Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Augusto Diniz | Música brasileira

‘Fazia rima no trem para comer. Hoje não preciso mais, graças a Deus’

Criado em favela no Rio, ele estudava para concurso, virou artista de transporte público e agora faz sucesso como MC Estudante

Foto: Reprodução
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Carlos Cardoso Faria, de 25 anos, nasceu e foi criado na favela Vila Vintém, entre os bairros de Realengo e Padre Miguel, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Ainda bem jovem, se dividia entre batalhas de rima (ou de improvisos, muito comuns entre aspirantes do rap) e concursos militares.

Seu maior sonho era ingressar na Escola Preparatória de Cadetes do Ar. Embora tenha passado na prova, contudo, foi reprovado no exame médico por ser míope.

Como todo bom concurseiro, tinha aulas aos sábados e domingos. Em paralelo à rotina de estudos, Carlos começou a frequentar as batalhas de rima em 2013, de Vila Isabel a Barra de Guaratiba, passando por Méier e Marechal Hermes. O vasto vocabulário adquirido nos livros o tornou campeão de várias delas.

O sucesso nas batalhas chegou ao ápice em 2015. No ano seguinte, ele chegaria a participar de uma dupla com o  rapper Xamã (hoje um dos mais bem-sucedidos do País) mas voltou meses depois à vida de concurseiro. Seria a última vez que ele arriscaria carreira pública. “Descobri que a minha ‘parada’ não era mais estudar”.

Rimando no trem

Em 2018, Carlos Cardoso Faria, o MC Estudante, passou a trabalhar só com música. Para ganhar a vida como artista, passou a rimar para os passageiros nos diversos ramais de trem que partem da Central do Brasil rumo aos subúrbios do Rio.

“Faço hoje com menos frequência, mas teve época da minha vida em que precisava rimar no trem para sobreviver, para pagar minhas contas, comer, fazer meu corre”, diz. “Hoje não preciso mais, graças a Deus.”

Em seu canal?feature=oembed" frameborder="0" allowfullscreen> do YouTube, há vários registros dessas rimas improvisadas – com desenvoltura e talento. O número de visualizações impressiona.

Mais recentemente, em datas comemorativas, ele passou a fazer mais do que rimas. Na Páscoa, percorreu o trem vestido de coelho. No Dia das Mães, apareceu vestido de Dona Hermínia (personagem criada pelo ator Paulo Gustavo). No final do ano, trajado de Papai Noel, distribuiu presentes.

MC Estudante está produzindo o seu primeiro álbum, Por que Estudante?. Cada faixa será dedicada a uma disciplina escolar: história, geografia, matemática etc.

No YouTube, MC Estudante tem singles nos quais se arrisca no trap, uma vertente do rap. O ritmo, porém, não agrada a todos os seus fãs. “Meu público fiel não curte esse lado. Faço para me adaptar ao mercado. O público meu é mais do boom-bap (rap clássico)”, afirma. “Sonho mesmo é em estourar um hit”.

O começo na Vila Vintém

MC Estudante mora ainda com a mãe e o irmão no bairro onde nasceu. Mas comprou um apartamento para a família, ainda em obras, que fica pronto só em 2023, em um condomínio no Recreio dos Bandeirantes, no Rio.

A Vila Vintém, onde cresceu, é um dos bairros cariocas que ficam às margens da linha férrea urbana de transporte de passageiros. “Morei em favela, com tráfico de drogas, tiroteio, barricada. Terra de ninguém. Não fui burguesinho, não, nem filhinho de papai e mamãe”, afirma. “Fui um favelado bem educado”.

Seu pai, DJ, o levava desde criança às casas de shows em que trabalhava. “Ele tinha muitos videotracks, que tinham vários clipes. Quando ia pra casa dele, gastava o tempo vendo esse DVDs.”

A batida com que mais se identificou foi a do hip hop. A primeira música que pegou para escutar para valer foi Odara, com Caetano Veloso cantando sua antológica canção com o rapper Rappin’ Hood.

“E, aí, um amigo mostrou uma batalha de rima. Gostei tanto que ficava em casa na internet vendo isso. Aí, um dia eu falei: ‘Quero batalhar também, mané’”.

Na escola, em rodas de amigos, pedia para que falassem palavras para que rimasse. “Daí, o trabalho foi desenvolvendo”.

A sua vivência o fez construir suas rimas de forma muito pessoal e original, com críticas sociais agregadas a conhecimento do estudo formal.

Diz ter revolta pelo fato de a colonização do País ter sido de exploração, e não crê em melhora no País. “Quem tem, vai ficar com mais. E quem ficar com menos, vai ficar cada vez com menos. Pode ser diferente, mas…”

O exemplo que dá para tamanha desesperança é o BRT Transbrasil, prometido para os Jogos Olímpicos de 2016 no Rio e até hoje não concluído (a nova data para o término é 2023).

Dos quatro BRTs previstos para a cidade do Rio de Janeiro, apenas o Transbrasil não foi finalizado, mesmo sendo o mais prioritário. Ele propiciaria acesso mais rápido ao centro da cidade aos moradores da populosa Baixada Fluminense e também da região onde ainda mora o MC Estudante. A vagareza do Estado para atender áreas carentes, por longos anos, tem como resultado a inevitável desconfiança.

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