Cultura

Estradas

Como bons vinhos podem proporcionar sensações equiparáveis às sentidas, nos tempos idos, ao viajar com o vento no rosto

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Minha coluna, a vertebral, não me deixa ficar muito tempo no assento de um carro e por isso não sou um grande estradeiro. Conheço bem a Anhanguera e a Bandeirantes. E volta e meia pego pequenos trechos da Raposo Tavares e Fernão Dias. Feito o introito, vou ao ponto: disse à minha filha outro dia que antigamente era comum alguém dizer que precisava “pegar uma estrada para dar uma pensada, esfriar a cuca, chorar…” Obviamente, ela não entendeu e expliquei que “estrada” nada tinha a ver com essas marginais que nos levam para Campinas, Atibaia, Vinhedo e outras cidades. Primeiro ponto: chegar na estrada era simples. Hoje, ainda que ela fosse o que já foi, até chegarmos nela sairíamos do clima e entraríamos em outro, o do mau humor.

Naquele tempo abríamos o vidro com a manivela, cotovelo pra fora, cigarro, corta-vento bem posicionado para as cinzas não voarem em nosso rosto, algumas boas- fitas cassete e os pensamentos começavam a se organizar. Pouquíssimos carros, poucos caminhões. Seguíamos até bater em um bom posto, colocávamos xis dinheiros de gasolina. Dependendo do local onde parávamos até rolava um lanche.

Cheguei onde queria. Eu parava no Frango Assado. E bem antes de eu ter sido habilitado para dirigir, meu pai o fazia. Era um rancho com algumas paredes de tijolo e outras de bambu. E não tinham muito a oferecer a não ser o prato que deu o nome ao local e um pão de semolina, única coisa que sobrou do velho local, que hoje são 25 e pertencem à International Meal Company. Não sou saudosista a ponto de dizer que naquele tempo era bom e deixou de ser. Apenas me lembro de que era bom porque havia um balanço nos fundos e eu brincava nele. O pão era ótimo de comer aos bocados, enfiando a mão no saco e pegando um montão de miolo com alguma casca. E assim é até hoje.

Continua sendo um bom lugar para se parar. Melhor do que era. Mas a estrada não será mais o que foi. Também desse tempo ido, os vinhos em garrafão com tampa de gesso. Meu tio Waldyr gostava e até já falei sobre isso. Não lhe fez bem essa paixão. Apenas aproveitei a lembrança para falar sobre vinhos. Acontecimentos recentes até quase desconexos, mas que talvez venham a ter alguma utilidade. Por exemplo, como não foi a primeira nem a segunda vez que aconteceu, concluí que o eucalipto estraga o vinho. Sexta-feira estive em uma sauna, onde passei duas horas respirando a essência de eucalipto. Me faz bem. É o bem que a estrada fazia.

Em silêncio, a pensar. Em casa abri um chardonnay espanhol de 2003. Um Colección Viñas del Vero. Se não é um excepcional vinho, é um bom vinho. Mas na boca ficou horrível, amargo e nada tinha a ver com ele. Lembrei-me de outras feitas, de outros goles pós-sauna. Desisti. Fechei a garrafa com um tirador de ar e no dia seguinte ele me alegrou. Lição: não harmonize eucalipto com chardonnay.

Outro dia, outro branco, um alsaciano produzido por um craque: Albert Mann. Um Gewurztraminer Grand Cru “Furstentum” S.G. Nobles 2007, que ganhou nota 92 de Robert Parker. Não o indicam para sobremesa, mas não consigo tomá-lo de outra maneira. É um vinho muito sério, mas na minha boca com um prato salgado ele desafina. Oposto a isso o Soave Classico Superiore “La Froscà”.

