Cultura

Entre a família e a nação

Como seu protagonista no longa “No”, que estreia no dia 28, Pablo Larraín usa da memória pessoal para desvendar seu país, o Chile

Recado geracional. Larraín esforça-se para unir duas pontas da história
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Para pablo larraín, o contexto político e ideológico confuso que tomou conta do Chile em 1988 se traduz exemplarmente por sua família. Naquele momento, o país se preparava para o plebiscito que definiria a permanência ou não de Augusto Pinochet no poder. Os pais de Larraín, então com 12 anos, votaram a favor da continuidade do governo, atitude sobre a qual ele saberia o significado anos mais tarde. O futuro cineasta chileno ainda veria seu pai, o advogado e professor Hernán Larraín, se tornar senador nas primeiras eleições do novo governo democrático em 1993. Contra os militares, ele se candidatou pela União Democrata Independente, partido de direita. Havia muito a entender, dentro e fora de casa, e o cinema foi o caminho dessa compreensão.

A julgar pelos prêmios atribuídos, Larraín concluiu exemplarmente a lição de casa. No, seu quarto longa-metragem previsto para estrear na sexta-feira 28, começou a trajetória de reconhecimento com a principal distinção da Quinzena dos Realizadores, iniciativa paralela do Festival de Cannes, em maio, e prosseguiu com o Prêmio do Público de melhor ficção estrangeira da 36ª Mostra de São Paulo e o troféu principal do Festival de Havana, encerrado sexta 14. A empatia tem a ver com a história sobre o período do referendo em que ambos os lados da política vigente se municiaram com uma nascente publicidade para defender seus pontos de vista na tevê. Aquela mesma propaganda política que os brasileiros conhecem tão bem, levada ao ar no horário nobre com maior tempo aos grandes partidos, mas no caso chileno por um único grupo no poder. Os adeptos do “sim” ocupavam horas da programação, enquanto os rivais do “não” ficavam relegados às madrugadas. “É decisão de cada um entender ou não o que se passou no período e há muitos da minha idade que preferem se distanciar”, diz a CartaCapital numa roda de entrevistas em Cannes. “O que não se pode é achar que tudo o que foi feito e dito ali tem um sentido de verdade eterna, sem reflexos no presente.”

Coprodução brasileira, o filme é baseado numa peça inédita de Antonio Skarmeta e se fixa no publicitário René Saavedra (Gael García Bernal). Integrante de uma geração enviada à Inglaterra pelo regime para estudar, ele volta ao Chile e se identifica com a aparente minoria que deseja o fim da ditadura Pinochet e desenvolve a campanha da mudança. Disputará a acirrada eleição com seu próprio chefe, envolvido com a cúpula militar (Alfredo Castro).

No encerra uma trilogia sobre o perío-do a que assistiu sem entender. Antes vieram Tony Manero (2008) e Post Mortem (2010), título que concorreu no Festival de Veneza de 2011. No primeiro, o tempo mais cruel da ditadura era o pano de fundo para a investigação da personalidade de um matador serial obcecado pelo personagem de John Travolta em Os Embalos de Sábado à Noite. No seguinte, Larraín flagra o início do golpe sobre o governo de Salvador Allende, a morte deste dada pela história como suicídio e, numa rara apreensão de um momento, recupera imagens documentais da autópsia do presidente.

Larraín caminha pela ficção, mas insere documentação visual para contextualizar o quadro social e político. No é realizado de forma proposital num precário u-matic para dar o tom da época em que o vídeo se tornava vedete. Também porque assim não há desequilíbrio entre as imagens de arquivo e a filmagem. Tanto na forma como na trama o diretor dá seu recado geracional. Procura, contudo, não mistificar sua trilogia como uma reflexão política. “Não penso os filmes de antemão. Eles surgiram casualmente de origens diferentes.”

Isso explica a ordem alterada na cronologia da ditadura e tem a ver com a possibilidade de acesso a arquivos oficiais do período. Em encontro com CartaCapital quando em Veneza, ele lembrou que o texto que se tornou público e está na internet é uma espécie de diagnóstico de todo o país naquele momento. “Não é uma questão de julgar, o que procuro evitar, mas apenas se aproximar mais de fatos que não se entende na minha geração.”

