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Entre vivas e mortas

Em livro dos anos 1970, Jorge Ibargüengoitia resgata a história de um crime real ocorrido no México

Entre vivas e mortas
Entre vivas e mortas
Duas irmãs e um prostíbulo. As Mortas virou uma série da Netflix – Imagem: Netflix
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Ao terminar de ler o romance mexicano As Mortas é quase irresistível voltar ao primeiro capítulo para compreender melhor o círculo que se fecha na última página.

Originalmente publicado no México em 1977, o livro de Jorge Ibargüengoitia chega pela primeira vez ao Brasil numa bela edição da Pinard, com ilustrações de Ivan Di Simone, que faz jus ao renome do livro e do autor.

Ibargüengoitia constrói sua narrativa como um relatório policial. Ele teve a ideia para o romance ao ler no jornal, em 1964, o caso de duas irmãs que sequestraram mais de 20 moças, fugiram para o estado de Jalisco, onde a prostituição era legal, e montaram um bordel que funcionou por anos – até que, por motivos moralistas, foi fechado.

Na crônica policial, as irmãs ficaram conhecidas como Las Poquianchis, e o episódio teve desdobramentos bizarros e tétricos. Contá-los é, porém, tirar o prazer da descoberta da história das irmãs que, no livro, ganharam os nomes de Serafina e Arcángela Baladro.

Tanto elas, donas do bordel, quanto as coadjuvantes são repletas de um colorido muito particular e marcante.

As Mortas. Jorge Ibargüengoitia. Tradução: Lucas Lazzaretti. Pinard (220 págs., 89,90 reais)

É o caso, por exemplo, de uma mulher conhecida como A Caveira. Funcionária do bordel, ela fiscaliza quando as jovens vão para os quartos, com quem vão – os clientes devem pagar antecipadamente – e o tempo que dura o encontro.

Outras figuras femininas ganham seus próprios capítulos, embora estejam sempre conectadas à trama central.

Ibargüengoitia revela-se interessado nas vidas dessas mulheres – patroas e funcionárias –, cujos destinos e passado são narrados num tom de humor que, de tão seco, às vezes nem parece humor. Essa comicidade a atravessar a seriedade do relato policial faz do livro algo muito particular.

Deixando de lado o sensacionalismo com que a imprensa da época tratou o caso, o escritor busca o que pode haver de mais humano nessas figuras – a despeito de seus atos horríveis. Ele também nos lembra que chamar criminosos de monstros escamoteia a parcela da culpa da sociedade geradora desses ditos monstros.

Recentemente, o livro foi adaptado para uma série homônima da Netflix, produzida no México, que traz Paulina ­Gaitan e Arcelia Ramírez no papel das protagonistas, e mantém o mesmo clima de mistério e comicidade do livro. •

Publicado na edição n° 1393 de CartaCapital, em 24 de dezembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Entre vivas e mortas’

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