Cultura

Feijoada é feijoada, moqueca é moqueca

A mania de chamar de prato o que não é o prato

Feijoada é isso
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Impliquei com essa onda no dia em que vi a Bela Gil preparando um churrasco de melancia na televisão. Onda de inventar moda. Adoro melancia e sempre achei que a fruta é gostosa geladinha, vermelhinha, em pedaços. Ai veio a filha do Gil com o tal churrasco, que acabou viralizando nas redes sociais. Não sei quantos milhões de pessoas curtiram, compartilharam, criticaram ou zombaram. 

Adoro ver receitas nas revistas, nos livros, na televisão e agora, a qualquer hora do dia ou da noite, nos sites. Mas, venhamos e convenhamos que estão inventando moda demais. 

Pra mim, feijoada é aquele prato tipicamente brasileiro que leva feijão preto, paio, rabo de porco, orelha de porco, costela de porco, carne seca, acompanhado de arroz branco, farofa, couve, bisteca de porco, banana empanada, torresminho e laranja. Sem se esquecer da boa caipirinha de limão ou de uma cervejinha estupidamente gelada.  

Pra mim, moqueca capixaba é aquela que leva peixe, coentro, cebola, alho, cebolinha, pimenta, tomate, azeite de oliva e urucum. 

Agora, não me venha com invenção de moda. Sexta-feira passada, logo cedo, bati os olhos no caderno Show de O Globo e estava lá, estampada na capa, a nova moda entre os cariocas: A carne na era da pós-verdade. Anunciavam ali, o bacon de coco, o picadinho de caju e a coxinha de jaca, entre outras novidades. Não, não é brincadeira, estava lá escrito. Juro por Deus. 

Que papo é esse? 

A minha mãe preparava um ensopadinho de chuchu que levava chuchu, um franguinho com quiabo que levava franguinho e quiabo, um tutu de feijão que levava feijão e farinha e uma broa de fubá que levava fubá. 

Não existia esse papo de pode substituir a carne do hambúrguer por bolinho de soja ou o queijo chedar por tofu. Quando minha mãe anunciava que domingo ia ter arroz de forno e frango frito lá em casa, era um arroz que ia no forno, frango frito e pronto. 

Tudo bem fazer um prato que leva abóbora, berinjela, batata doce, mandioca, inhame. Mas não vamos chamar esse prato de feijoada vegetariana não, combinado? 

Não vamos substituir a farinha de rosca que dá aquela crocância ao bife à milanesa por um farelo de milho, né? 

No restaurante, o paulistano adora mudar o cardápio. Senta e pede um estrogonofe de frango e vai logo dando as ordens: 

– Dá pra trocar a batata palha por batata chips? 

– Dá pra  tirar o creme de leite e o catchup? 

– Ao invés de arroz branco, pode ser fritas? 

– Pode substituir o frango por filé mignon?

Em poucos minutos, lá vem o garçom, pobre coitado, equilibrando aquele prato Frankstein.

Fora a Pepsi, que o freguês sempre pede pra trocar por Coca.   

Só nos últimos dias, além de rever a história do churrasco de melancia da Bela Gil, o bacon de coco, o picadinho de caju e a coxinha de jaca na capa do caderno Show, meninos, eu vi: 

Uma peixada feita com abóbora. 

Um quibe sem carne. 

Um estrogonofe de mandioca. 

Um arroz de pato sem pato. 

Um macarrão à bolonhesa sem carne moída. 

E um espetinho de frango sem espetinho. 

Sou do tempo em que não existia esse negócio de substituir ingredientes não. Se bem que lá no início dos anos 1970, nos meus tempos de Paris, um amigo meu – o Ceará – um dia estava com tanta vontade de comer uma farofa com ovo e banana e como não havia farinha de mandioca na terra do croque monsieur, ele substituiu por serragem, jurando que daria certo. 

Depois de pronta a farofa – que tinha serragem no lugar de farinha – o Ceará experimentou aquela gororoba, fez cara feia, cuspiu, jogou tudo no lixo e acabou voltando pra Quixadá. 

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