Um branco que é praticamente um pretinho básico, pois combina com tudo que se mastigue. Surpreendente a resistência do português Pegos Claros 1998, por mim maltratado durante anos. Joguei-o em armários, perdi-o em uma mudança, voltei a encontrá-lo numa caixa, tornei a abandoná-lo numa escrivaninha e, em mais uma mudança de móveis, ele reapareceu. Pois eu o abri domingo e ele esbofeteou-me com sua delicadeza. Ao mesmo tempo senti sua gratidão porque também senti que seu tempo já começava a se esgotar.

Minha coluna, a vertebral, não me deixa ficar muito tempo no assento de um carro e por isso não sou um grande estradeiro. Conheço bem a Anhanguera e a Bandeirantes. E volta e meia pego pequenos trechos da Raposo Tavares e Fernão Dias. Feito o introito, vou ao ponto: disse à minha filha outro dia que antigamente era comum alguém dizer que precisava “pegar uma estrada para dar uma pensada, esfriar a cuca, chorar…” Obviamente, ela não entendeu e expliquei que “estrada” nada tinha a ver com essas marginais que nos levam para Campinas, Atibaia, Vinhedo e outras cidades. Primeiro ponto: chegar na estrada era simples. Hoje, ainda que ela fosse o que já foi, até chegarmos nela sairíamos do clima e entraríamos em outro, o do mau humor.

Naquele tempo abríamos o vidro com a manivela, cotovelo pra fora, cigarro, corta-vento bem posicionado para as cinzas não voarem em nosso rosto, algumas boas- fitas cassete e os pensamentos começavam a se organizar. Pouquíssimos carros, poucos caminhões. Seguíamos até bater em um bom posto, colocávamos xis dinheiros de gasolina. Dependendo do local onde parávamos até rolava um lanche.

Cheguei onde queria. Eu parava no Frango Assado. E bem antes de eu ter sido habilitado para dirigir, meu pai o fazia. Era um rancho com algumas paredes de tijolo e outras de bambu. E não tinham muito a oferecer a não ser o prato que deu o nome ao local e um pão de semolina, única coisa que sobrou do velho local, que hoje são 25 e pertencem à International Meal Company. Não sou saudosista a ponto de dizer que naquele tempo era bom e deixou de ser. Apenas me lembro de que era bom porque havia um balanço nos fundos e eu brincava nele. O pão era ótimo de comer aos bocados, enfiando a mão no saco e pegando um montão de miolo com alguma casca. E assim é até hoje.

Continua sendo um bom lugar para se parar. Melhor do que era. Mas a estrada não será mais o que foi. Também desse tempo ido, os vinhos em garrafão com tampa de gesso. Meu tio Waldyr gostava e até já falei sobre isso. Não lhe fez bem essa paixão. Apenas aproveitei a lembrança para falar sobre vinhos. Acontecimentos recentes até quase desconexos, mas que talvez venham a ter alguma utilidade. Por exemplo, como não foi a primeira nem a segunda vez que aconteceu, concluí que o eucalipto estraga o vinho. Sexta-feira estive em uma sauna, onde passei duas horas respirando a essência de eucalipto. Me faz bem. É o bem que a estrada fazia.

Em silêncio, a pensar. Em casa abri um chardonnay espanhol de 2003. Um Colección Viñas del Vero. Se não é um excepcional vinho, é um bom vinho. Mas na boca ficou horrível, amargo e nada tinha a ver com ele. Lembrei-me de outras feitas, de outros goles pós-sauna. Desisti. Fechei a garrafa com um tirador de ar e no dia seguinte ele me alegrou. Lição: não harmonize eucalipto com chardonnay.

Outro dia, outro branco, um alsaciano produzido por um craque: Albert Mann. Um Gewurztraminer Grand Cru “Furstentum” S.G. Nobles 2007, que ganhou nota 92 de Robert Parker. Não o indicam para sobremesa, mas não consigo tomá-lo de outra maneira. É um vinho muito sério, mas na minha boca com um prato salgado ele desafina. Oposto a isso o Soave Classico Superiore “La Froscà”.

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