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Entre a filosofia e a realidade

Uma nova leva de livros de e sobre Lukács revela sua busca obstinada por uma interpretação original do marxismo

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Húngaro nascido no seio de uma família judaica burguesa, o pensador tornou-se comunista na esteira da revolução russa – Imagem: Redes sociais
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Não resta dúvida de que ­Georg Lukács (1885-1971) é um dos grandes nomes da história do pensamento marxista. O filósofo nascido na Hungria impressiona não apenas pela extensão quantitativa, mas pela ambição de sua obra. É como se, a cada texto, Lukács acrescentasse uma nova camada à compreensão filosófica da tradição fundada por Karl Marx.

É o que nos mostra uma nova leva de livros de e sobre Lukács, recentemente editados pela Boitempo. Tomados em bloco, os títulos revelam um pensamento em permanente ebulição, pressionado entre a fidelidade à letra do pensamento de Marx e a busca por atualizá-lo à luz das transformações do capitalismo, assim como do mal chamado “socialismo realmente existente”.

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Destaca-se, a este respeito, Lukács, Uma Introdução, de José Paulo Netto. A obra passeia com desenvoltura por alguns dos principais tópicos do pensamento lukacsiano, sublinhando os diversos obstáculos enfrentados pelo filósofo em sua busca obstinada por uma interpretação relativamente original de Marx.

Intelectual oriundo da burguesia judaica, mas, desde cedo, atraído por uma sensibilidade anticapitalista, Lukács tornou-se comunista na esteira da revolução russa, em outubro de 1917.

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Seu primeiro trabalho de fôlego após a adesão ao marxismo foi História e Consciência de Classe, publicado em 1923. É a esta obra controversa, responsável por uma inflexão na história do marxismo, que é dedicado o livro História e ­Consciência de Classe, Cem Anos Depois, organizado pelo mesmo José Paulo Netto.

Entre os estudiosos de Lukács, o livro é objeto de polêmica porque o próprio filósofo o renegou nas décadas posteriores, qualificando-o como ainda idealista, incapaz de explicar os fundamentos materiais do processo histórico de formação do ser social.

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Essa virada “ontológica” – no sentido de que se interessa pelo gênero humano no seu desenvolvimento temporal – foi explicitada, de fato, apenas a partir dos anos 1950. Mas ela já pode ser identificada, em germe, nos seus trabalhos dos anos 1930, momento também marcado pelo início de uma convivência ambivalente com o regime soviético.

Obra fundamental dessa etapa madura do pensamento lukacsiano é justamente a sua Estética, cujo primeiro volume chega agora aos leitores brasileiros. À defesa do “realismo crítico” (que não se confunde com o “realismo socialista”), visto como a forma literária mais adequada à “narração” do movimento da realidade, segue-se uma tentativa de investigar as “peculiaridades do estético” no quadro de uma filosofia materialista da história.

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É também a esse último Lukács que se voltam Nicolas Tertulian, em Por Que Lukács?, e Mário Duayer, em Teoria Social, Verdade e Transformação. Nas suas especificidades, ambos os livros identificam, no modo como Lukács enlaça razão e realidade, teoria e mundo social, sua grande contribuição para o marxismo.

É verdade que, na ânsia de encontrar o verdadeiro Marx, Lukács, não raro, se mostra menos receptivo à necessidade de reavaliar criticamente o pensamento do autor alemão a partir das mudanças provocadas pelo desenvolvimento do capitalismo.

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Felizmente, nem por isso está descartada a possibilidade de que o seu trabalho seja tomado como um dos pontos de partida possíveis para essa reavaliação. É disso que nos dão prova os cinco livros aqui apresentados.

São obras que, cada qual à sua maneira, esquadrinham um autor incontornável para o pensamento crítico contemporâneo. •


*Fábio Mascaro Querido é professor de Sociologia da Unicamp.

Publicado na edição n° 1283 de CartaCapital, em 01 de novembro de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Entre a filosofia e a realidade’

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