Cultura

Eureka!

Sim, todos nós sabíamos quem inventou o telégrafo sem fio

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Sou do tempo da decoreba. Um dia antes das provas, ficava trancado no meu quarto decorando. Decorando a tabuada, dois vezes dois, quatro vezes quatro, oito vezes oito. Decorando a capital da Noruega, da Suécia, da Finlândia, os afluentes do Rio Amazonas, quantas eram as Capitanias Hereditárias e o que é uma ilha, aquele pedaço de terra cercado de água por todos os lados. 

Decorava o nome de quem  descobriu o Brasil, a raiz quadrada de cento e quarenta e quatro, quem foi Nicolas Durand de Villegagnon e quem foi que inventou a lâmpada elétrica. 

Sim, éramos obrigados a saber quem inventou o quê. A lâmpada elétrica foi Thomas Edson, o telefone foi Alexander Graham Bell, o telégrafo sem fio foi Guglielmo Marconi, o cinema foram os irmãos Auguste e Louis Lumière, o automóvel foi o alemão Karl Benz, a imprensa foi Gutemberg e a penicilina, Alexander Fleming. 

Quando chegava o dia da prova, sabia tudo de cor. Que o Brasil foi descoberto por Pedro Álvares Cabral, que a capital da Noruega é Oslo, que a raiz quadrada de cento e quarenta e quatro é doze e que quem inventou a lâmina de barbear foi King Camp Gillette.

Confesso que Nicolas Durand de Villegagnon, me esqueci completamente quem foi.

Quando eu tinha uns dez anos de idade e o caminhão das Lojas Floriano Nogueira da Gama chegou na minha casa, em Belo Horizonte, trazendo aquela máquina de lavar roupa Bendix, eu tive certeza de que não havia mais nada o que inventar.

Depois daquela máquina que lavava, enxaguava e torcia, inventar mais o quê?, pensava eu com os botões do meu colete marrom do Colégio Marista.

Nunca poderia imaginar o mundo que ainda viria pela frente e quantas invenções não apareceriam, da noite pro dia, nesses anos todos que tinha pra viver.  

Era um tempo em que não havia velcro, não havia cartão de crédito, não havia microondas, televisão de tela plana, controle remoto, cheque especial, cerveja em lata, freio ABS, Fora Temer e Super Bonder ainda era a Araldite

Era um tempo sem computador, sem smartphone, sem iPad, sem senha, sem DDD, sem WhatsApp, sem Uber, sem Waze, sem Google, sem Wikipédia, sem Netflix.

Hoje, a decoreba está completamente fora de moda. Não tenho notícias de que menino algum nesse mundo se tranca no quarto pra decorar as cores da bandeira de Gana, de Zâmbia e do Zaire.

Hoje, tenho certeza que ninguém sabe quem inventou o leite sem lactose, o arroz parboilizado, a pipoca de microondas, nem o pão sem glúten.

Acho que hoje, menino nenhum sabe de cor a vida da rainha Joana, a Louca, do Conde d’Eu ou de Ivan, o terrível, como a turma do Marista sabia.

Menino nenhum sabe quem foi Mauricio de Nassau, a história de Caramuru, a importância de Zumbi, sequer os detalhes das incríveis aventuras do Bispo Sardinha.

Mergulhado há dias numa pesquisa monstruosa sobre invenções e inventores, fico aqui sentado no computador, olhando para essa pilha de livros ao meu lado e matutando poeticamente, junto com o Chico:

Você que inventou esse Estado

Inventou de inventar

Toda escuridão

Você que inventou a tristeza

Agora tenha a fineza

De desinventar

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