Relembrado sobre retornar a esta incompreensão, o diretor diz que No lhe traz ainda mais dúvidas do que certezas por conter também um fator familiar. Fica explícita sua intenção de unir as duas pontas, individual e coletiva, a partir do personagem do publicitário veterano a serviço dos militares. Seu nome Guzmán diz respeito diretamente a Jaime Guzmán, o fundador da UDI assassinado em 1991 supostamente por um grupo guerrilheiro. Colaborador próximo de Pinochet, ele era amigo do pai de Larraín, que decidiu entrar na política após a morte do colega.

No, embora de vertente mais pessoal, chama a atenção por ser menos sombrio que os filmes anteriores. A condição -cooperou para Larraín, ele acredita, ter se tornado um nome incensado no exterior e nos festivais, mas pouco sintonizado com a grande plateia no Chile. As cores agora mais vivas e o tom solar e jovem têm relação com certo idealismo e imaturidade do protagonista. O exemplo está no trato com o filho e com a ex-mulher, além do próprio desafio de montar a campanha com criatividade. Foi Bernal quem trouxe a ideia de fazer seu René deslizar sobre um skate pelas ruas de Santiago para representar a personalidade juvenil e sua situação em equilíbrio sobre uma dura realidade. “Conhecia as ditaduras latinas por um todo, mas a chilena me parecia específica e com mais informações cobertas, inacessíveis, o que Larraín sempre me lembrou como estímulo a pesquisar mais profundamente”, disse o ator mexicano.

Por seu lado, o cineasta justifica a tonalidade mais leve de No pela situação política que começava a se tornar mais esperançosa. A vitória do “não” é comemorada como a virada, e de fato o é, mas Larraín ainda mostra desconfiança pelos olhos de seu protagonista. Pinochet deixou o poder e permaneceu como chefe do exército por dez anos, tornando-se senador vitalício. Sua sombra pairava ainda sobre um Chile que se reorganizava democraticamente, mas o diretor não explicita o que viria depois das comemorações. “O importante era definir esse momento como daquela alegria de acabar com uma dor que incomodava, mesmo que seja um estado breve.” Se a passagem para a abertura política lhe seduz para um novo filme, Larraín prefere não confessar. Espera que um material casual o faça novamente encontrar a memória pessoal com a de uma nação que ele ajuda a desvendar.

Para pablo larraín, o contexto político e ideológico confuso que tomou conta do Chile em 1988 se traduz exemplarmente por sua família. Naquele momento, o país se preparava para o plebiscito que definiria a permanência ou não de Augusto Pinochet no poder. Os pais de Larraín, então com 12 anos, votaram a favor da continuidade do governo, atitude sobre a qual ele saberia o significado anos mais tarde. O futuro cineasta chileno ainda veria seu pai, o advogado e professor Hernán Larraín, se tornar senador nas primeiras eleições do novo governo democrático em 1993. Contra os militares, ele se candidatou pela União Democrata Independente, partido de direita. Havia muito a entender, dentro e fora de casa, e o cinema foi o caminho dessa compreensão.

A julgar pelos prêmios atribuídos, Larraín concluiu exemplarmente a lição de casa. No, seu quarto longa-metragem previsto para estrear na sexta-feira 28, começou a trajetória de reconhecimento com a principal distinção da Quinzena dos Realizadores, iniciativa paralela do Festival de Cannes, em maio, e prosseguiu com o Prêmio do Público de melhor ficção estrangeira da 36ª Mostra de São Paulo e o troféu principal do Festival de Havana, encerrado sexta 14. A empatia tem a ver com a história sobre o período do referendo em que ambos os lados da política vigente se municiaram com uma nascente publicidade para defender seus pontos de vista na tevê. Aquela mesma propaganda política que os brasileiros conhecem tão bem, levada ao ar no horário nobre com maior tempo aos grandes partidos, mas no caso chileno por um único grupo no poder. Os adeptos do “sim” ocupavam horas da programação, enquanto os rivais do “não” ficavam relegados às madrugadas. “É decisão de cada um entender ou não o que se passou no período e há muitos da minha idade que preferem se distanciar”, diz a CartaCapital numa roda de entrevistas em Cannes. “O que não se pode é achar que tudo o que foi feito e dito ali tem um sentido de verdade eterna, sem reflexos no presente.”

