Cultura

Fernanda Abreu faz 30 anos de carreira, mas pandemia adia projetos

Cantora se aflige com a insistência “bizarra” de Bolsonaro em romper o isolamento social

A cantora Fernanda Abreu. Foto: Murilo Alvesso/Divulgação
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Em 13 de março, Fernanda Abreu se preparava para fazer o último show da longa e bem-sucedida turnê do seu oitavo álbum solo, o Amor Geral, no teatro Imperator, na zona norte do Rio de Janeiro. Na ocasião, a apresentação seria gravada para um DVD ao vivo, o que mobilizava mais de 50 profissionais de cenografia, luz, áudio, som e vídeo, além de músicos e as equipes de produção e apoio.

Do lado de fora, pelo menos 500 espectadores, inclusive de outros estados, se preparavam para entrar no centro cultural. Poucas horas antes, no entanto, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, havia anunciado um decreto que, entre outros itens, suspendia eventos em locais abertos e fechados, como forma de enfrentar a pandemia do coronavírus. O show, assim, não poderia ser realizado com público.

“Fiquei num dilema. Havia um telão de LED enorme, câmeras e estúdio de vídeo e áudio montados. Já tinha feito a passagem de luz, de áudio, de som. E aí falei: vamos fazer. Não vou conseguir realizar depois. Não vou ter essa grana. E gravei”, conta Fernanda, que agora estuda agora como lançar o DVD. O maior empecilho é definir a melhor forma em meio a uma situação delicada e com isolamento social.

 

A reclusão obrigatória acabou afetando outros projetos da cantora. Há algumas semanas, Fernanda Abreu chegou a lançar um single nas plataformas digitais, dando início à comemoração das três décadas de trabalho solo. Trata-se de uma música dela com Pedro Luís, feita em homenagem a Jorge Ben Jor, com participação da Grooveria, coletivo musical liderado pelo seu marido, o baterista e produtor musical Tuto Ferraz.

“Estava ensaiando para turnê nova, mas ainda não tinha chegado ao final. Havia montado o repertório com um apanhado das minhas músicas e algumas referências. Mas tive que parar [por conta do coronavírus]”, diz ela, apontando outro projeto afetado pela pandemia. 

Um álbum com remix de suas músicas feita por vários DJs convidados, como Gui Boratto, Corello e Tropkillaz, de curadoria dela com o DJ Memê, estava quase pronto, com nove faixas gravadas das 12 previstas. “Esse projeto foi adiado porque não faz muito sentido agora por que não tem pista, não tem festa, não tem boate, não tem DJ tocando”.

Uma exposição reunindo uma série de materiais ao longo de sua carreira, como maquetes de shows, produção de capas de discos e vídeos, também está prevista, assim como a realização de um álbum com cantoras mais jovens do pop, com a linha de trabalho semelhante ao dela, gravando suas músicas.

Mesmo assim, Fernanda Abreu promete que tudo isso irá para rua assim que a pandemia passar, inclusive o início da gravação de um álbum com músicas inéditas, que deve ser lançado ano que vem. “Acho importante comemorar 30 anos de um artista pop. Ainda mais agora que me elegeram como a ‘Mãe do Pop Dançante Brasileiro’. Falam tanto que o pop é descartável. Mas sou uma cantora e compositora pop que tem uma carreira produtiva”. 

Trajetória no pop dançante 

Quando saiu da Blitz em 1986, Fernanda Abreu parou por quatro anos para pensar em um repertório solo diferente do que era feito na banda que integrava o cenário do rock pop dos anos 1980. “Eu era backing vocal, mas tinha certa visibilidade. Mas o som que queria fazer na minha carreira solo não tinha nada a ver com o som da Blitz”, lembra. 

Fernanda bateu na mesma gravadora da Blitz, para tentar vender seu projeto, mas foi informada que não tinha mercado para isso. No fim, conseguiu lançar o seu primeiro trabalho solo. O Sla Radical Dance Disco Club foi bem recebido e inovador, introduzindo até então o desconhecido sampler (instrumento de armazenamento e posterior reprodução de som de outra forma).

“Naquela época, o sampler estava chegando no Brasil. O que senti é que não havia preconceito comigo, mas com a música dançante. Ela era vista como um subproduto, alienada”, conta.

No primeiro álbum, Fernanda colocou a sua linguagem: música pop dançante. Daí veio o Sla 2 Be Sample (1992), com a faixa Rio 40 Graus (música de enigmática crônica social de três cariocas: Fernanda Abreu, Fausto Fawcett e Carlos Laufer), onde inseriu um pouco de base brasileira. “Colocamos o pandeiro do (Marcos) Suzano”. 

No Da Lata (1995), inseriu a linguagem desejada: “Um disco pop de samba dançante funk”, define. O álbum abriu as portas de Fernanda Abreu na carreira internacional, notadamente na Europa, por conta de uma linguagem mais brasileira ali expressada.

Ela segue com os álbuns Raio-X (1997), Entidade Urbana (2000), Na Paz (2004), MTV Ao Vivo (2006) e, por fim, o Amor Geral (2016), que veio com novidades, renovando seu público e o retornando totalmente ao seu estilo pop dançante. Antes de Amor Geral, a cantora ficou 10 anos sem lançar trabalho, só fazendo shows mais intimistas. 

“O grande motivo de não ter lançado material inédito nesse período foi por conta do caminho que as pessoas iam ouvir música. Período de transição do que conhecíamos de indústria fonográfica para o universo dos meios digitais. Não tinha streaming, o download não havia vingado, a pirataria estava ‘bombando’. Não senti confortável colocar minha grana em um material inédito”. 

Apesar dos avanços da música no meio digital, ela segue apreensiva com a internet. “O que falta nitidamente é o equilíbrio maior da remuneração do criador de conteúdo e as plataformas digitais. Te afirmo que 98% da cadeia produtiva da música não consegue sobreviver somente com direito autoral no meio digital”. 

Reflexos da pandemia

Da pandemia do coronavírus, a cantora e compositora espera mudança no rumo do capitalismo. “Ficou nítida a desigualdade social, que o neoliberalismo não funciona. É claro que o Estado não pode ser ineficiente, mas está claro também que ele tem papel primordial na saúde. Essa história que o mercado regula tudo na sociedade não é verdade. Precisa sim da mão do Estado”, defende. 

Para ela, é possível ver essas distorções no Rio de Janeiro. “Como a galera da favela vai lavar as mãos com álcool em gel se não tem nem sabonete? Fico muito preocupada porque o Bolsonaro insistente em afrouxar o isolamento social. Não consigo entender isso, foge a minha compreensão. O negócio é bizarro. Fico preocupada em morrer muita gente. Um monte de gente diz que é só uma gripezinha, mas não é”.

Ela diz que tem tentado ajudar como pode, inclusive participando de vaquinhas em redes sociais para ajudar hospitais e entidades, mas também teme a falta dos shows, de onde ela e a maioria dos artistas tiram o sustento. Meio de sobrevivência que, no momento, segue sem luz no fim do túnel.

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