Cultura

“É como se o Brasil não conhecesse o Brasil”, diz percussionista Robertinho Silva

Músico lança álbum com canções de Milton Nascimento e diz que há preconceito com a percussão, que remonta à época da escravidão

Robertinho Silva (Foto: Janine Rodrigues/Divulgação)
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A percussão tem dificuldade de reconhecimento dentro da música e da história, quando se sabe que ela possui profunda relação com a origem da sonoridade brasileira e é quase sempre imprescindível na execução dos gêneros musicais nacionais.

“É como se o Brasil não conhecesse o Brasil”, resume Robertinho Silva, 78 anos, referência nacional em bateria e percussão com mais 60 anos de estrada.

O preconceito é ainda grande à percussão, segundo ele. “É visto como instrumento de bater, de fazer barulho e não de tocar. Ouço isso até hoje.”

Quando questionado sobre o que é o instrumento, Robertinho busca o corpo para exemplificar, marcando o ritmo no peito a partir das próprias mãos. “Não há exemplo melhor do que fazer a sonoridade corporal.”

Segundo ele, na África, os negros produziam som percussivo no corpo porque eram proibidos nas fazendas de tocar tambor depois de expediente. “Daí, faziam a percussão corporal porque o barulho não vazava. Eu faço aquecimento com percussão corporal antes dos shows.”

O percussionista lembra que, no Brasil, no passado, quem andasse com instrumento de percussão ou o executasse era tratado como vagabundo e muitos eram presos, em uma demonstração clara de preconceito e perseguição.

A percussão no país remonta à época da escravidão, quando os escravos a utilizava nos raros momentos de laser. Antes, os indígenas também já usavam instrumentos percussivos em suas cerimônias.

Com o tempo, a percussão foi sendo incorporada aos vários gêneros musicais brasileiros.

De Realengo para o mundo

Robertinho Silva nasceu em Realengo, no subúrbio do Rio de Janeiro. Lá, no distante bairro carioca, descobriu a percussão batendo lata de alimentos ainda criança.

Trabalhava para Cauby Peixoto quando conheceu em 1967 Milton Nascimento, tornando-se seu fiel músico por quase 30 anos.

O cantor tem faro por grandes percussionistas. No início de carreira, além de Robertinho, Naná Vasconcelos também fazia parte da banda de Bituca.

A longa parceria com Milton, porém, não o impediu de tocar com muita gente, aqui e no exterior, de Tom Jobim e Gilberto Gil a Sarah Vaughan e Ron Carter.

Com técnica apurada no jeito de executar bateria (na sua vertente jazzística) e percussão, explora com maestria a riqueza rítmica desse conjunto de instrumentos.

As possibilidades da percussão

“A bateria é compacta. A percussão tem diversidade”, define. A multiplicidade da percussão tem feito o músico se dedicar, nos últimos anos, na sua interface com várias outras expressões da arte, deixando em segundo plano a bateria.

Em 2017, Robertinho Silva havia lançado com a brasileira radicada na Itália, Claudia Belchior, o álbum Dança Percussiva, que explora as possibilidades da dança com a percussão.

Ele já tinha desenvolvido anteriormente com uma companhia de dança um projeto em que bailarinos tocavam percussão durante a apresentação. O projeto foi parar no exterior. “Todo mundo se impressionava”, rememora.

Em 2019, o músico lançou A Força do Tambor, com livro e CD, em que coloca toques de tambores diferentes em algumas poesias. O trabalho, feito em parceria com o escritor paraense Paulo Nunes, possui histórias relacionadas ao instrumento contadas pelo músico. A obra é voltada para o público infanto-juvenil.

Nesse início de 2020, Robertinho Silva irá lançar junto com contrabaixista Alexandre Ito um álbum de músicas assinadas só por Milton Nascimento. Os arranjos são de ambos.

Com o título de Nascimento das canções, trata-se de mais um trabalho na carreira do músico entre vários que possui solo, em parceria ou em grupo. Milton participa do álbum cantando.

“Milton caiu duro depois que ouviu as músicas. E então resolveu colocar voz em algumas músicas.”

Robertinho toca percussão nesse trabalho. Alexandre Ito faz parte hoje da banda de Milton Nascimento.

Também deve sair em breve livro sobre sua relação com Minas Gerais, chamado Coração Mineiro, escrito por Maria Lucia Daflon. Robertinho Silva chegou a se mudar para o Estado aos 14 anos e sua primeira viagem a trabalho como instrumentista foi para Zona da Mata mineira.

O percussionista já tem uma biografia sua, lançada em 2014 (quando fez 50 anos de carreira), escrita com o jornalista Miguel Sá.

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