Coprodução brasileira, o filme é baseado numa peça inédita de Antonio Skarmeta e se fixa no publicitário René Saavedra (Gael García Bernal). Integrante de uma geração enviada à Inglaterra pelo regime para estudar, ele volta ao Chile e se identifica com a aparente minoria que deseja o fim da ditadura Pinochet e desenvolve a campanha da mudança. Disputará a acirrada eleição com seu próprio chefe, envolvido com a cúpula militar (Alfredo Castro).

No encerra uma trilogia sobre o perío-do a que assistiu sem entender. Antes vieram Tony Manero (2008) e Post Mortem (2010), título que concorreu no Festival de Veneza de 2011. No primeiro, o tempo mais cruel da ditadura era o pano de fundo para a investigação da personalidade de um matador serial obcecado pelo personagem de John Travolta em Os Embalos de Sábado à Noite. No seguinte, Larraín flagra o início do golpe sobre o governo de Salvador Allende, a morte deste dada pela história como suicídio e, numa rara apreensão de um momento, recupera imagens documentais da autópsia do presidente.

Larraín caminha pela ficção, mas insere documentação visual para contextualizar o quadro social e político. No é realizado de forma proposital num precário u-matic para dar o tom da época em que o vídeo se tornava vedete. Também porque assim não há desequilíbrio entre as imagens de arquivo e a filmagem. Tanto na forma como na trama o diretor dá seu recado geracional. Procura, contudo, não mistificar sua trilogia como uma reflexão política. “Não penso os filmes de antemão. Eles surgiram casualmente de origens diferentes.”

Isso explica a ordem alterada na cronologia da ditadura e tem a ver com a possibilidade de acesso a arquivos oficiais do período. Em encontro com CartaCapital quando em Veneza, ele lembrou que o texto que se tornou público e está na internet é uma espécie de diagnóstico de todo o país naquele momento. “Não é uma questão de julgar, o que procuro evitar, mas apenas se aproximar mais de fatos que não se entende na minha geração.”

Relembrado sobre retornar a esta incompreensão, o diretor diz que No lhe traz ainda mais dúvidas do que certezas por conter também um fator familiar. Fica explícita sua intenção de unir as duas pontas, individual e coletiva, a partir do personagem do publicitário veterano a serviço dos militares. Seu nome Guzmán diz respeito diretamente a Jaime Guzmán, o fundador da UDI assassinado em 1991 supostamente por um grupo guerrilheiro. Colaborador próximo de Pinochet, ele era amigo do pai de Larraín, que decidiu entrar na política após a morte do colega.

No, embora de vertente mais pessoal, chama a atenção por ser menos sombrio que os filmes anteriores. A condição -cooperou para Larraín, ele acredita, ter se tornado um nome incensado no exterior e nos festivais, mas pouco sintonizado com a grande plateia no Chile. As cores agora mais vivas e o tom solar e jovem têm relação com certo idealismo e imaturidade do protagonista. O exemplo está no trato com o filho e com a ex-mulher, além do próprio desafio de montar a campanha com criatividade. Foi Bernal quem trouxe a ideia de fazer seu René deslizar sobre um skate pelas ruas de Santiago para representar a personalidade juvenil e sua situação em equilíbrio sobre uma dura realidade. “Conhecia as ditaduras latinas por um todo, mas a chilena me parecia específica e com mais informações cobertas, inacessíveis, o que Larraín sempre me lembrou como estímulo a pesquisar mais profundamente”, disse o ator mexicano.

Por seu lado, o cineasta justifica a tonalidade mais leve de No pela situação política que começava a se tornar mais esperançosa. A vitória do “não” é comemorada como a virada, e de fato o é, mas Larraín ainda mostra desconfiança pelos olhos de seu protagonista. Pinochet deixou o poder e permaneceu como chefe do exército por dez anos, tornando-se senador vitalício. Sua sombra pairava ainda sobre um Chile que se reorganizava democraticamente, mas o diretor não explicita o que viria depois das comemorações. “O importante era definir esse momento como daquela alegria de acabar com uma dor que incomodava, mesmo que seja um estado breve.” Se a passagem para a abertura política lhe seduz para um novo filme, Larraín prefere não confessar. Espera que um material casual o faça novamente encontrar a memória pessoal com a de uma nação que ele ajuda a desvendar.

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