, contar segredos de cozinha… Senti que estavam muito bem instruídos para manter sigilo absoluto ou já haviam prometido uma exclusiva para outro jornal ou revista.

Mas eu sempre soube que o mundo dá voltas e que o meu dia chegaria. Prepare-se, amigo leitor, amiga leitora, pois dentro de algumas linhas terá início a entrevista exclusivíssima que o chef Jean, do restaurante Merci, concedeu para CartaCapital.

Antes, eu preciso esclarecer que essa entrevista só se tornou possível porque considerei acatar uma série de exigências. A primeira delas: o nome do chef não é Jean e o nome do restaurante não é Merci.

O chef não gostaria que seu nome, tampouco o nome de seu futuro restaurante, fosse revelado, até por questões de segurança (e um pouco de paranoia, na minha opinião), considerando que ele, Jean que não é Jean, fará do Merci, que não é Merci, a referência da grande virada gastronômica da década.

Marcio Alemão: Jean, o Brasil, é a bola da vez no cenário gastronômico mundial?


Jean: Como no esporte, o Brasil é uma potência culinária que vem sofrendo muito com o excesso de pressão por parte de pessoas que não reconhecem o esforço que um cozinheiro, chef ou mesmo…

MA: Desculpe, Jean, mas esse seu papo não tem muito sentido.


J: Sério?

MA: Sério.


J: Então tá. Alguma outra pergunta?

MA: O seu restaurante promete trazer um novo olhar e promover um novo pensar na relação palato/tato/olfato/grana. Eu gostaria que você falasse um pouco sobre isso.


J: Eu até que gostaria, mas não posso falar nada a respeito disso. Pelo menos por enquanto. Sabe como é… a concorrência, a ameaça terrorista.

MA: Quer falar sobre ameaças terroristas?


J: Quem falou em ameaças terroristas? Você está maluco? Eu não falei nada sobre isso! Nada! Nunca! Jamais!

MA: Tudo bem, calma. Ninguém falou nada sobre isso. Diga sobre o que você pode falar.


J: Eu tenho algumas opiniões sobre as mulheres brasileiras, as loiras.

MA: E as morenas?


J: Prefiro não falar sobre as morenas. Ah, entendo um pouco de carros. Quer falar sobre isso?

MA: Especificamente a respeito do seu restaurante, algo mais?


J: Eu acho que já disse tudo que podia.

MA: Sobre outros chefs, você gostaria de destacar alguém, o trabalho de algum colega?


J: Não. Mas eu gostaria de dizer que nunca me conformei com a saída de linha do Verona.

E nesse momento, o chef Jean foi tomado por uma forte emoção e pediu que a entrevista fosse encerrada. Certamente, memórias poderosas dos tempos em que ele rodava feliz com seu Verona vieram à tona.

E eu espero que você, amigo, amiga leitora, tenha apreciado esse furo de reportagem e que ele tenha sido útil para sua vida.

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