Cultura
De volta à Idade da Pedra
Um grupo cada vez maior de arquitetos e engenheiros defende a substituição do concreto, do tijolo e do aço na indústria da construção


Imagine um material de construção bonito, forte, abundante, durável e à prova de fogo, cujo uso requer baixos níveis de energia e baixas emissões de gases de efeito estufa.
Trata-se de um dos materiais mais antigos conhecidos da humanidade. Já foi usado em dólmens – monumentos nos quais eram enterradas pessoas importantes –, templos, catedrais e casas. Embora seja um material encontrado desde o passado remoto, mostra-se, por sua sustentabilidade, adequado para o futuro. De acordo com um número crescente de opiniões no mundo da construção, ele está entre nós. E chama-se pedra.
Recentemente, sentei-me no jardim da cobertura de uma grande pilha de alvenaria no centro de Londres para conversar com três defensores dessa substância magnífica: os engenheiros Steve Webb, do escritório Webb Yates, e Pierre Bidaud, da Stonemasonry Company, e o arquiteto Amin Taha, do Groupwork.
Meu pedido inicial, motivado por uma preferência jornalística por destacar o trabalho de indivíduos, era encontrar Taha – badalado e controverso arquiteto radicado em Londres – sozinho. Mas ele argumentou que o trabalho deles é uma colaboração entre diferentes disciplinas que se complementam.
Os adeptos da pedra explicam tratar-se de um material barato, com pouco consumo de energia e baixa emissão de gases
O prédio no alto do qual nos encontramos é uma criação conjunta dos três: o Edifício Clerkenwell, de seis andares, construído há cinco anos, onde Taha tem seu escritório e sua casa. A construção fica na área de mesmo nome, Clerkenwell, onde novos negócios, especialmente ligados às áreas criativas, ocupam antigas fábricas e armazéns industriais.
A tese do trio é que a pedra foi suplantada, na era industrial, por aço, concreto e tijolos produzidos em massa. Na contemporaneidade, quando usada, serve apenas como um fino revestimento cosmético, enquanto o trabalho duro de sustentação de um edifício é feito por alternativas mais novas.
Eles argumentam, no entanto, que a pedra sólida pode voltar a formar as paredes e a estrutura dos edifícios, com benefícios para o meio ambiente e para a beleza da arquitetura. Qualquer tipo de pedra – calcário, arenito, basalto, granito – pode, dependendo de suas propriedades, ser usado com esse fim.
Webb procura explicar que a resistência da pedra é comparável à do aço e à do concreto, mas pondera: seu impacto ambiental é muito menor. Aço e concreto, prossegue ele, requerem várias atividades que envolvem consumo de energia – entre elas, extração, fundição, transporte, processamento e instalação.
Sustentáveis. Amin Taha (acima) é um dos expoentes da nova onda. O escritório Atelier Archiplein, responsável pelo conjunto popular suíço, também integra o movimento – Imagem: Archiplein e Redes sociais
Já a pedra só precisa ser cortada de uma pedreira, levada para um local e assentada no lugar. Enquanto muitos ingredientes do aço e do concreto exigem que vários furos sejam cavados no solo – isso sem mencionar a necessidade de altos-fornos e laminadores –, a pedra demanda apenas um furo para a casa-projeto.
O nosso planeta, aponta Taha, é feito principalmente de pedra. “Estamos sentados na pele fria e seca de magma fervente”, diz. Não corremos, portanto, o risco de esgotá-la. Pela mesma razão, a pedra, quase sempre, está disponível localmente, o que reduz os custos ambientais do transporte. O material é duradouro e reciclável. “Qualquer edifício de pedra é uma pedreira”, diz Bidaud. “Pode ser desmontado.”
