Cultura

Dando o troco

Já pensou se um médico daqueles da antiga colocar o aparelhinho nas suas costas para medir o frêmito toraco-vocal e pedir: “fala 32,99!”

Ilustração: Ricardo Papp
Apoie Siga-nos no

Quando a gente entra num supermercado pra pagar 9,90 e dá uma nota de 10, a caixa sempre vem com essa:

– Não tem 90 centavos?

Quando você vai comprar alguma coisa e tira da carteira uma nota de 20, ela olha assustada e sempre solta essa:

– Não tem menor?

O Brasil é um país que não tem troco. E no país que não tem troco, não sei por que cargas d’água, ao invés de arredondar o preço, decidiram colocar tudo quebrado. Tudo nesse país custa 9,99, 19,99, 29,99. Já percebeu que você nunca vê uma coisa custando, por exemplo, 12 reais? Não. É 11,99. O mais curioso é que o tal do 1 centavo não está em circulação há um bom tempo. Sei lá, acho que desde a copa de 2010 nunca mais se viu aquela moedinha minúscula de 1 centavo.

Outro dia fui numa dessas lojas gigantescas na Marginal Pinheiros e perguntei pra caixa se, em caso de um objeto custar 9,99 e o freguês der uma nota de 10 o que ela faz. Ela explicou que se o freguês insistir muito, fizer questão mesmo do troco, ela vai “lá no depósito” e busca a moeda de 1 centavo. Ora, ao invés de ir no depósito buscar a moedinha não seria mais fácil ter um punhado delas dentro da gaveta do caixa?

Todo mundo sabe que o tal do 99 é para enganar cliente. Uma vez vi uma mulher dizendo que um produto custava “19 e pouco”. Na verdade, custava 19,99. Quer dizer, custava 19 e muito. Mas para ela aquele 19,99 era muito, muito menos que 20 reais. O mais curioso de tudo é que agora as coisas custam 136,90. Ora, por quê 136,90? Para fingir que não custa 137? Qual é a diferença?

Antigamente só algumas coisas tinham o preço quebrado. Agora não. É tudo. Uma empadinha pode custar 4,99, um cafezinho 3,99 e um estacionamento em São Paulo 9,99 a hora. Não é 10. É 9,99! Nos cartórios então, os preços quebrados fazem a festa. Uma autenticação? 2,91! Um reconhecimento de firma? 4,93! e por ai vai. Nos postos de gasolina a coisa fica pior ainda. O litro de gasolina custa 2.513! Outro dia passei numa livraria e vi o preço  da caixa com todos os vinis dos Beatles: 3.399,90. E na porta de uma concessionária estava lá estampado o preço do carrão: 61.999.90!

Ultimamente tenho andado muito de ônibus e de graça. Dou uma nota de 10 reais pro cobrador, ele abre a gavetinha e me olha assustadíssimo.

– Não tenho troco!

Ótimo. Fico ali na frente sentadinho e na hora de descer pergunto a ele se já tem o troco pros meus 10 reais.

– Nem pensar!

Então desço pela porta da frente, sem o menor problema. Que vontade que tenho de chegar em algum lugar e perguntar quanto custa o litro do leite e o vendedor responder:

Três reais!

Exatos 3 reais redondinhos! Mas não é assim. O litro do leite custa 3,09.

Espero que esses quebrados fiquem apenas nos preços porque já pensou daqui a pouco a Caninha se chamar 50,99, o uísque se chamar Vat 68.90, aquele velho seriado de TV passar a ser Casal 19.90, o banco virar Banco 23 horas e 59, a estrada americana mudar para Rota 65,99? Já pensou quando lembrarmos do saudoso carnavalesco, a gente lembrar do Joãosinho 29,99?

Já pensou se um médico daqueles da antiga colocar o aparelhinho nas suas costas para medir o frêmito toraco-vocal e pedir:

Fala 32,99!

Já pensou?

Quando a gente entra num supermercado pra pagar 9,90 e dá uma nota de 10, a caixa sempre vem com essa:

– Não tem 90 centavos?

Quando você vai comprar alguma coisa e tira da carteira uma nota de 20, ela olha assustada e sempre solta essa:

– Não tem menor?

O Brasil é um país que não tem troco. E no país que não tem troco, não sei por que cargas d’água, ao invés de arredondar o preço, decidiram colocar tudo quebrado. Tudo nesse país custa 9,99, 19,99, 29,99. Já percebeu que você nunca vê uma coisa custando, por exemplo, 12 reais? Não. É 11,99. O mais curioso é que o tal do 1 centavo não está em circulação há um bom tempo. Sei lá, acho que desde a copa de 2010 nunca mais se viu aquela moedinha minúscula de 1 centavo.

Outro dia fui numa dessas lojas gigantescas na Marginal Pinheiros e perguntei pra caixa se, em caso de um objeto custar 9,99 e o freguês der uma nota de 10 o que ela faz. Ela explicou que se o freguês insistir muito, fizer questão mesmo do troco, ela vai “lá no depósito” e busca a moeda de 1 centavo. Ora, ao invés de ir no depósito buscar a moedinha não seria mais fácil ter um punhado delas dentro da gaveta do caixa?

Todo mundo sabe que o tal do 99 é para enganar cliente. Uma vez vi uma mulher dizendo que um produto custava “19 e pouco”. Na verdade, custava 19,99. Quer dizer, custava 19 e muito. Mas para ela aquele 19,99 era muito, muito menos que 20 reais. O mais curioso de tudo é que agora as coisas custam 136,90. Ora, por quê 136,90? Para fingir que não custa 137? Qual é a diferença?

Antigamente só algumas coisas tinham o preço quebrado. Agora não. É tudo. Uma empadinha pode custar 4,99, um cafezinho 3,99 e um estacionamento em São Paulo 9,99 a hora. Não é 10. É 9,99! Nos cartórios então, os preços quebrados fazem a festa. Uma autenticação? 2,91! Um reconhecimento de firma? 4,93! e por ai vai. Nos postos de gasolina a coisa fica pior ainda. O litro de gasolina custa 2.513! Outro dia passei numa livraria e vi o preço  da caixa com todos os vinis dos Beatles: 3.399,90. E na porta de uma concessionária estava lá estampado o preço do carrão: 61.999.90!

Ultimamente tenho andado muito de ônibus e de graça. Dou uma nota de 10 reais pro cobrador, ele abre a gavetinha e me olha assustadíssimo.

– Não tenho troco!

Ótimo. Fico ali na frente sentadinho e na hora de descer pergunto a ele se já tem o troco pros meus 10 reais.

– Nem pensar!

Então desço pela porta da frente, sem o menor problema. Que vontade que tenho de chegar em algum lugar e perguntar quanto custa o litro do leite e o vendedor responder:

Três reais!

Exatos 3 reais redondinhos! Mas não é assim. O litro do leite custa 3,09.

Espero que esses quebrados fiquem apenas nos preços porque já pensou daqui a pouco a Caninha se chamar 50,99, o uísque se chamar Vat 68.90, aquele velho seriado de TV passar a ser Casal 19.90, o banco virar Banco 23 horas e 59, a estrada americana mudar para Rota 65,99? Já pensou quando lembrarmos do saudoso carnavalesco, a gente lembrar do Joãosinho 29,99?

Já pensou se um médico daqueles da antiga colocar o aparelhinho nas suas costas para medir o frêmito toraco-vocal e pedir:

Fala 32,99!

Já pensou?

ENTENDA MAIS SOBRE: ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo