Cultura

E agora, Doutor?

Ninguém mais vive sem fazer um monte de exames todos os meses

Exames viraram arroz de festa pra qualquer brasileiro comum hoje em dia. Antes, só fazíamos de fezes, de urina e de sangue
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O nome dele era Aldo Casillo, Doutor Aldo Casillo! O médico da minha família tinha cara de médico. Rosto cheio, bochechas vermelhas, óculos redondos, cabelo curtinho e jaleco branco. Lembro-me bem que ele tinha uma pasta de couro marrom, onde guardava todos os seus apetrechos, e sempre que eu ouvia o ronco do motor do Aero Willys do Doutor Aldo Casillo na porta da minha casa, era sinal de que alguém estava doente.

Na verdade, minha mãe só ligava para o Doutor Aldo  quando a doença persistia, depois de uma Cafiaspirina pra baixar a febre, um xarope de guaco pra passar a tosse, um Vick Vaporub para espantar a gripe.

O nosso médico passava geralmente no finalzinho da tarde, depois do expediente no consultório que ele tinha no centro da cidade. Toda vez, Doutor Aldo sentava a gente na cama, pedia pra abrirmos a boca e dizer trinta e três. Depois examinava o nosso ouvido com uma lanterninha, dava uma espiada nos olhos e batia com um martelinho de madeira no nosso joelho.

Pronto, já tinha o diagnóstico. Ele ia pra sala, abria sua pastinha de couro marrom, pegava um bloquinho e passava a receita. Minha mãe oferecia um café passado na hora e quando tinha broa de fubá, oferecia também.

Esse mundo do Doutor Aldo Casillo não existe mais.  Era aquele mundo do Dr. Kildare, que assistíamos na televisão ainda em preto e branco. Mundo da brilhantina, da pasta de dente Lever com SR e do Cremogema. Era um mundo em que Alzheimer era chamado de caduquice, Down era mongoloide e Raio X era abreugrafia.

Exames, só fazíamos de fezes, de urina e de sangue e, muito raramente, uma chapa do pulmão. Hoje, fazer exames faz parte da rotina, está na agenda de todo mundo. Percebo isso, andando pelas ruas, principalmente no bairro de Higienópolis. Toda hora passa um por mim com um envelopão do Fleury, do A+, do Albert Einstein, do Lavoisier e do Delboni. São os tais exames que todos os médicos pedem, graças ao avanço da medicina e da epidemia dos planos de saúde, acredito eu.

Exames viraram arroz de festa pra qualquer brasileiro comum. Outro dia fui fazer um exame de sangue, bem cedo, e o que mais ouvia na fila de espera, eram nomes que pareciam familiares a todos.

Desintrometria óssea

Bilirrubina direta

Ecografia tridimensional

Deidroepiandrosterona

Creatinofosfoquinase

Colonoscopia

As pessoas diziam esses nomes como se estivessem dizendo Corinthians, Palmeiras, Santos ou São Paulo. Nada mais familiar.

De exames e doenças hoje em dia, todo mundo sabe um pouco e vive dando palpite. Acho que quando o  e gosta de dar palpites. Quando o médico dá o diagnóstico, o paciente corre no Google pra saber exatamente o que tem, os remédios que precisa tomar, se é contagioso e, principalmente, se tem cura.

Outro dia mesmo, uma amiga minha foi parar no hospital e quando eu perguntei o que ela tinha, ela me respondeu com a maior tranquilidade:

– Peritonite encapsulada!

Parecia que ela estava dizendo algo como… ligeiramente gripada. Fui no Google pra saber o que ela tinha, não entendi direito mas, ainda bem, o médico já disse pra ela que já já vai receber alta.

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