Não bastasse isso, a engenharia do século XXI permite que a pedra seja usada de forma mais eficaz que nunca. O material é naturalmente forte em compressão – ou seja, quando as cargas são apoiadas sobre ele –, o que significa que é bom para ser usado em paredes, colunas e arcos, mas não para ser esticado ou dobrado, como em vigas ou lajes. Hoje, é possível combinar a pedra com um uso (econômico) de aço, de modo que funcione como concreto armado.
Webb, Bidaud e Taha estão colocando suas ideias em prática, juntos e com outros. No próximo ano, um prédio residencial de dez andares deve ser concluído em Finchley Road, no norte de Londres, pelos escritórios de Taha e Webb. Sua estrutura de pedra deve torná-lo um dos edifícios mais notáveis da Grã-Bretanha moderna. Os três estão trabalhando ainda em uma grande casa particular, cujas abóbadas de alvenaria parecem quase medievais em seu artesanato.
Eles também citam obras de outros colegas, como um edifício de moradia social em pedra, de oito andares, nos arredores de Genebra – assinado pelo Atelier Archiplein, da Suíça – e o conjunto residencial Salvador Espriu, na periferia de Palma de Maiorca, na Espanha, cujos graciosos tetos de pedra desmentem o fato de que são casas acessíveis construídas por um programa habitacional do governo chamado Instituto Balear de la Vivienda (Ibavi).
Os arquitetos protestam contra a emergência climática, mas não examinam as próprias opções em técnicas de construção
Estes exemplos são importantes, pois o maior obstáculo ao uso generalizado da pedra é seu custo – o percebido e o real. Ela é vista como um item de luxo, a ser usado apenas nas casas do 1% mais rico. Mas seu uso em projetos de custo relativamente baixo mostra que pode ser também um material para uso cotidiano.
Webb, Bidaud e Taha argumentam que a pedra não precisa ser cara. Taha, por exemplo, demonstrou que se pode cortar pedra em tijolos por um custo igual ou menor daquele da argila cozida, e com menos de um quadragésimo das emissões de carbono. Tudo isso tem feito com que algumas pedreiras passem a oferecê-la como produto comercial.
Os empecilhos, diz o arquiteto, estão sobretudo nas “forças do hábito na indústria da construção”, onde “empreiteiros de grandes feras” investiram em concreto e aço e contam com fornecedores conhecidos desses materiais. “Leva tempo para toda a indústria mudar”, pontuam os três.
Enquanto isso, arquitetos, empreiteiros e engenheiros persistem nos velhos métodos. Dois bilhões de tijolos do tipo tradicional, com alto consumo de energia e elevado teor de carbono, são comprados na Grã-Bretanha todos os anos.
Aço e concreto continuam sendo as opções-padrão para uma ampla gama de tarefas de construção. Webb é contundente sobre a inércia profissional de arquitetos: “Eles protestam contra a emergência climática, vão de bicicleta para o trabalho e comem tomates cultivados localmente, mas não examinam suas próprias opções em técnicas de construção.
Alternativas muito interessantes aos modelos estabelecidos podem ser vistas na exposição Como Construir uma Casa com Baixo Teor de Carbono, em cartaz no Museu do Design em Londres, onde o trabalho de Taha, Webb e Bidaud será exibido, até março de 2024, ao lado de estruturas em madeira e palha. Nesses e em outros projetos que criam e celebram, eles oferecem uma visão convincente de um mundo construtivo que é encantador e ao mesmo tempo sustentável.
Quem poderia olhar para a sólida estrutura de pedra da moradia social em Maiorca, por exemplo, onde as forças da natureza e o trabalho do homem são evidentes, e preferir as superfícies processadas e acabamentos plastificados tão comuns nas grandes cidades hoje em dia?
E o melhor da pedra é que, por ser usada há milênios, já foi bem testada. É concebível, de fato, que a era do concreto seja apenas um interlúdio na história muito mais longa da pedra. Essa mudança não acontecerá facilmente, mas promete resultados pelos quais vale a pena lutar. •
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
Publicado na edição n° 1273 de CartaCapital, em 23 de agosto de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘De volta à Idade da Pedra’
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.