Cultura

Fiz uma reserva

Cozinhas de restaurantes são necessariamente ruidosas, mas ninguém é obrigado a comer diante de tal sinfonia

Sim, minha mesa era aquela mesma, na frente do ruído pitoresco, iluminada por luz péssima e bem na passagem dos garçons. Ilustração: Ricardo Papp
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No dia seguinte eu voltaria para São Paulo. Estava acompanhando a filmagem de uma campanha publicitária que havia começado em São Francisco, Califórnia, e, por causa do mau tempo, estava sendo finalizada em Los Angeles. Pedi ao produtor local que me fizesse uma reserva em um bom hotel. Reservou-me um quarto no Chateau Marmont, onde Johnny Belucci morrera de overdose. Por que, não sei, mas me deram a suíte da imprensa.

Chegamos, ele abriu a porta e eu soltei uma bela e breve gargalhada. Uma sala de visitas enorme, uma sala de jantar com uma mesa para dez pessoas, uma cozinha com duas geladeiras cheias e mais uma mesa para seis.

Um terraço fazia a volta em toda a suíte e ao meu lado direito o gigantesco e outrora permitido billboard do “homem de Marlboro”. Faz tempo isso e, obviamente, não esqueci.

Assim como não esqueci de minha reação quando muitas outras portas se abriram e me ofereceram a possibilidade de uma estada agradável, de uma noite ou muitas inesquecíveis.

E vamos agora para a última sexta-feira. No final da manhã decido fazer uma reserva em um restaurante quase desconhecido para mim: Tasca da Esquina. O quase se explica: Vitor Sobral é o dono do Tasca em Portugal. Vitor é um excelente chef português que conhece bem o Brasil e que decidiu, depois de muitas viagens a passeio, trabalhar. Aqui, uniu-se a outros e o Tasca foi montado no bairro dos Jardins, na Alameda Itu.

Ainda padeço dessa ansiedade. Sempre perto de conhecer um local novo e de boa fama, fico desse jeito. Eu, minha esposa e minha filha, que é apreciadora de um bom bacalhau e de outras possibilidades lusas, fomos para lá. Não sem antes nos arrumarmos. Achei que valeria a pena, depois de tanto ir à esquina comer alguma coisa vestindo qualquer roupa.

Entramos e a primeira reação foi: talvez a velha roupa de ir à esquina estivesse mais apropriada. Decidi não arruinar a noite assim, de cara e, ao olhar para o fundo do restaurante percebi que havia um ambiente bem mais agradável, com boa iluminação, com algum aconchego. Disse meu nome e que havia feito a reserva.

PLEASE! Não me venham com essa cretina história de que é bacana ficar ouvindo cozinheiros gritar, panelas e pratos batendo e todo o movimento natural de uma cozinha. Comer com barulho é sempre muito desagradável. Pois foi bem na frente dessa cozinha ruidosa, como deve ser, repito, que nos sentaram. E sobre essa mesa uma iluminação detestável.

Mais uma observação: eu até posso entender o que leva um sujeito a ir tomar uma cerveja em um bar ordinário de esquina. Mas eu não consigo entender o que leva um sujeito a tomar várias cervejas, passar a noite em um bar ordinário de esquina que é mal iluminado por luzes frias.

Sim, o suicídio logo a seguir faz sentido. Mas a minha mesa era aquela mesma, na frente do ruído pitoresco, iluminada por uma luz péssima e, descobrimos segundos depois, bem na passagem dos garçons e sobre umas tábuas meio soltas. Ou seja: a cada corrida de um garçom, a reprodução de um terremoto de baixa intensidade.

Um dos donos do local, no final do brevíssimo jantar que fizemos, após ouvir as reclamações de minha esposa, colocou-se totalmente à disposição para nos recompensar em uma próxima feita. Deixou claro, naturalmente, que éramos os primeiros a reclamar. Não duvido. Nem sequer me lembro do que comi. Sendo franco, até lembro, mas não vou sentir nenhuma saudade.

Voltarei porque sei que Vitor Sobral sabe cozinhar. Tanto sabe que, no início da semana, comi um dos melhores pratos do ano no Brasil a Gosto, onde Ana Trajano e ele prepararam a quatro mãos um menu especial. Uma paleta de porco cozida por longuíssimo tempo, com melaço e creme de abóbora. Havia muito não comia nada tão equilibrado, preciso, saboroso. Havia muito não me via diante de um prato tão animador, desses que fazem a gente parar a conversa. Pena que não estava de roupa bonita nem com minha esposa e filha.

