Cultura

Este é um país que vai pra trás

Como estará o Brasil quando o meu neto for velhinho?

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Assim que soube que minha filha estava grávida, não sei por que cargas d’água, comecei a fazer umas contas. No ano 2.100, o meu neto – ou neta – sabe lá Deus, vai estar com 83 anos. 

O telefone tocou. Era minha irmã de Brasília, feliz com a notícia que chegou via WhastApp, de que iria ganhar mais um sobrinho-neto, ela já avó de três e bisavó de dois. A primeira reação da minha irmã, do outro lado da linha, quando contei que estava fazendo umas contas, foi perguntar: 

Como será que vai estar o mundo em 2.100? Como vai estar esse nosso Brasil? 

Pensei rapidamente e disse: Olha, eu não faço a menor ideia de como vai estar o nosso país daqui a oitenta e três anos, mas de uma coisa eu estou certo: Nossas calçadas vão estar cheias de buracos, nossos fios vão estar dependurados nos postes e nosso asfalto cheio de remendos. 

Bateu um certo bode em nós dois, pensar que o nosso país não vai pra frente nunca. Lembrei a ela que quando voltei a morar no Brasil, em janeiro de 1980, depois de quase uma década fora e sem por os pés aqui, havia uma euforia em torno da despoluição do Rio Tietê. 

Eu não conhecia São Paulo e a primeira impressão que ficou não foi a deselegância discreta de tuas meninas, a feia fumaça que subia apagando as estrelas, tampouco os Novos Baianos passeando na tua garoa. A primeira impressão que ficou foi o mau cheiro do Tietê. 

Acostumado a passear à beira do Sena nos dias de folga, procurando preciosidades nas banquinhas dos buquinistas, a ver aqueles Bateaux Mouches deslizando cheio de turistas japoneses, a comer um crepe au Grand Marnier no inverno e a tomar um sorvete do Berthillon nos dias de verão, fiquei horrorizado ao ver o Tietê. 

Fiquei perplexo com aquelas garrafas pet boiando, os urubus sobrevoando suas margens e o esgoto sendo despejado no rio. Aquele mau cheiro nunca saiu da minha memória, tantos anos depois. 

Falava-se muito na despoluição do Tietê naquele janeiro de 1980. Algumas revistas até projetavam com desenhos coloridos de página dupla, o que seria nossa vida mais ou menos em dois mil e pouco. 

Haveriam sim Bateaux Mouches circulando pra lá e pra cá no nosso Tietê. Não sei se buquinistas vendendo poemas de Paul Verlaine, lojinhas de crepes au Grand Marnier ou o famoso sorvete do Berthillon. Mas quem sabe uns buquinistas vendendo crônicas do filho do Mario Prata, quiosques vendendo coxinhas de Catupiry e sorvetes do Bacio di Latte

Acontece que, alguns anos depois, minha esperança foi-se embora nas águas podres do Tietê. Quando o meu neto estiver com 83 anos no ano 2.100, tenho certeza que quem ainda estiver por aqui vai estar assistindo reportagens de pessoas morrendo nas filas do INSS, políticos vão estar fazendo delações premiadas e candidatos na televisão prometendo mais escolas, mais postos de saúde, salário melhor para os professores e, seguramente, a despoluição do Tietê.

Com certeza, pessoas vão estar jogando guimbas de cigarros nas ruas, as latas de lixo de plástico vagabundo vão estar estropiadas, faltando pedaços, e muita gente vai estar no telefone xingando as mocinhas do telemarketing. As ciclovias vermelhas vão estar apagadas, os engarrafamentos monstruosos vão estar entupindo as ruas e avenidas da cidade e uma grande discussão estará no ar: Privatizar ou não privatizar a Petrobras. 

Olha, eu não duvido nada. Eu tenho certeza de que o governo tucano do Estado vai estar jurando de pés juntos que até o final de 2.101 ele entrega mais uma pequena linha do metrô – a cinza -, ligando a estação Esperança à estação Desilusão.  

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