Cultura
É mentira, terta?
O que seria dos homens se as mulheres não estivessem ao seu lado?
Tenho muitos amigos com mais de sessenta anos, como eu. E, ao lado deles, quase sempre, uma grande mulher. Não uma figura recatada e do lar como era Terta ou como é Marcela. Pelo contrário. Terta, a mulher de Pantaleão – uma criação de Chico Anísio – era aquela que estava sempre sentada ao seu lado, com a única finalidade de confirmar as lorotas do marido.
Terta só fazia responder verdade, quando ele perguntava é mentira, Terta?
Pantaleão era um senhor de idade, vivido, barbas longas e brancas, usando um par de óculos, cuja lente escura ficava apenas cobrindo o olho esquerdo. Pantaleão passava o dia numa cadeira de balanço contando histórias e mais histórias. Meus amigos são diferentes.
As histórias deles são também muitas, mas verdadeiras, todas elas vividas nesses mais de seis décadas de vida. Mas, o que tenho percebido nos últimos tempos é que a Terta de cada um nós está ali para fazer-nos lembrar de um rosário de nomes, lugares, pratos e situações. Um dia ainda vou perguntar pro doutor Drauzio Varella o que acontece. A mulher tem mais memória que o homem? Sei que os meus amigos andam pedindo muito a ajuda delas ultimamente.
Ele:
– Amor, como é mesmo o nome do lugar onde a gente comeu aquele peixe que estava apimentado pra caramba?
E ela:
– Saint-Malo, na França.
Ele:
– Isso mesmo, Saint-Malo.
– Bia, como chamava aquele arquiteto, amigo do Niemeyer, aquele que ajudou a projetar Brasília… gente me fugiu o nome. Como é mesmo?
– Lucio Costa!
– Isso, o Lucio Costa.
Ele:
– Uma vez a gente pegou um avião… Rê, como é o nome daquela companhia aérea que a gente pegou o avião e que faltou água pros passageiros?
– Turkish!
– Isso, Turkish!
E ele continua contando o caso, como foi a penúria voar de Paris a Istambul, sem água potável.
– Lu, como era o nome daquele jornalista reacionário, aquele cara que defendia os militares, que tinha um programa de reportagens ufanistas na TV lá pelos anos 60… gente, sumiu o nome dele da minha cabeça…
Ela:
– Não é o Amaral Neto?
– Amaral Neto!
As mulheres e suas memórias são mesmo fantásticas e tem nos salvado a cada conversa. São verdadeiras enciclopédias ambulantes, não esquecem de nada.
– Um dia nós fomos do Rio até Salvador num carrinho… Maria, que carro era aquele que nós fomos pra Salvador e que quebrou no meio do caminho?
Ela:
– Renault Dauphine!
– Isso! Era um Dauphine azul calcinha, imagine só!
Ele:
– E o dia em que o apartamento que alugamos em Copacabana, começou a pegar fogo? Ficava ali na… Su, que rua era aquela que o ap começou a pegar fogo?
Ela, sem pestanejar:
– Prado Junior!
Ai eu me pergunto o que seria de nós sem nossas adoráveis companheiras ao lado na hora do esquecimento? Acho que não me lembraria nem mesmo nome daquele personagem do Chico Anísio…
– Paulinha, como é mesmo o nome daquele personagem do Chico Anisio que tinha uma lente do óculos escura, que ficava contando historias?
E a Paulinha:
– Pantaleão!
– E a mulher dele, a… como é que chamava a mulher dele?
E a Paulinha:
– Terta!
Isso mesmo! Terta!
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.
Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.