No dia seguinte eu voltaria para São Paulo. Estava acompanhando a filmagem de uma campanha publicitária que havia começado em São Francisco, Califórnia, e, por causa do mau tempo, estava sendo finalizada em Los Angeles. Pedi ao produtor local que me fizesse uma reserva em um bom hotel. Reservou-me um quarto no Chateau Marmont, onde Johnny Belucci morrera de overdose. Por que, não sei, mas me deram a suíte da imprensa.

Chegamos, ele abriu a porta e eu soltei uma bela e breve gargalhada. Uma sala de visitas enorme, uma sala de jantar com uma mesa para dez pessoas, uma cozinha com duas geladeiras cheias e mais uma mesa para seis.

Um terraço fazia a volta em toda a suíte e ao meu lado direito o gigantesco e outrora permitido billboard do “homem de Marlboro”. Faz tempo isso e, obviamente, não esqueci.

Assim como não esqueci de minha reação quando muitas outras portas se abriram e me ofereceram a possibilidade de uma estada agradável, de uma noite ou muitas inesquecíveis.

E vamos agora para a última sexta-feira. No final da manhã decido fazer uma reserva em um restaurante quase desconhecido para mim: Tasca da Esquina. O quase se explica: Vitor Sobral é o dono do Tasca em Portugal. Vitor é um excelente chef português que conhece bem o Brasil e que decidiu, depois de muitas viagens a passeio, trabalhar. Aqui, uniu-se a outros e o Tasca foi montado no bairro dos Jardins, na Alameda Itu.

Ainda padeço dessa ansiedade. Sempre perto de conhecer um local novo e de boa fama, fico desse jeito. Eu, minha esposa e minha filha, que é apreciadora de um bom bacalhau e de outras possibilidades lusas, fomos para lá. Não sem antes nos arrumarmos. Achei que valeria a pena, depois de tanto ir à esquina comer alguma coisa vestindo qualquer roupa.

Entramos e a primeira reação foi: talvez a velha roupa de ir à esquina estivesse mais apropriada. Decidi não arruinar a noite assim, de cara e, ao olhar para o fundo do restaurante percebi que havia um ambiente bem mais agradável, com boa iluminação, com algum aconchego. Disse meu nome e que havia feito a reserva.

PLEASE! Não me venham com essa cretina história de que é bacana ficar ouvindo cozinheiros gritar, panelas e pratos batendo e todo o movimento natural de uma cozinha. Comer com barulho é sempre muito desagradável. Pois foi bem na frente dessa cozinha ruidosa, como deve ser, repito, que nos sentaram. E sobre essa mesa uma iluminação detestável.

Mais uma observação: eu até posso entender o que leva um sujeito a ir tomar uma cerveja em um bar ordinário de esquina. Mas eu não consigo entender o que leva um sujeito a tomar várias cervejas, passar a noite em um bar ordinário de esquina que é mal iluminado por luzes frias.

Sim, o suicídio logo a seguir faz sentido. Mas a minha mesa era aquela mesma, na frente do ruído pitoresco, iluminada por uma luz péssima e, descobrimos segundos depois, bem na passagem dos garçons e sobre umas tábuas meio soltas. Ou seja: a cada corrida de um garçom, a reprodução de um terremoto de baixa intensidade.

Um dos donos do local, no final do brevíssimo jantar que fizemos, após ouvir as reclamações de minha esposa, colocou-se totalmente à disposição para nos recompensar em uma próxima feita. Deixou claro, naturalmente, que éramos os primeiros a reclamar. Não duvido. Nem sequer me lembro do que comi. Sendo franco, até lembro, mas não vou sentir nenhuma saudade.

Voltarei porque sei que Vitor Sobral sabe cozinhar. Tanto sabe que, no início da semana, comi um dos melhores pratos do ano no Brasil a Gosto, onde Ana Trajano e ele prepararam a quatro mãos um menu especial. Uma paleta de porco cozida por longuíssimo tempo, com melaço e creme de abóbora. Havia muito não comia nada tão equilibrado, preciso, saboroso. Havia muito não me via diante de um prato tão animador, desses que fazem a gente parar a conversa. Pena que não estava de roupa bonita nem com minha esposa e filha.

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