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Em busca de um mundo melhor

Gordon Parks, fotógrafo que revolucionou o retrato das comunidades negras nos EUA, ganha uma retrospectiva

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A América Sou Eu, no IMS Paulista. Muçulmanos Negros. Mulheres Muçulmanas Negras, tirada em Illinois, em1963, e Muçulmanos Negros, registro feito no Harlem, também em 1963, integram uma das séries da mostra. A viagem de Parks ao Rio de Janeiro, em 1961, é revelada em imagens inéditas. No conjunto, destacam-se também duas de suas fotos mais famosas: o retrato do boxeador Muhammad Ali, em 1970, e Mulher e Cachorro na Janela, de 1943, uma de suas primeiras imagens a tornar-se conhecida – Imagem: Acervo Fundação Gordon Parks
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Figura marcante da cultura ­norte-americana do século XX, o fotógrafo Gordon ­Parks (1912–2006) terá sua obra revisitada, de forma ampla, no Instituto Moreira Salles (IMS) da Avenida Paulista, em São Paulo. A exposição Gordon Parks: a América Sou Eu, a ser aberta no sábado 4, reúne cerca de 200 fotografias tiradas entre as décadas de 1940 e 1970, além de filmes e documentos.

O título da mostra, como explica a curadoria, ecoa um texto que Parks escreveu para a revista Life em 1968, como complemento das fotos de uma família do Harlem­. Nele, o fotógrafo questionava o fato de a democracia norte-americana ter se consolidado sob um regime de segregação.

“Entre nós dois há algo que vai além do sangue ou do preto e branco. Trata-se da nossa busca compartilhada por uma vida melhor, um mundo melhor”, escreveu. “As necessidades dos meus filhos são as mesmas que as dos seus. Eu, também, sou a América. A América sou eu.”

Nascido em Fort Scott, no Kansas, caçula em uma família de 15 filhos, Parks cresceu em meio à pobreza extrema e à segregação racial. Quando sua mãe morreu ele tinha 15 anos e viu-se obrigado a sair de sua cidade natal, sem destino certo. Nesse período, chegou a viver na rua.

Foi trabalhando como garçom num trem de luxo que Parks folheou as revistas que lhe proporcionaram os primeiros contatos com a fotografia. Impactado, passou a alimentar o sonho de comprar para si uma câmera. Conseguiu realizar o desejo em uma loja de penhores, em 1937. Com essa compra, começou a mudar não apenas a própria vida, mas a história da comunidade negra nos Estados Unidos.

A câmera tornou-se sua “arma de escolha” na luta contra o racismo e a discriminação social

A câmera, escreve a curadoria do IMS, tornou-se sua “arma de escolha” contra o racismo e a discriminação. Graças ao talento, que não demorou a ser descoberto, Parks ganhou um bolsa. Com a técnica lapidada, fez, em 1942, sua primeira imagem a ficar famosa: American Gothic, em que colocou a faxineira Ella Watson à frente da bandeira norte-americana, segurando uma vassoura e um esfregão.

Seis anos depois, ele se tornaria o primeiro fotógrafo negro a ser contratado como membro da equipe da revista Life, onde permaneceu por duas décadas. Ali, realizou algumas das séries que estarão no IMS. Uma delas é Histórias da Segregação no Sul (1956), que mostra o cotidiano de famílias negras vivendo sob as leis segregacionistas. Nelas, opressão e dignidade se sobrepõem.

Outra é Movimento pelos Direitos Civis, que retrata, por exemplo, a Marcha sobre Washington (1963), ato durante o qual Martin Luther King Jr. proferiu o discurso I Have a Dream (Eu Tenho um Sonho). Coube a Parks o famoso retrato de King nesse momento histórico. Malcolm X e Muhammad Ali foram outros grandes homens negros por ele fotografados.

Uma série especialmente tocante para os brasileiros é A Família Da Silva no Rio (1961), realizada, a pedido da Life, em comunidades do Rio de Janeiro. As imagens acabaram por resultar em doações, feitas pelos leitores da revista, para que a família Silva pudesse ter uma vida melhor.

A retrospectiva, a maior de Parks já rea­lizada na América Latina, dá a dimensão desse trabalho que foi, além de pioneiro, revolucionário. •

Publicado na edição n° 1382 de CartaCapital, em 08 de outubro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Em busca de um mundo melhor’

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