Cultura

Em romance de não ficção, Benjamín Labatut investiga os limites éticos e morais da ciência

O livro ‘Quando Deixamos de Entender o Mundo’ desafia categorizações simples

Labatut nasceu na Holanda e é radicado no Chile - Imagem: Editora Todavia
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Em Quando Deixamos de Entender o Mundo, Benjamín Labatut desafia categorizações simples. É um romance? É um livro de ensaios? É tudo isso e mais um pouco, pois o escritor combina diversas técnicas em busca de uma forma nova de narrar a experiência histórica.

Labatut, nascido na Holanda e radicado no Chile, escreve em espanhol e, em sua construção narrativa, parte de fatos históricos e de figuras reais. Isso tudo é, porém, subvertido numa forma de narrar idêntica à de um romance. História e ficção se misturam, em um estilo que lembra tanto­ W. G. Sebald quanto Olga Tokarczuk.

Composto de cinco, digamos, capítulos, Quando Deixamos… transita no tempo e no espaço. Começa em Nuremberg, com o militar nazista Hermann Göring ao centro. Poucas páginas depois, centra-se na descoberta, ao acaso, do azul-da-prússia,­ primeiro pigmento sintético moderno que, como se saberia depois, uma vez misturado com ácido sulfúrico origina o cianureto, um gás altamente tóxico, usado, entre outros lugares, em Auschwitz.

Essa história é apenas parte do primeiro segmento. À medida que os ­capítulos avançam, “a quantidade de ficção aumenta”, conforme diz o autor em uma nota. É quase irresistível não ir ao Google investigar o que é fato e o que é invenção.

QUANDO DEIXAMOS DE ENTENDER O MUNDO. Benjamín Labatut. Tradução: Paloma Vidal (Todavia, 176 págs., 59,90 reais)

O que o autor faz, mais do que mostrar que parte das descobertas científicas acontece quase que acidentalmente, é investigar os paradoxos e os limites da ciência. Outro exemplo: o alemão Fritz Haber, Nobel de Química, descobriu a síntese de amoníaco em laboratório, permitindo o avanço da agricultura no começo do século XX. Mas ele é também chamado de “pai da guerra química”, por ter desenvolvido técnicas de uso de gases tóxicos em trincheiras da Primeira Guerra Mundial, que queimavam a pele e as mucosas e matavam as vítimas lentamente, por asfixia.

Contando alguns episódios históricos e destacando figuras de maior ou menor peso, Labatut mostra o poder de sedução da ficção, onde tudo pode fazer sentido e nos convencer – mesmo que algumas partes tenham sido inventadas. Nesse sentido, o livro não deixa de figurar algo do presente. Nesse sentido, o livro não deixa de figurar algo do presente, e mostrar como uma fake news, que não passa de uma boa narrativa, pode enganar tantas pessoas. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1201 DE CARTACAPITAL, EM 30 DE MARÇO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Os inventores e as invenções”

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